segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Cinema na sala de aula

Do filme Doze Homens em Fúria, de Sidney Lumet

Com as matérias previstas para o primeiro período e as avaliações arrumadas, aproveito estas últimas aulas antes do Natal para dar aos alunos uma ideia do que vamos discutir no período seguinte. Aproveito também para sugerir algumas leituras e outras boas maneiras de ocupar algum do seu tempo disponível: livros, música e filmes. Um dos filmes que costumo sugerir aos alunos do 11º ano é Matrix (o primeiro da trilogia), dos irmãos Wachowsky, de que costumo falar a propósito de Descartes.

A verdade é que são normalmente poucos os alunos que ligam a tais sugestões, preferindo muitas vezes passar horas a fio a jogar videojogos, a trocar bocas e inutilidades no Facebook ou a ver TV. Por isso, decidi desta vez adiantar-me e passar-lhes o filme mesmo nas aulas. Até porque, ao contrário do que tantas vezes nós professores supomos, os alunos raramente conhecem os filmes que nos entusiasmaram e achamos imprescindíveis. 

Tive o cuidado de perguntar quantos já tinham visto Matrix. Sem surpresas, a esmagadora maioria nem sequer tinha ideia de que tipo de filme se tratava. Eles dificilmente conhecem filmes com mais de meia-dúzia de anos. Assim, pensar que os alunos ficam entusiasmados quando falamos de filmes nas aulas é uma completa ilusão. O melhor mesmo é arranjar maneira de eles os verem antes.

Mas continua a ser ilusório pensar que basta eles terem visto os filmes para ficarem motivados para a discussão filosófica. Por vezes os filmes acrescentam até novas dificuldades, pois é para alguns difícil compreender a história que se desenrola diante de si. Os meus alunos do 11º ano que lerem este texto sabem bem que tive de interromper Matrix a meio para lhes explicar aspectos centrais da própria história, e cuja incompreensão os deixava perdidos. Isto apesar de os mesmos alunos estarem a gostar do que viam - é preciso reconhecer que há diferentes razões para se gostar de um filme. 

Tudo isto me leva a pensar que não vale a pena recorrer ao cinema para ensinar filosofia, se isso não for previamente preparado e devidamente enquadrado, o que não é trabalho fácil. Sem essa preparação, a utilização de filmes nas aulas dificilmente é um elemento motivador.  Não é claro que ajudem a esclarecer seja o que for, resultando facilmente em ruído didáctico. 

O meu colega e amigo Carlos Café tem feito o tal trabalho imprescindível, elaborando guiões de visionamento de filmes para as aulas de Filosofia. Alguns deles encontram-se no seu blogue a filosofia vai ao cinema e mostram como se deve encarar o uso do cinema nas aulas de Filosofia.

E não se admirem de ver por lá guiões de filmes antigos, alguns dos quais a preto e branco. Eu também pensava que filmes antigos a preto e branco não captavam a atenção de jovens adolescentes. Mas essa é outra coisa que verifiquei ser ilusória. Os alunos até podem começar por protestar, mas alguns desses filmes acabam por despertar mais entusiasmo do que sucessos mais recentes. Os alunos do 10º ano acabaram por mostrar mais entusiasmo com Doze Homens em Fúria, um filme a preto e branco de 1957, de Sidney Lumet, do que propriamente os do 11º ano por Matrix.

Nesta matéria (como em outras) convém não partir para o terreno com ideias feitas, seja em que sentido for.


terça-feira, 29 de novembro de 2011

Questões práticas

Foto de Aires Ameida

Numa das últimas aulas do 11º ano estávamos a tentar resolver um exercício de lógica quando um aluno me interpelou da seguinte maneira:

- Ó professor, não estou a perceber isto. Eu cá sou uma pessoa prática e não vejo porque hei-de estar a esforçar-me para aprender algo de que não irei precisar no futuro. Para quê, afinal?

A pergunta é natural e até compreensível, além de ter sido feita de boa fé. E até nem sequer é uma pergunta inabitual. Tinha, pois, o dever de lhe responder. E disse-lhe que havia, não uma, mas três maneiras diferentes de lhe responder.

A primeira é que a pergunta dele revela, afinal, pouco sentido prático. Uma pessoa prática pensaria assim: dado que esta disciplina faz parte do meu currículo escolar e que essas matérias fazem parte do programa, então é inútil perguntar para que serve. Perder tempo com isso é apenas uma maneira de fugir ao assunto em vez de simplesmente aprender o que, de qualquer modo, lhe é exigido.

