Entre os discos de vinil e os CD, o que é melhor? Pessoalmente não tenho grandes dúvidas de que o CD ganha em quase todos os aspectos. Menos num: as capas. Mas as capas não são meros invólucros, permitindo unir de forma feliz a arte sonora à arte visual.
Quantas vezes não se compraram discos apenas pelas capas? E quantas capas não acabam por ser um excelente incentivo para ouvir o que está lá dentro? Muitas capas adquiriram uma importância estética que vai além do próprio conteúdo musical, dando origem a um tipo sui generis de arte visual, que tem contado com a inspiração de importantes artistas plásticos contemporâneos, fotógrafos de arte, ilustradores e artistas gráficos de primeiro plano. As próprias capas são matéria de criação artística, como algumas obras do artista plástico Christian Marclay, feitas de colagens de capas de álbuns de pop e rock.
Apresento aqui uma perspectiva pessoal da história das capas, organizada por temas, tentando combinar o gosto pessoal com a relevância histórica e estética.
As capas anteriores são, por diferentes razões, difíceis de classificar, começando pela primeira capa da história da edição discográfica, concebida em 1940 pelo designer gráfico americano Alex Steinweiss para o disco Smash Hits From Rodgers & Hart, da Columbia Records. Antes disso, os discos eram simplesmente metidos numa espécie de envelope de papel com a indicação dos artistas e obras, até Steinweiss ter a ideia de usar papel duro com uma imagem colorida. Insistiu que isso iria aumentar as vendas dos discos. E teve razão. Curiosamente, vinte e oito anos mais tarde, os Beatles ousaram provocatoriamente regressar à pré-história lançando um álbum duplo com capa totalmente branca e sem qualquer inscrição. Enfim, coisas que, então, só os Beatles ousariam fazer. Uma capa inovadora foi também a de Thick As A Brick, dos Jethro Tull, que o vocalista Ian Anderson diz ter levado mais tempo a produzir do que a própria música do disco. Destaco ainda o simbolismo minimal de Blackstar, a despedida póstuma de David Bowie.
O primeiro, e talvez mais importante, salto estético no cuidado artístico das capas dos discos foi dado nos anos de 1950-1960 pela Blue Note, a famosa editora americana de jazz. Aí se destacou sobretudo a arte de Reid Miles, muitas vezes trabalhando a partir das fotografias de Francis Wolff. Continuam ainda a ser das melhores e mais inspiradas capas de discos. Inspiraram, por exemplo, artistas posteriores como Joe Jackson (veja-se, por exemplo, a capa do seu álbum Body and Soul, que é uma cópia descarada de Volume 2, de Sonny Rollins). Outro exemplo é o do ilustrador francês Serge Clerc, que cria um belo desenho retro na capa do excelente álbum de Carmel The Drum Is Everything, também inspirado na estética da Blue Note.
Andy Warhol (Velvet Underground e Rolling Stones), Bridgit Riley (Faust), Keith Haring (Sylvester), Robert Rauschenberg (Talking Heads), Gerhard Richter e Richard Prince (Sonic Youth), Banksy (Blur), Kara Walker (Arto Lindsay) Mr. Brainwash (Madonna), Jenny Savile (Manic Street Preachers), Damien Hirst (Red Hot Chili Peppers), Jeff Koons (Lady Gaga) e Jean-Michel Basquiat (The Strokes) são apenas alguns exemplos de renomados artistas plásticos cujas obras encontramos em capas de discos. Algumas dessas obras foram criadas de propósito.
Barney Bubbles (trabalho fotográfico de Twangin..., de Dave Edmunds) e Vaughan Oliver (This Mortal Coil) são dois dos nomes sonantes do uso da fotografia artística nas capas de discos. Por vezes acrescenta-se ao trabalho fotográfico a mão de grandes designers como Peter Saville (Roxy Music) e Storm Thorgerson, do grupo Hipgnosis (Led Zeppelin).
Outros recorrem ao desenho e à pintura originais, mas também ao uso de obras clássicas. Das capas aqui incluídas, aprecio especialmente a simplicidade do desenho dos discos dos Muse e de Paul Bley. Por sua vez, a capa do primeiro álbum dos The Stone Roses reproduz uma tela pintada por John Squire, o guitarrista da banda, que se dedicava também à pintura. Neste caso, o expressionismo abstracto de Pollock foi claramente a inspiração.
