sexta-feira, 26 de junho de 2020
Deus existe? O essencial
quinta-feira, 25 de junho de 2020
Diferentes tipos de objectividade e a objectividade dos juízos morais
Se não houver factos morais, também não poderá haver juízos morais objectivos? Eis o que diz John Rawls sobre isso (com algumas adaptações à tradução portuguesa, que deixa algo a desejar).
Estou a pensar naqueles que sustentam que a objectividade dos juízos e das crenças depende de disporem de uma explicação adequada que se inscreva numa perspectiva causal do conhecimento. Esses entendem que um juízo (ou uma crença) só é objectivo(a) quando o conteúdo do nosso juízo é (em parte) função de um tipo apropriado de processo causal que afecta a nossa experiência perceptiva, por hipótese, aquela em que se baseia o nosso juízo. […]
Por exemplo, o nosso juízo perceptivo de que o gato está no tapete é o resultado (em parte) de um adequado processo causal que afecta a nossa experiência perceptiva de o gato estar no tapete. […] Na mesma linha, até as próprias crenças dos físicos teóricos serão explicadas desta forma. O predicado da objectividade só se associa a estas crenças se dispõe de uma explicação que mostra que a sua afirmação por parte dos físicos é (em parte) o resultado de processo causal adequado, relacionado com o facto de o mundo ser aquilo que os físicos imaginam que é.
[…] Admitimos que o requisito causal faz parte de uma concepção da objectividade apropriada para os juízos da razão teórica, ou, pelo menos, para grande parte da ciência natural, e também para os juízos perceptivos.
No entanto, esse requisito não é essencial para todas as concepções da objectividade, e seguramente não o é para uma concepção adequada para o raciocínio moral e político. Isso é posto em evidência pelo facto de não exigirmos de um juízo moral ou político que as razões que o sustentam mostrem que ele se encontra ligado a um processo causal adequado, nem exigimos uma explicação dele no âmbito da psicologia cognitiva. Pelo contrário, basta que as razões apresentadas sejam suficientemente fortes. Nós explicamos o nosso juízo, na medida em que o fazemos, simplesmente através da sondagem dos seus fundamentos: a explicação assenta nas razões que sinceramente afirmamos. Que há mais a dizer, excepto questionar a nossa sinceridade e a nossa razoabilidade?
É evidente que, dados os muitos obstáculos que se colocam ao acordo sobre o juízo político, mesmo entre pessoas razoáveis, não chegaremos sempre, ou até na maior parte das ocasiões, a acordo. Mas devemos, pelo menos, ser capazes de reduzir as nossas diferenças e chegar, assim, próximo de um acordo, e isso à luz do que consideramos serem os princípios e critérios partilhados de raciocínio prático.
J. Rawls, O Liberalismo Político. Lisboa: Editorial Presença, 1996, pp. 128-129.
quarta-feira, 24 de junho de 2020
Filosofia da morte
Já não era novo, mas estava ainda longe da velhice, embora a sua posição na hierarquia militar pudesse fazer supor o contrário. O General Grant morreu há pouco mais de quinze dias. A sua morte, não sendo repentina, apanhou‑o bastante de surpresa, visto que há menos de um mês parecia gozar de plena saúde. Excepto no último dia, a doença não o fez sofrer muito. Manteve‑se lúcido até ao fim, pelo que dispôs de tempo suficiente para se despedir dos amigos, revisitar alguns livros, planear o seu próprio funeral e escolher a sua sepultura, que sobretudo havia de ser modesta.
O interesse pelas indagações filosóficas levou o General Grant a frequentar o salão de Lady Lucy, em Londres, onde se reuniam alguns dos espíritos mais sagazes da cidade — e também um segmento apreciável de pedantes e bajuladores, na sua opinião. Quando Lady Lucy o visitou pela última vez, o general, ciente da iminência do seu fim, fez‑lhe um único pedido. Gostaria de uma espécie de homenagem póstuma, que seria esta: para celebrar o seu gosto pela filosofia, ser‑lhe‑iam dedicadas várias sessões de discussão filosófica. Três, mais precisamente, uma por semana e todas sobre o mesmo tema: a morte. Deixaria escritas três perguntas muito sucintas, selando cada uma delas num envelope numerado, que só deveria ser aberto à hora prevista para o começo do debate. Assim fez. A Lady Lucy, como de costume, caberia moderar as discussões, sem se inibir de ter voz activa nas mesmas. Estas, no entanto, deveriam ficar confinadas a um círculo muito estrito do seu salão, constituído por apenas quatro pessoas, e isto a contar com ela própria. Vejamos então, por idade decrescente, a quem o General Grant confiou a realização do seu desejo final.
O mais velho é o Prof. Pohl, um médico alemão, agora distinto professor de filosofia natural e experimental. Descendo à meia‑idade, encontramos o Rev. Royce, escocês, arguto defensor da ortodoxia contra as opiniões dos livres‑pensadores, porém bastante desprovido de animosidade e sempre disponível para uma troca franca de ideias. Lady Lucy estranhou a última escolha: Pierre Perrier, um jovem literato francês muito dado à boémia e autor de um par de peças teatrais, ainda por representar, bem como de alguns panfletos anónimos que indispuseram meia cidade.
De pessoas tão singulares e diversas, alguma vez poderia resultar uma série de conversas aborrecidas?