Agradeço aos que se atreveram a enfrentar a carga de água que caiu ontem à tarde em Lisboa para comparecerem na livraria Bertrand das Amoreiras para o lançamento do meu livro e do Desidério Janelas Para a Filosofia (col. Filosofia Aberta, da Gradiva). Um agradecimento muito especial a Carlos Fiolhais, que apresentou o livro.
domingo, 14 de dezembro de 2014
quinta-feira, 20 de novembro de 2014
Filosofia e literatura: Lolita
Pode a literatura substituir a filosofia? E a filosofia, pode substituir a literatura? A resposta é, em ambos os casos, negativa. Felizmente, seja para quem aprecia literatura, seja para quem se interessa realmente pelas questões filosóficas. Mas do facto de literatura e filosofia não serem a mesma coisa, não se segue que cada uma delas não possa dar importantes contributos para a outra. A literatura pode fecundar a filosofia tanto como a filosofia pode tornar a literatura fecunda, cada uma no seu próprio domínio.
Embora os filósofos criem por vezes cenários ficcionais — como o fizeram Platão com a alegoria da caverna e o anel de Giges, Descartes com o génio maligno, Rawls com a posição original, Nozick com a máquina de experiências, Searle com o quarto chinês ou Putnam com a Terra gémea e o cérebro numa cuba, entre outros exemplos —, eles estão sobretudo interessados em desenvolver respostas para certo tipo de questões. Essas respostas consistem em teorias desejavelmente suportadas por bons argumentos. A tarefa do filósofo é, pois, essencialmente teórica. O poeta e o romancista, por sua vez, tipicamente não visam resolver problemas nem desenvolver teorias. Mas, quando se trata de boa filosofia e de grande literatura, tanto o filósofo como o poeta e o romancista nos desafiam e nos deixam a pensar, impelindo-nos a rever algumas das nossas ideias e convicções aparentemente mais firmes.
A grande literatura é aquela que consegue testar as nossas intuições mais básicas: as nossas crenças morais, estéticas, políticas, religiosas, etc. Não é tanto aquela que afaga os nossos preconceitos e vai de encontro ao que já damos como garantido. É certo que pode ilustrar de forma luminosa algumas ideias que temos e que ainda não estão completamente claras para nós, mas torna-se filosoficamente fecunda sobretudo quando nos consegue incomodar e nos quer tirar a razão, surpreendendo-nos sobre nós próprios e as nossas reacções, fazendo-nos vacilar e pensar novamente. Quando consegue fazê-lo com elegância e subtileza, sem nos dizer o que devemos pensar ou o que devemos sentir, a literatura adquire uma eficácia inigualável, o que só está ao alcance de uns quantos génios literários. É por isso que os romances em que o narrador se põe a pensar pelo leitor me parecem insuportáveis. E isso explica por que razão os romances moralizadores — que não é a mesma coisa que os romances com conteúdo moral — só convencem os já convencidos. Ora, um desses romances não é certamente Lolita, do escritor russo Vladimir Nabokov.
Lolita, originalmente escrito em inglês mas publicado pela primeira vez em França no ano de 1955, é um romance irresistivelmente perturbador. Não foi, de resto, por acaso que a sua publicação foi proibida em muitos países europeus — e não só — e que nunca deixou de gerar polémica. Não só porque nos conta a história de uma personagem moralmente sórdida, mas porque Nabokov o faz com tal requinte, que chega a levar o leitor a simpatizar com tal personagem, fazendo estremecer as convicções morais mesmo do leitor mais distanciado.