O puro grafismo e a cor passaram a ser amplamente usados, sobretudo depois de The Dark Side Of The Moon (Hipgnosis) e de Autobahn dos Kraftwerk (que não é exactamente a da edição original e que uns atribuem a Barney Bubbles e outros a Johann Zambryski). Mas talvez ninguém se tenha destacado tanto nessa estética como Peter Saville, da Factory (Joy Division, OMD, A Certain Ratio).
Noutras capas são os nomes e os títulos que se destacam, combinados ou não com outros elementos. Pioneira nesta área é a capa do álbum de 1957, de Elvis Presley, mais tarde imitada pelos The Clash e, com algumas variações, por Tom Waits. Outro exemplo marcante é a capa do álbum dos Sex Pistols, de Jamie Reid. Considero muito feliz a combinação da imagem retro a preto e branco com a estética gráfica soviética dos Franz Ferdinand.
Os retratos e as caras dos artistas também têm dado excelentes capas de discos, como a de Horses, de Patti Smith, fotografada pelo seu amigo Robert Mapplethorpe ou a foto de Irving Penn para Tutu, de Miles Davis.
Também as imagens das bandas ou grupos têm proporcionado capas notáveis. Destaco em particular as excelentes fotos das capas dos Abba e dos Oasis. E, mais uma vez, as fotografias de Mapplethorpe para a capa dos Television (já agora, Marquee Moon é, na minha opinião, um dos melhores álbuns de rock de sempre).
Usar imagens de rua ou de exteriores nem sempre resulta, mas todas estas capas são bastante fortes, começando pela memorável travessia da passadeira de Abbey Road (uma obra-prima da música contemporânea, já agora!), continuando com outra obra-prima de David Bowie e terminando com as cinematográficas capas dos Depeche Mode e do último disco de Caroline Polachek.
No psicadelismo procura-se que as as capas sejam uma ilustração visual da música que está lá dentro (uma ressalva para os casos dos Kinks e The Mothers of Invention, cujo psicadelismo vai pouco além das próprias capas). Não sei se isso foi alguma vez conseguido, pois julgo que ninguém conseguiu esclarecer com precisão o que é o psicadelismo. Dizer que se trata da experiência das alterações perceptivas provocadas pelos ácidos, formando uma espécie de caleidoscópio de cores e formas fluídas, inacessíveis à experiência consciente normal, ou algo do género, parece-me pouco esclarecedor. Mas talvez seja mesmo essa a ideia. Em todo o caso, considero que o psicadelismo não deu origem a capas esteticamente muito interessantes. Nem mesmo a histórica capa de Peter Blake para Sargeant Pepper´s me parece esteticamente impressionante. As capas dos Hollies, dos Cream e principalmente dos MGMT, são francamente más. Incluo-as aqui por serem exemplares de discos psicadélicos de referência e não pelos seus méritos estéticos ou artísticos.
O chamado rock progressivo costuma distinguir-se também pelas imagens das capas. As capas fantásticas de Roger Dean para os Yes são um exemplo disso. Talvez a capa dos ELP (um dos mais vacuamente extravagantes grupos de música progressiva) seja mais facilmente associada a outros estilos musicais, mas mas a arte de H. R. Geiger não deixa de se destacar. E merece também uma referência o trabalho gráfico com um toque humorístico de Breakfast In America, dos Superaramp, concebido por Michael Doud.
Tanto a música gótica como a metálica têm os seus próprios universos temáticos, em que o som, a imagem e as palavras são pensados como partes de um todo coerente. Claro que góticos e metálicos habitam mundos diferentes, mas convergem em alguns aspectos. Estas capas representam diferentes tendências dentro do mesmo universo, mas as capas de Derek Riggs para os Iron Maiden são imediatamente identificáveis.
Para terminar, algumas capas que não se enquadram em nenhuma das categorias acima, mas merecem um destaque especial. E muitas outras poderiam ser referidas, o que dá uma ideia da riqueza artística das capas de discos. É isto que falta aos CD.