A melhor coisa que qualquer tipo de ensino pode legar são os hábitos de reflexão e questionamento. A leitura pode ser uma actividade passiva, um entretenimento que não deixará marcas no espírito, para além de uma agradável distracção momentânea. Há muitos livros que são habilmente escritos de forma a não exigir mais, e nada errado há quanto a isso. Mas, para se obter algo mais, ler tem de constituir uma actividade, e não uma passividade. É difícil definir o que torna bons os livros bons, pois estes são muito diferentes entre si, mas uma coisa que é comum à sua maioria é fazer as pessoas pensar e sentir, elevando-as ou perturbando-as, e levando-as a ver o mundo de uma forma um pouco diferente, em resultado disso. Em suma, estimulam a actividade, na leitura activa. «Pouco mais encontramos num livro do que aquilo que lá pomos. Mas nos grandes livros o espírito encontra espaço para pôr muitas coisas», disse Joseph Joubert.
quarta-feira, 30 de dezembro de 2009
Uma sugestão para o novo ano: ler bons livros
quinta-feira, 24 de dezembro de 2009
Os ateus e o Natal
domingo, 20 de dezembro de 2009
argumentos de carácter emocional
terça-feira, 15 de dezembro de 2009
Vegetarianismo
sábado, 12 de dezembro de 2009
As mesmas causas produzem sempre os mesmos efeitos?
Juíz - Outra vez por cá, senhor Abílio? Está a tornar-se um frequentador assíduo deste tribunal. Parece que voltou a agredir outra pessoa.
Abílio - Sim, é verdade. Não pude evitar. Que hei-de eu fazer?
Juíz - Não pôde evitar? Como assim? Olhe que há muita gente que nunca agrediu seja quem for. Portanto, não me venha dizer que não pôde evitar.
Abílio - Pois, mas até o senhor fazia o mesmo, se estivesse no meu lugar.
Juíz - Diga lá, então, o que aconteceu.
Abílio - Esmurrei uma pessoa que me insultou, dizendo que eu era um bufo, pelo que tive de defender a minha honra.
Juíz - Mas não era caso para a esmurrar. Há muitas pessoas que, no seu lugar, não o fariam. Eu nunca o faria, por exemplo.
Abílio - É porque não se consegue colocar mesmo no meu lugar.
Juíz - É claro que consigo. E nunca procederia assim.
Abílio - Não, não, colocar-se no meu lugar não é só passar por uma situação semelhante, mas também pensar como eu, ter tido a mesma educação que eu, a mesma cultura, as mesmas vivências e até as mesmas características genéticas que eu.
Juíz - Explique lá isso.
Abílio - É fácil, fui educado a reagir sempre que me insultam. Além disso, no mundo em que fui criado, «bufo» é a pior coisa que se pode chamar a uma pessoa. Nesse caso, temos de defender a nossa honra, caso contrário somos mal vistos e considerados cobardes pelos nossos amigos. A violência sempre fez parte da minha vida, de maneira que passei a encarar isso como algo normal e aceitável, até porque sou, por natureza, agressivo e nervoso. Herdei essa agressividade do meu pai e não tenho culpa disso. Portanto, pôr-se no meu lugar é pôr-se na minha cabeça, olhar para as coisas com os meus olhos e sentir as coisas como eu as sinto. Não tenho culpa de pensar como penso, de sentir como sinto e de ser como sou.
Juíz - Ora, ora, não me diga que não tinha opção!
Abílio - Dada a maneira como fui educado, o mundo a que pertenço, as experiências por que passei e a minha própria natureza, não podia ter feito outra coisa. Se o senhor doutor juíz fosse exactamente a mesma pessoa que eu, faria exactamente a mesma coisa.
Juíz - Salvo seja!
Abílio - Pois, lá está! Não consegue pôr-se exactamente no meu lugar. Nas mesmas circunstâncias, o efeito seria o mesmo. Portanto, dadas essas circunstâncias, não tive realmente opção.
Juíz - Não me venha com coisas! O senhor fez aquilo que quis fazer.
Abílio - Claro que fiz o que queria fazer. Mas a verdade é que algo que eu não controlo me levou a querer fazer isso.
terça-feira, 8 de dezembro de 2009
Fazemos mesmo o que queremos?
segunda-feira, 23 de novembro de 2009
Motivos para agir: as respostas de três filósofos
PETER LIPTON: Há dias, estava eu a almoçar quando um diabinho poderoso me deu a escolher entre duas hipóteses: uma, os meus filhos singrarão numa vida próspera, mas eu viverei convencido de que eles vivem uma vida miserável (o que faria com que eu me sentisse miseravelmente); a outra, os meus filhos viverão de facto uma vida de miséria, mas eu viverei convencido de que eles singram numa vida próspera (o que faria com que eu me sentisse muitíssimo feliz). Assim que eu anunciar a minha escolha, a minha memória de ter feito esta escolha esfumar-se-á, aliás, esfumar-se-á inclusive a minha memória de ter almoçado com o diabinho. Sabe que mais? Vou escolher a hipótese “filhos felizes, eu miserável”. Não sou nenhum anjo, mas este é um acto altruísta.