A segunda é que raramente (ou mesmo nunca) precisamos de recorrer à maior parte do que aprendemos na escola, seja em Filosofia, Matemática, História, Biologia ou outra disciplina qualquer. Eu, por exemplo, não me recordo da última vez que precisei de recorrer ao teorema de Pitágoras, de invocar as causas da batalha de Alcácer Quibir ou de referir o processo da fotossíntese. E estou só a falar de aspectos centrais do estudo daquelas disciplinas. Mas daí não se segue que não devíamos ter perdido tempo a aprender essas coisas, pois nunca podemos prever se iremos ou não precisar delas em momentos cruciais da nossa vida pessoal e profissional. É por isso que não achamos inútil o dinheiro que gastamos a comprar enciclopédias e dicionários que só parcial e esporadicamente consultamos. Há circunstâncias em que só eles conseguem esclarecer as nossas dúvidas e ajudar a ultrapassar dificuldades. Por isso é bom tê-los na estante, mesmo que passemos meses sem os consultar. O mesmo se passa com muito do que aprendemos na escola, incluindo na disciplina de Filosofia.

A terceira é que estamos frequentemente enganados quando dizemos que não precisamos de certos conhecimentos afastados da nossa área principal de interesses pessoais ou profissionais. Os modos como as coisas se podem ligar e influenciar umas às outras são muitos e surpreendentes. Muitas vezes nem sequer nos damos conta dos conhecimentos de que, na prática, precisamos e estamos a aplicar. 

Mas há ainda uma quarta resposta, que eu não lhe cheguei a referir: que, independentemente da sua aplicação prática profissional, o conhecimento é, em si mesmo, algo valioso; é algo que nos enriquece e nos torna pessoas mais interessantes. 

Como se vê, as questões práticas têm, na prática, muito que se lhes diga.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Mais lugares da filosofia: a cabana de Heidegger

Desta vez deixo aqui o texto sobre os lugares da filosofia que, respondendo ao nosso convite, o colega Alexandre Guerra (professor da Escola Secundária António Aleixo) escreveu a propósito do Dia Mundial da Filosofia.

