Há uns anos enviei algumas perguntas a Searle a propósito do seu último livro Da Realidade Física à Realidade Humana. As perguntas que lhe fiz e as suas respostas foram publicadas num folheto de divulgação da editora Gradiva, que publicou também o livro na colecção Filosofia Aberta, então dirigida por mim.
Acabei de me cruzar com as respostas enviadas por Searle: uma sobre o tema do livre-arbítrio, outra sobre a ideia de natureza humana e outra sobre o modelo computacional da mente, o qual ele rejeita. Ao ler a resposta do filósofo à minha última pergunta pensei no que há dias postei sobre inteligência artificial e as tribos da aprendizagem automática.
No seu livro Da Realidade Física à Realidade Humana sugere que precisamos de alcançar um conhecimento acerca do funcionamento do cérebro para compreendermos melhor a resposta correcta para o problema do livre‑arbítrio. Quer dizer que o problema do livre‑arbítrio é fundamentalmente um problema empírico (ou científico) e não tanto filosófico?
Se tivéssemos um conhecimento científico completo do funcionamento do cérebro no âmbito da tomada de decisões pelos seres humanos e no comportamento, isso resolveria em boa parte, ainda que não totalmente, o problema do livre‑arbítrio. Ainda permaneceriam alguns problemas puramente filosóficos, mesmo que compreendêssemos perfeitamente o funcionamento do cérebro. Um aspecto importante da questão do livre‑arbítrio é a relação do funcionamento do cérebro com a tomada de decisão consciente. A questão da responsabilidade moral é um problema que permanece mesmo depois de termos resolvido os problemas neurobiológicos.
Em resposta a uma pergunta que lhe foi feita, diz que se tornou antiquado falar de uma natureza humana em filosofia, mas que algumas mudanças em curso no mundo o levam, no entanto, a pensar que precisamos de uma concepção mais rica de direitos humanos, ligada à noção de humanidade. Pode dar um ou dois exemplos das mudanças aludidas? E em que sentido a concepção de natureza humana poderia ser mais rica?
Tornou‑se antiquado falar sobre «natureza humana», mas há várias questões filosóficas importantes que não podem ser respondidas independentemente da questão da natureza humana. Para dar um exemplo relevante, penso que não se pode explicar a importância dos direitos humanos sem uma concepção acerca de que tipo de seres somos. O nosso direito à liberdade de expressão, por exemplo, depende crucialmente do facto de sermos animais que praticam actos de fala e o poder da fala e do pensamento é essencial para o nosso florescimento como seres humanos. Tais direitos humanos devem derivar da natureza humana.
Temos agora o poder de nos movermos pelo mundo de uma maneira que não existia há 2000 anos. Penso que podemos pensar de maneira significativa sobre o direito de nos movermos pela Terra como um direito humano, e isso ocorre porque temos uma concepção mais rica da natureza humana, não somos apenas animais que realizam actos de fala, somos animais móveis.
O que explica que uma ideia, em seu entender completamente errada, como a de que a mente é uma espécie de supercomputador (o modelo computacional da mente), tenha parecido tão atraente a muitas mentes ilustres?
As pessoas tentaram sempre entender o funcionamento do cérebro em termos da mais recente tecnologia científica. No século XIX, o cérebro era considerado um sistema de telégrafo. Na minha infância, era um telefone com sistema de barras cruzadas. Actualmente, a mais recente tecnologia é o computador, e a tentação de pensar que o cérebro deve ser um tipo de computador digital é irresistível. É uma visão obviamente falsa e facilmente refutada. A computação é definida formal ou sintacticamente como a manipulação de símbolos. Por outro lado, as mentes humanas têm mais do que uma sintaxe, possuem uma semântica, ou conteúdo mental. A refutação da teoria da computação da mente ocorre em 3 etapas: 1) A computação é sintáctica. 2) As mentes têm semântica. 3) A sintaxe por si só é insuficiente para a semântica. (Mostrei isso com o chamado «argumento da sala chinesa».) Conclusão: os programas de computador não são suficientes para as mentes.
Nota: depois de publicar aqui as repostas verifiquei que a tradução poderia ser melhorada, o que acabei por fazer entretanto.