O livro conta a história de um professor de literatura, Humbert Humbert, que vai da Europa para os Estados Unidos para ensinar literatura numa universidade americana. Acaba por arrendar um quarto na casa de uma mulher viúva, onde vive com a sua filha de 12 anos, Dolores Haze, a quem a mãe chama Lolita — o diminutivo de Dolores. O professor fica imediatamente apaixonado por Lolita, fantasiando o mais improvável e voluptuoso romance com aquela «sua» ninfita. A mãe de Lolita começa, por sua vez, a sentir-se atraída pelo professor. Humbert Humbert acha a mãe de Lolita completamente desinteressante senão mesmo detestável, mas acaba por se casar com ela com o intuito de ficar para sempre perto de Lolita. Mas isso não é suficiente, pois deseja ficar apenas com Lolita, o que o leva a cismar em matar a sua insuportável mulher. O problema é que não só não tem coragem como lhe parece imprudente e mesmo indigno de uma pessoa refinada como ele ter de manusear armas ou dar-se ao trabalho de misturar veneno na comida da sua mulher. Ainda assim, o destino dá-lhe caprichosamente uma ajuda: num belo dia, recebe a feliz notícia de que a sua mulher foi atropelada mortalmente, deixando-o como único responsável pelo sustento e pela educação da sua ninfita. Fica, assim, o caminho livre para desenvolver uma relação incestuosa e pedófila com Lolita.
Ora, tudo isto é moralmente repugnante. Contudo, só um escritor genial consegue tornar uma história destas irresistível, a ponto de deixar o leitor ávido, surpreendido e mesmo irritado com a sua própria complacência em relação a uma personagem tão execrável. E este é o aspecto filosoficamente mais interessante do romance, na medida em que funciona como um teste às nossas intuições morais mais básicas, tal como os filósofos imaginam situações hipotéticas para testar as nossas convicções e as suas teorias. As teorias filosóficas não podem ser testadas com experiências reais. Felizmente, a boa literatura é capaz de gerar as mais vivas experiências ficcionais. Mas estas experiências só são eficazes se tiverem impacto real no leitor. Isso é tarefa para os grandes génios da literatura, como Sófocles, Shakespeare, Eça de Queirós, Fernando Pessoa, George Orwell ou... Vladimir Nabokov.
Outra questão filosófica interessante que Lolita sugere é a da avaliação da arte, em particular a relação entre arte e moralidade: será que a grande arte pode ser imoral? Tolstói considerava a arte como algo valioso por contribuir para o aperfeiçoamento moral de quem a aprecia. Assim, uma falha moral numa obra implica sempre, segundo ele, uma falha artística, comprometendo irremediavelmente o seu valor qua arte. Esta posição é conhecida como moralismo. A perspectiva de Tolstói é de tal modo exigente que ele próprio conclui que quase nenhum dos seus romances — Guerra e Paz e Ana Karenina, por exemplo — tem valor artístico precisamente por os considerar moralmente fúteis. De acordo com Tolstói, talvez Lolita fosse uma obra literária falhada. Em sentido oposto, o autonomismo é a perspectiva filosófica segundo a qual nenhum defeito moral é um defeito artístico, na medida em que a arte é autónoma e, portanto, independente da moral. O esteticismo é uma forma de autonomismo e o decadentismo uma forma extrema de esteticismo, de acordo com a qual a estética se sobrepõe sempre à moral: qualquer imoralidade é justificável se for cometida em nome da arte.
Resta saber se Lolita é mesmo uma obra imoral. Se encararmos Lolita como uma espécie de experiência ficcional destinada a testar a firmeza das nossas convicções morais, então talvez seja uma obra com um grande interesse moral e filosófico. Há quem, como eu, pense que é este o caso e que é precisamente isso que faz de Lolita um dos mais importantes romances do século XX. É por isso que ler Lolita é um desafio intelectual, um teste moral e... um inesquecível prazer estético.
sexta-feira, 14 de novembro de 2014
sexta-feira, 7 de novembro de 2014
Diz a coruja sobre orfeu
Este ano termina com uma excelente novidade editorial: Filosofia da Música: Uma Antologia, organizada por Vitor Guerreiro para a editora Dinalivro (colecção Filosofia Pública). Este livro tem todas as qualidades para ser uma obra de referência para o leitor de língua portuguesa interessado nas questões filosóficas colocadas pela música e para quem, além das questões sobre o consumo e da mera fruição musical, se interessa também pela discussão esclarecida da arte sónica. É interessante para filósofos porque se trata de filosofia no seu melhor, e é interessante para quem pensa que a música dá que pensar porque reflecte sobre a própria natureza da música e da sua compreensão.