JYL GENTZLER: O facto de, em geral, sentirmos prazer quando temos noção de que fizemos algo que acreditamos ser bom não implica que tenhamos praticado essa boa acção pelo prazer que esperamos que advenha de a realizarmos. É verdade que fazemos muitas coisas cuja motivação para que as façamos se prende apenas com o prazer que elas nos proporcionam. Muitas pessoas têm relações sexuais apenas porque ter relações sexuais lhes dá prazer, tal que, se não lhes desse prazer, não o fariam, e talvez não o pudessem fazer. Mas nem todas as nossas acções se enquadram nesta categoria. Há coisas que fazemos simplesmente porque estamos convencidos de que valem a pena ser feitas. E dado que acreditamos que valem a pena ser feitas, sentimos satisfação quando sabemos que fizemos uma coisa que valia a pena fazer. Todavia, não pode ser o caso que façamos este tipo de acções pelo prazer que o facto de as fazermos nos transmite, uma vez que o próprio facto de sentirmos este prazer depende de atribuirmos valor independente às acções levadas a cabo ou às consequências dessas acções. Por exemplo, se eu não considerasse que era uma boa ideia contribuir para a Oxfam [Organização não governamental internacional de combate à fome e à pobreza] com parte dos meus limitados recursos, não sentiria prazer em fazê-lo. Assim, o facto de acreditar que é uma boa ideia que eu contribua para a Oxfam não pode ser motivado apenas pela minha expectativa de que virei a retirar algum prazer pelo facto de o ter feito.
THOMAS POGGE: Dada a imensa diversidade da conduta humana ao longo das épocas e nas mais variadas culturas, é fácil descobrir contra-exemplos plausíveis. Porém, tais contra-exemplos estão sempre sujeitos a ser liminarmente contestado por observações como a que menciona: a acção aparenta ser altruísta, mas é efectivamente motivada pela satisfação que o agente espera derivar da expiação de uma culpa ou da aprovação por parte de terceiros. Mesmo quando uma pessoa se atira para cima de uma granada prestes a explodir para salvar os seus camaradas, poderá sempre haver quem diga que a satisfação que este indivíduo espera vir a obter, por exemplo sob a forma de louvor por parte dos seus camaradas, terá certamente pesado mais na ponderação dele do que o receio que lhe inspira a dor, e a morte, que sabe que vai sofrer ao tomar esta atitude.
O problema com este tipo de objecção é o facto de conduzir a uma circularidade. O facto de uma pessoa agir de certa maneira é tomado como suficiente para mostrar que terá forçosamente que ter havido uma motivação egoísta para essa acção. E a proposição em questão (i.e., todas as acções humanas são motivadas por interesse próprio) passa assim a ser completamente imune a refutação. Passa a ser repetida a propósito de toda e qualquer acção. E, uma vez assim sendo, deixa de ser expressão de uma descoberta (perturbadora) sobre o mundo específico em que vivemos. [...]
Consideram estas respostas esclarecedoras? E concordam com elas?
sexta-feira, 20 de novembro de 2009
Motivos para agir
“Acredito que todas as acções humanas são motivadas por interesse próprio: mesmo as chamadas acções altruístas são levadas a cabo com o objectivo de redimir uma culpa, ou de obter aprovação por parte de outros, ou mesmo para usufruir daquele sentimento agradável que nos preenche quando sabemos que fizemos uma coisa boa (acção que é essencialmente egoísta, considerando que o indivíduo que a pratica recebe uma recompensa espiritual, em vez de uma recompensa material). Como discordariam desta posição?”
Retirado do livro organizado por Alexander George, Que Diria Sócrates? (Gradiva)
quinta-feira, 19 de novembro de 2009
Dia mundial da filosofia: respeitar os filósofos
Eis, pois, algumas afirmações de filósofos importantes que, com o devido respeito, me parecem disparatadas:
Até aqui os filósofos têm-se dedicado a interpretar o mundo, porém o que importa é transformá-lo. Marx, autor da frase, dava uma prioridade à praxis (prática ou acção) em relação à teoria. Mas há demasiados exemplos de que a prática, quando não é iluminada por uma compreensão prévia da realidade, acaba por se tornar cega e mesmo perigosa. Como sabemos o que transformar ou sequer se podemos mudar o que ainda não tentámos compreender? E será que é realmente importante mudar o que eventualmente possa estar bem? Não será fundamental saber antes o que está bem ou mal e porquê para sabermos se vale realmente a pena mudar seja o que for? Assim, a ideia subjacente de que a teoria e a prática são coisas divergentes é manifestamente errada e até perigosa.
quarta-feira, 18 de novembro de 2009
Quantas acções?
terça-feira, 17 de novembro de 2009
Mais acções?
Qual é a falácia?
sexta-feira, 13 de novembro de 2009
Quem argumenta melhor?
quarta-feira, 11 de novembro de 2009
Será que escolhemos realmente o que fazemos?
