Contudo, isso não nos dá razões para sermos pessimistas, pois ainda sobra uma imensa minoria de livros que merecem a nossa atenção. São, felizmente, mais do que aqueles que qualquer leitor, mesmo o mais compulsivo, consegue ler. Por isso é que precisamos de algum tipo de indicação que nos leve a pensar que vale a pena ler um dado livro. Uma vez que a maior parte das criticas e recensões literárias dos jornais e revistas portuguesas não me têm sido particularmente úteis, sigo normalmente a sugestão de amigos e outras pessoas cujas opiniões se têm revelado confiáveis.
Foi isso que me levou a encomendar Stoner, um romance do escritor americano John Williams, que me chegou há dias e que acabei hoje mesmo de ler.
Stoner é um livro simultaneamente desolador e consolador. Parece contraditório, mas é isso mesmo que experimentamos ao seguir a banalíssima história de William Stoner, um simples professor de literatura inglesa de uma quase desconhecida universidade de província, oriundo de uma pequena e modestíssima família de camponeses do Missouri. Não se encontram, pelo meio, personagens ou acontecimentos especialmente marcantes, nem reviravoltas dramáticas e muito menos rasgos emocionais surpreendentes. Apenas encontramos uma sucessão de factos triviais da vida de uma pessoa comum: o trabalho, o estudo, o casamento, a família, o amor conjugal e extra-conjugal, além das inevitáveis intrigas e compensações profissionais, da doença e da morte. Como pano de fundo, há duas guerras — a história da vida de William Stoner começa antes da Primeira Guerra Mundial e termina depois da Segunda Guerra Mundial — e a crise financeira de 1929. E tudo isso nos é apresentado numa prosa serenamente descritiva, concisa e sem grandes rodeios, que por vezes chega mesmo a ser fria e seca.
Confesso que por volta dos capítulos 4 ou 5 (o livro tem 17 capítulos) me pareceu que a perspectiva de algo realmente invulgar e entusiasmante na vida de Stoner vir a acontecer se tornava cada vez mais distante. E dei comigo a pensar: como fará o autor de uma prosa tão limpa e directa para encher a dúzia de capítulos que sobram acerca de uma vida que se adivinha banal? Algo verdadeiramente surpreendente terá de acontecer, pensei. Mas não. À medida que se avança, vai-se descobrindo que nada de verdadeiramente surpreendente acontece e que, ainda assim, algo nos impele a prosseguir com um interesse estranhamente renovado: o que nos prende é, afinal, a desarmante probidade com que Stoner encara cada um dos factos que constituem a sua história pessoal.
William Stoner parece nunca ser verdadeiramente dono da sua própria vida. Dá a ideia que as suas decisões, apesar de conscientes, acabam sempre por ser fruto de algo alheio à sua vontade, como se elas fossem inevitáveis. Stoner sente-se, no fundo, apanhado numa teia de constrangimentos naturais e circunstanciais que o impedem de proceder de modo diferente. Esta espécie de determinismo radical é um dos traços mais desoladores do romance.
Mas, embora as nossas acções sejam determinadas por causas exteriores, Stoner parece querer convencer-nos pelo seu exemplo que o modo como vivemos esse facto bruto depende de cada um de nós. Apesar de não sermos livres quanto ao que fazemos, cabe-nos decidir se aceitamos essa condição de forma mais digna ou menos digna. A dignidade com que Stoner aceita o inevitável acaba, assim, por revelar um animador vislumbre de liberdade redentora. E é precisamente esse o aspecto consolador da história de Stoner, cuja dignidade se manifesta quando reage serenamente à frígida indiferença da sua mulher, às mesquinhas acusações de incompetência do seu colega de profissão, à gravidez involuntária da sua filha ou à notícia de que, devido a doença, lhe resta pouco tempo de vida. Até na sua infidelidade conjugal há uma certa dignidade. Como há quando, depois, se vê obrigado a pôr-lhe termo.
A história de Stoner não vive de actos heróicos nem de emoções intensas — o único e breve momento com uma carga emotiva mais evidente é quando Stoner descobre que a sua ex-namorada lhe dedica o livro que, anos mais tarde, ela acabara por publicar. Mas há nesta história uma tristeza que vai moendo, a que nos vamos afeiçoando e que persiste até depois do fim.
Um livro excelente, que merece bem os elogios que tem recebido.
Mas, embora as nossas acções sejam determinadas por causas exteriores, Stoner parece querer convencer-nos pelo seu exemplo que o modo como vivemos esse facto bruto depende de cada um de nós. Apesar de não sermos livres quanto ao que fazemos, cabe-nos decidir se aceitamos essa condição de forma mais digna ou menos digna. A dignidade com que Stoner aceita o inevitável acaba, assim, por revelar um animador vislumbre de liberdade redentora. E é precisamente esse o aspecto consolador da história de Stoner, cuja dignidade se manifesta quando reage serenamente à frígida indiferença da sua mulher, às mesquinhas acusações de incompetência do seu colega de profissão, à gravidez involuntária da sua filha ou à notícia de que, devido a doença, lhe resta pouco tempo de vida. Até na sua infidelidade conjugal há uma certa dignidade. Como há quando, depois, se vê obrigado a pôr-lhe termo.
A história de Stoner não vive de actos heróicos nem de emoções intensas — o único e breve momento com uma carga emotiva mais evidente é quando Stoner descobre que a sua ex-namorada lhe dedica o livro que, anos mais tarde, ela acabara por publicar. Mas há nesta história uma tristeza que vai moendo, a que nos vamos afeiçoando e que persiste até depois do fim.
Um livro excelente, que merece bem os elogios que tem recebido.