O livro é ainda uma referência porque nele se encontram alguns dos mais importantes textos de filosofia da música, da autoria dos mais destacados filósofos da arte contemporâneos: Jerrold Levinson, Stephen Davies, Andrew Kania, Julian Dodd, Jenefer Robinson, Nick Zangwill, Roger Scruton e Malcolm Budd. Só um nome sonante da área da filosofia da música está mesmo a faltar: Peter Kivy. Isso acontece porque, como a excelente introdução de Vítor Guerreiro deixa antever, os textos apresentados funcionam como um diálogo aos pares: cada par de textos diz respeito a um problema, sendo o segundo texto uma resposta alternativa à posição defendida no primeiro. Foi apenas para tornar o diálogo filosófico mais vivo que o organizador optou por aqueles textos em vez de outros. Mas o texto de referência de Kivy sobre ontologia da música, intitulado «Orquestrando o platonismo», em que este responde ao texto de Levinson, também foi excluído porque o próprio Kivy declinou o convite para a sua publicação por ter mudado de opinião sobre o assunto. Contudo, as ideias de Kivy são referidas na introdução, onde Vítor Guerreiro nos dá uma excelente panorâmica dos principais problemas e teorias da filosofia da música, em particular dos quatro problemas a que os textos seleccionados respondem: definição de música, ontologia da música, expressão musical e compreensão musical.
Do que tenho acompanhado é provavelmente o melhor livro de filosofia publicado entre nós neste ano.
quinta-feira, 23 de outubro de 2014
O eterno retorno
A propósito de BD filosófica, ainda há quem se lembre da humorística Filosofia de Ponta, de Júlio Pinto e Nuno Saraiva, publicada semanalmente no Independente, no início da década de 90 do século passado?As pranchas foram reunidas e publicadas em 1996 num álbum pela Contemporânea Editora, de Matosinhos. Para quem não se lembra, deixo aqui uma prancha, com o humor do costume.
clicar em cima da imagem para ampliar
sexta-feira, 17 de outubro de 2014
Uma busca épica da verdade
Finalmente, a edição portuguesa! O enorme sucesso de Logicomix: Uma Busca Épica da Verdade, a original banda desenhada matemático-filosófica dos gregos Apostolos Doxiadis e Christos Papadimitriou, com arte de Alecos Papadatos e Annie di Donna, chega a Portugal, numa excelente edição da Gradiva.
Para se ter uma ideia do sucesso deste livro, originalmente escrito em grego, basta ver que já foi editado nos seguintes países: Holanda, EUA, Inglaterra, França, Itália, Alemanha, Finlândia, Brasil (pela Martins Fontes), Croácia, Espanha, Noruega, Polónia, Dinamarca e República Checa, tendo edições em curso também na China, no Japão, na Rússia, na Turquia, em Israel, na Coreia do Sul, e até no Irão. O sucesso não é apenas junto do público, mas também da crítica, quase sempre muito positiva (quando não mesmo entusiástica), sendo-lhe dado destaque nas secções literárias dos mais prestigiados jornais do mundo: New York Times, Guardian, Financial Times, Washington Post, Independent, Time Magazine. Alguns deles colocam-no mesmo entre as suas melhores escolhas. A Amazon, por sua vez, conta com nada menos do que 162 recensões de leitores, com uma avaliação média de quase 5 estrelas.
Apesar disso, o livro poderia, ainda assim, não ser grande coisa. Mas o sucesso é bem justificado. O que tem, então, Logicomix de especial?
Eu diria que o sucesso do livro deve muito à conjugação de quatro aspectos principais.
1. É uma ideia original e arriscada, que consiste em usar a banda desenhada para abordar temas abstractos e geralmente tidos como difíceis, como a matemática, a lógica e a filosofia. Tudo isso é feito com o pretexto de contar a história de vida de alguém que procura obstinadamente a verdade.
2. Esses temas são abordados de uma forma muito acessível e até apelativa. O truque dos autores foi o procurarem contar a história romanceada da vida de Bertrand Russell, uma vida bastante diversificada e preenchida em termos intelectuais e não só.