Em 1924, dois adolescentes de Chicago, Richard Loeb e Nathan Leopold, raptaram e assassinaram um rapaz chamado Bobby Franks apenas para provar que conseguiam fazê-lo. O crime impressionou o público. Apesar da brutalidade do seu acto, Leopold e Loeb não pareciam especialmente perversos. Provinham de famílias ricas e eram ambos estudantes excelentes. Aos dezoito anos, Leopold era o licenciado mais jovem na história da Universidade de Chicago, e, aos dezanove anos, Loeb era a pessoa mais nova que se tinha licenciado na Universidade de Michigan. Leopold estava prestes a entrar na Escola de Direito de Harvard. Como era possível que tivessem cometido um assassinato absurdo? O seu julgamento iria receber o mesmo tipo de atenção que o de O. J. Simpson, setenta anos mais tarde.
Os seus pais contrataram Clarence Darrow, o advogado mais famoso da altura, para os defender. Darrow era conhecido como o paladino das causas impopulares — tinha defendido sindicalistas, comunistas e um negro acusado de ter morto um membro de uma turba racista. Três anos depois, no seu caso mais famoso, defendeu John Scopes, do Tennessee, da acusação de ter ensinado a evolução numa aula do ensino secundário. Darrow era também o adversário da pena de morte mais conhecido no país. Em 1902, tendo sido convidado pelo director da Prisão de Cook County para dar uma conferência aos presidiários, disse-lhes o seguinte:
Na verdade, não acredito minimamente no crime. No sentido habitual da palavra, não existem crimes. Não acredito em qualquer distinção entre as verdadeiras condições morais das pessoas que estão dentro e das que estão fora da prisão. São iguais. Do mesmo modo que as pessoas que estão aqui dentro não poderiam ter evitado estar aqui, as pessoas que estão lá fora também não poderiam ter evitado estar lá fora. Não acredito que as pessoas estejam na prisão porque o mereçam. Estão na prisão apenas porque não puderam evitá-lo, devido a circunstâncias que ultrapassam inteiramente o seu controlo e pelas quais não são minimamente responsáveis.Estas ideias iriam figurar preeminentemente na defesa de Leopold e Loeb. [...]
Leopold e Loeb tinham já admitido a sua culpa, pelo que o trabalho de Darrow era apenas mantê-los longe da forca. Não haveria um júri. O juiz escutaria os argumentos dos advogados e decidiria depois se os réus seriam enforcados.
Darrow falou durante mais de doze horas. Não sustentou que os rapazes eram loucos. Ainda assim, disse, não eram responsáveis pelo que tinham feito. Darrow apelou a uma nova ideia que os psicólogos tinham proposto, nomeadamente que o carácter humano é moldado pelos genes do indivíduo e pelo ambiente. Disse ao juiz: «As pessoas inteligentes sabem agora que todo o ser humano é o produto de uma hereditariedade infindável que o precede e de um ambiente infinito que o rodeia».
Não sei o que levou estes rapazes a realizar esse acto louco, mas sei que houve uma razão para que o tenham realizado. Sei que não o produziram por si. Sei que qualquer uma de um número infindável de causas que remontam ao começo pode ter actuado na mente destes rapazes — que vos pedem para enforcar por malícia, ódio e injustiça — porque, no passado, alguém pecou contra eles.
Deveremos censurar Dickie Loeb por causa das forças infinitas que conspiraram para o formar, das forças infinitas que actuaram na sua criação muito antes de ele ter nascido, sabendo que, por causa dessas combinações infinitas, ele nasceu sem [o tipo correcto de emoções]? Se devemos, então tem de haver uma nova definição de justiça. Deveremos censurá-lo pelo que não teve e nunca teve?
O juiz deliberou durante um mês e depois condenou Leopold e Loeb a prisão perpétua. Doze anos mais tarde, Richard Loeb, que fora o instigador do crime, foi morto numa contenda com outro prisioneiro. Nathan Leopold passou trinta e quatro anos na prisão, durante os quais deu aulas a outros prisioneiros, ofereceu-se como cobaia para experiências médicas com a malária, dirigiu a biblioteca da prisão e trabalhou no hospital da prisão. Depois ficar em liberdade condicional, foi viver para Porto Rico, onde continuou a esforçar-se até ao fim da vida por se «tornar novamente um ser humano», sobretudo através de trabalhos que implicavam ajudar os outros. Morreu em 1971.
James Rachels, Problemas da Filosofia (Lisboa: Gradiva, 2009, pp. 155-9)
terça-feira, 10 de novembro de 2009
Mais uma derivação
domingo, 8 de novembro de 2009
Uma questão básica: o que é uma acção?
sábado, 7 de novembro de 2009
Humor filosófico
Um exercício de lógica para o 11º ano
¬(S→P)→¬P,¬(¬P∨¬Q),Q→(S→P) |-- S→P
Nota 1: o martelo sintáctico está um bocado improvisado, mas acho que se percebe.
Nota 2: os alunos do 10º ano não se assustem com o que vão apanhar no 11º, pois isto é mais simples e divertido do que parece.