3. Apesar de apresentadas de forma descontraída e acessível, as ideias de Russell e de outros matemáticos e filósofos não constituem meras caricaturas. Mesmo quando são discutidas de forma sumária, os autores sabem do que estão a falar. Até porque Doxiadis é, ele próprio, um matemático encartado, autor do best seller internacional de divulgação científica O Tio Petros e a Conjectura de Golbach, e Papadimitriou é professor de ciência computacional em Berkeley.
4. Descreve o contexto intelectual e histórico de uma verdadeira revolução de ideias ocorrida entre o fim do século XIX e o início da Segunda Guerra Mundial, cujos protagonistas são cérebros tão brilhantes quanto tortuosos (a loucura é uma presença constante ao longo do livro), como Frege, Hilbert, Cantor, Wittgenstein, Poincaré, Gödel, além de Whitehead e do próprio Russell.
Nada disto significa que não possa haver aspectos menos conseguidos do livro, tanto a respeito das ideias nele contidas como a respeito dos desenhos. Quem espera encontrar uma discussão profunda das questões matemáticas e filosóficas nele abordadas, irá ficar decepcionado. Mas é duvidoso que alguém procure tal coisa num livro de banda desenhada. O livro já faz muito ao introduzir algumas ideias aparentemente inacessíveis a um público alargado, mas interessado nelas. E até quem as conhece bem consegue apreciar o modo como os autores as tratam.
A edição portuguesa, que inclui um prefácio do conhecido matemático Jorge Buescu, é muito cuidada. Pena é ainda se encontrar um ou outro deslize de tradução de alguns termos filosóficos. Mas nada de mais.
Os autores mantêm um sítio na net totalmente dedicado ao livro.
Ficaria muito surpreendido se jornais de referência como o Público ou o Expresso se dignassem falar do livro nos seus suplementos literários semanais. Afinal, os seus critérios não podem descer ao nível de um New York Times ou de um Guardian.
NOTA: É bom saber que me enganei, pois o Expresso publicou mesmo uma recensão ao livro no seu suplemento Actual. A recensão é da autoria de José Mário Silva e pode ser lida aqui.
NOTA: É bom saber que me enganei, pois o Expresso publicou mesmo uma recensão ao livro no seu suplemento Actual. A recensão é da autoria de José Mário Silva e pode ser lida aqui.
quinta-feira, 16 de outubro de 2014
Arte e estética
Que algumas obras de arte não têm de todo qualquer propósito estético é bem diferente de admitir que muitas obras de arte não têm propósitos estéticos importantes. Muitas vezes os teorizadores escorregam demasiado facilmente da última afirmação para a primeira. Além disso, devíamos ser cautelosos acerca da tese de que muitas das grandes obras de arte não têm qualquer propósito estético. Isso não passa de um mito. (Uma das fontes do mito é as pessoas levarem demasiado a sério os "manifestos" dos artistas, que não devem tantas vezes ser tomados com mais seriedade do que qualquer outra peça publicitária.)
Nick Zangwill, Aesthetic Creation
terça-feira, 10 de junho de 2014
Humano ou não?
Aqui fica, com a devida autorização da sua autora, Daniela Cabrita, um pequeno ensaio sobre o filme Blade Runner: Perigo Iminente, de Ridley Scott.
Será Deckard humano ou será replicante?
Daniela Cabrita
Daniela Cabrita
Escola Secundária Manuel
Teixeira Gomes
Maio de 2014
11º ano, turma M de
Filosofia
Neste ensaio discute-se se
Deckard, uma personagem do filme Blade
Runner – Perigo Iminente, será humano ou replicante. Defendo que Deckard é
um replicante.
No filme, distinguia-se um
ser humano de um replicante recorrendo à utilização de uma máquina de teste
chamada “Voight-Kampff”. De outra forma, por exemplo, recorrendo ao ADN, os
replicantes seriam também considerados humanos. Deckard, que deteta a diferença
entre humanos e replicantes recorrendo a esse teste, depara-se com Rachel, que
pensa ser humana, quando na realidade não o é. A situação de Rachel pode muito
bem assemelhar-se à de Deckard: quem é que lhe garante que ele não é também um
replicante? À medida que o filme vai avançando, são vários os fatores que me
levam a crer que Deckard é um replicante. Por exemplo, quando Rachel lhe
pergunta se este alguma vez realizou o tal teste, este nunca lhe chega a
responder. Para além disso, Deckard é quase inexpressivo, neutro, e
praticamente não reage a quase tudo o que o envolve. As atitudes que ele tem
não condizem com o que, aparentemente, um humano sentiria na mesma situação. Além
disso, Gaff (uma espécie de vigilante dos caçadores de replicantes) disse
significativamente a Deckard que este fez um “trabalho de homem”. O que
quereria ele dizer com isso? Para mim, esta é uma frase bastante importante e
que nos pode levar a pensar em todo o filme.
Aliado a isto está o facto
de Deckard ter encontrado o origami de um unicórnio, que já tinha aparecido nos
seus sonhos, e que pode ser uma prova de que aquilo pode ser apenas uma memória
implantada. Portanto, como pode o próprio Deckard confiar nas suas memórias? Para
além disso, porque haveriam de pôr um humano em perigo à procura de
replicantes? Tal como é dito no filme, os replicantes faziam trabalho escravo
para os humanos, faziam os serviços demasiado arriscados. Algo que se repara no
filme é que, num determinado ângulo de luz, os replicantes têm um certo brilho no
olhar. Numa cena em que Deckard fala com Rachel ele tem exatamente o mesmo
brilho nos olhos que ela. Se Deckard fosse realmente humano, tal não
aconteceria.
Concluindo, do meu ponto
de vista, Deckard é um replicante devido a certas atitudes que toma, à maneira
como reage e o facto de nunca ter mencionado a sua família, o que me leva a
duvidar acerca da sua humanidade.
quinta-feira, 1 de maio de 2014
Humanidade
Deixo aqui o início do Capítulo 12 do novo manual 50 Lições de Filosofia, 11.º Ano, de que sou autor, juntamente com Desidério Murcho. É sobre um tema que iremos discutir nas aulas, baseado num filme que é suposto os alunos terem visto. O tema é: tecnologia e humanidade.
Imaginemos que estamos num futuro em que a tecnologia está desenvolvida a ponto de nos permitir colonizar outros planetas. Imaginemos que a tecnologia nos permite criar, em avançados laboratórios de engenharia genética, andróides praticamente iguais aos seres humanos. Imaginemos que esses andróides podem até ser mais fortes, mais resistentes e mais inteligentes do que muitos seres humanos. Imaginemos que criávamos esses andróides para facilitar a nossa vida, pondo-os ao nosso serviço: por exemplo, enviando-os para outros planetas para desempenharem as tarefas mais difíceis e arriscadas; aquelas tarefas mais duras que os seres humanos não estariam dispostos a realizar. Sendo especialmente inteligentes, esses andróides poderiam um dia recusar-se a desempenhar tais tarefas e decidir viver a sua própria vida sem estar ao serviço dos humanos; sendo também fortes, talvez ninguém os conseguisse deter. Imaginemos que, para evitar tais perigos, os andróides foram concebidos e fabricados de maneira a que o seu período de vida fosse limitado a quatro anos. Sendo nós seres humanos, como reagiríamos, caso algum andróide se revoltasse? E se fôssemos andróides, como reagiríamos ao saber que iríamos durar apenas quatro anos, sempre ao serviço dos humanos?Para nos ajudar a imaginar precisamente este futuro, o melhor é ver Blade Runner: Perigo Iminente, o filme de 1982, realizado pelo inglês Ridley Scott, que se tornou um dos mais destacados filmes de culto da história do cinema.
domingo, 23 de março de 2014
sexta-feira, 7 de março de 2014
Aprender filosofia com a história da filosofia
Decorreu esta manhã a XV Conferência de Filosofia da Teixeira Gomes. O tempo correu depressa e o Professor António Pedro Mesquita, da Universidade de Lisboa, ainda tinha mais para dizer. O destaque foi sobretudo para a teoria da felicidade de Aristóteles, a principal influência das concepções do período helenístico, de que se destacam o epicurismo e o estoicismo. Muitos dos presentes ficaram com vontade de assistir a uma segunda conferência sobre as concepções clássicas da felicidade. Quem sabe se um dia...
Entre as muitas ideias interessantes que nos foram explicadas, sublinho aquela com que o Professor António Pedro Mesquita iniciou a sua conferência, e que constitui a melhor justificação para o estudo da história da filosofia. Assim, antecipando a resposta para a pergunta sobre a utilidade da história da filosofia, o Professor António Pedro Mesquita argumentou que o seu estudo permite:
- evitar "abrir portas abertas";
- descobrir potencialidades não desenvolvidas na teoria original;
- servir de modelo ou inspiração para novas retomadas de soluções já dadas;
- em geral, ajudar a mapear um problema e as suas soluções;
- ou a experimentar a coerência, solidez e força de determinado paradigma filosófico mais ou menos frequente (por exemplo, o aristotélico, o kantiano, etc.)
Como se vê, boas razões não faltam. Resta-nos agradecer, mais uma vez, ao Professor António Pedro Mesquita.
quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014
terça-feira, 14 de janeiro de 2014
Justificação e verdade
Quando testemunhamos um acidente, olhamos para o termóstato,
misturamos azeite com água na cozinha ou observamos um eclipse raro a olho nu,
adquirimos crenças sobre o comportamento das coisas e das pessoas à nossa
volta. Em todos estes casos, temos a experiência directa do
que acontece, do que vemos ou sentimos, e em grande medida ganhamos essa
experiência por via da observação. Mais frequentemente, porém, as nossas
crenças provêm de fontes indirectas, algumas mais fiáveis que outras (especialistas destacados, professores, livros, televisão, internet, boatos, tradição, por
exemplo). E há, finalmente, crenças que retiramos de crenças anteriores. Se sei
que o meu amigo João é alérgico aos camarões e que no banquete há um salteado que
contém camarão-tigre, então formo a crença de que o João deve evitar o
salteado.
As nossas crenças são justificadas se temos boas razões
que sustentem o seu conteúdo. Mas há uma diferença entre verdade e justificação.
A minha crença de que amanhã vai chover pode ser justificada — pode, por exemplo,
provir de uma fonte fiável — e no entanto acabar por ser falsa. A justificação
não garante a verdade. Por outro lado, posso ter uma crença verdadeira, como
por exemplo que o meu vizinho é um espião, sem ter a mínima prova que a apoie.
O que eu acho ou o que neste caso o meu instinto me disse, coincidiu por acaso com algo que é
verdade, mas a minha crença não é justificada.
Há pelo menos duas razões para nos interessarmos pelas
crenças justificadas. Primeiro, por vezes a verdade não chega. Termos
uma justificação para as nossas crenças torna mais fácil convencer os outros da
sua verdade. No tribunal, por exemplo, o que eu acho e o meu instinto me diz não
contam. É preciso provas de que o acusado é culpado ou de que
não houve crime. Segundo, é mais provável que, desde que coerentemente organizadas, as nossas crenças justificadas ofereçam
uma explicação satisfatória para os fenómenos por que nos interessamos. Dificilmente valorizaríamos um conjunto
aleatório de crenças verdadeiras, mas se tivermos fundamentos para elas, é mais
provável que vejamos as ligações entre elas e que delas retiremos outras
implicações, o que potencialmente alarga o conhecimento.
Por vezes, os sistemas de crenças coerentemente
organizados formam teorias. Formamos teorias em contexto muito diferentes, não
apenas no contexto das disciplinas científicas formais. Temos teorias sobre
toda uma variedade de coisas: por exemplo, sobre como ser bem-sucedido nas
entrevistas de emprego, sobre o que originou a tensão no Médio Oriente, sobre o
motivo por que John Grisham vende tantos livros.
Lisa Bortolotti, Introdução à Filosofia da Ciência (2008). Trad. port. Jorge Beleza. Lisboa: Gradiva, 2013, p. 67-8.
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