Heideggers Hütte

Por Alexandre Guerra

Todos os jovens têm os seus heróis e eu, porque também fui jovem, tive os meus. Heidegger foi, sem dúvida, o meu pensador herói. Porque a juventude é uma idade propícia aos excessos, bebi-o com o mesmo excesso de quem descobre a embriaguez. 
Visitei sempre o pensamento de Heidegger como quem visita o oráculo de Delfos, que não mostra, não esconde, apenas indica. Partilhava intuitivamente a mesma crença na decadência mecanicista do ocidente e desprezava o temor da filosofia em perder a sua importância, caso não apanhasse o comboio da ciência. Era-me insuportável a ética e toda a dimensão técnica e prática do pensar. Também eu partilhava a crença de que com o surgimento de nomes como «Lógica», «Ética» e «Física», o pensamento original tinha chegado ao fim. 
Dizia Heidegger que na interpretação técnica do pensar, e a «Lógica» seria a confirmação desta interpretação, o ser é abandonado como elemento do pensar. Heidegger, de espírito fino, usou esta imagem na sua Carta Sobre o Humanismo: «Julga-se o pensar de acordo com uma medida que lhe é inadequada. Um tal julgamento assemelha-se a um procedimento que procura avaliar a natureza e as faculdades do peixe, sobre a sua capacidade de viver em terra seca.» 
Lembro uma história citada por Heidegger, invocando um relato de Aristóteles. Narra-se que Heraclito foi visitado por forasteiros. Quando chegaram ao local onde habitava o sábio pensador, cedo a ansiedade se transformou em frustração e desconcerto ao verem um lugar rude e despojado onde um homem de aparência humilde se aquecia junto ao fogo. Ao ver o desconcerto dos curiosos, Heraclito exclamou: - «Também aqui habitam os deuses.» O paralelismo entre estes pensadores sempre me pareceu evidente. A minha imaginação explodia ao visualizar o pensador Heidegger na sua cabana na Floresta Negra na tarefa do pensar e do poetizar. O elitismo de Heidegger era irresistível: perante o pensar, a multidão, tal como os recém-chegados, na falta da sensação esperada, volta para trás. Eu jamais vacilaria, estava preparado para pensar com o mestre junto ao fogo na sua cabana. Imaginava-a embrenhada na floresta densa, tal como o seu pensamento. Imaginava-a fundada nas raízes da floresta sombria e na terra de homens robustos, sólidos no querer. 
Há coisa de um ano, visitei a célebre cabana onde Heidegger escreveu muitas da suas obras e se entregou à tarefa do pensar. Fica numa aldeia chamada Todtnauberg no município de Todtnau, na região de Baden-Württemberg. A poucos quilómetros, fica a cidade de Freiburg, onde Heidegger lecionou. 
Quando se chega à aldeia, vemos ostentado o respetivo brasão e cedo compreendemos que chegámos a uma terra de lenhadores. Esta aldeia fica num vale que constitui uma das muitas clareiras da Floresta Negra. Ao contrário do que sempre imaginei para a minha primeira visita, o dia estava apolíneo, seco e morno – a experiência do frio e da humidade teutónicos teria de esperar. Chegado a Todtnauberg, cedo procurei algum sinal que me levasse à cabana onde o pensador teria «trazido à linguagem, pelo pensar, apenas a palavra impronunciada do ser.» Não suportei a espera da procura e, de imediato, perguntei a um caminhante, que por ali passava, se me poderia indicar onde ficava a cabana de Heidegger. Sereno e complacente com a minha ansiedade, disse-me que seguisse as tabuletas de madeira que estavam mesmo à minha frente, no início de um trilho que subia um dos montes que nos rodeavam. Bastava ter lido: «Heidegger-Rundweg». 
Após uma longa e íngreme subida, cheguei ao tão desejado destino. A cabana de Heidegger, agora da família, ali estava, não na densa e escura floresta, mas na orla do bosque, numa saliência de um dos lados do monte, com vista para o vale de Todtnaubeg, para a clareira da floresta. À medida que fui percorrendo os caminhos da floresta até à vista para a clareira, revisitei as minhas leituras de jovem e confirmei que o pensamento de Heidegger estava sustentado naquela terra, tal como as botas do lenhador no seu passo robusto e firme. Embora seca, assim me pareceu, ainda lá está a célebre bica de madeira. 
Porque já perdi os dotes sibilinos do passado, afirmo com clareza que Heidegger tentou traduzir na linguagem a experiência de um pensamento que está para além da racionalidade e que não é, necessariamente, irracional. A verdade é que continuo a visitar uma dimensão semelhante do pensar, quando os tempos modernos o permitem, ou, pelo menos, continuo convencido de que a visito. No entanto, hoje considero perigoso pensar o «ser»; o «autêntico» e o «originário» sem gente dentro ou sem considerar algumas regras de racionalidade básicas. Por mais sedutora e originalmente profunda que seja esta experiência do pensar, nomes como «Lógica», «Ética» e «Física», permitem-nos pôr à prova as nossas crenças, confrontando-as e partilhando-as efetivamente com outros, diminuindo, assim, a possibilidade dos grandes erros.
Fotos de Alexandre Guerra

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Viena: viveiro do pensamento contemporâneo

Foto de Aires Almeida
Talvez nenhum outro lugar no mundo moderno tenha conseguido ser tão intelectual e culturalmente excitante como a cidade de Viena entre o início dos anos 10 e meados dos 30 do século passado. Da pintura e da arquitectura à matemática e à ciência, passado pela literatura e pela música, o fulgor de Viena não teve rival no mundo ocidental dessa época.
Durante esse período Viena não era só a capital de movimentos artísticos, como o Jugendstill – a Arte Nova austríaca – em que já se tinham destacado pintores como Gustav Klimt e Egon Schiele ou arquitetos como Otto Wagner. Era também o umbigo do modernismo em arquitetura, que se opunha radicalmente ao Jugendstill e que tinha como figura de proa Adolf Loos, um dos mais controversos arquitectos do século XX. 
Era ainda palco de dramaturgos, escritores e ensaístas como o elegante Hugo Von Hofmannsthal, o singular Robert Musil, o provocatório Arthur Schnitzler, além do temido – e sempre actual – Karl Kraus. Essa mesma Viena assistiu à maior revolução musical do século, a chamada Segunda Escola de Viena (a primeira tinha surgido no séc. XVIII, com Mozart, Haydn e Beethoven), encabeçada pelo visionário compositor Arnold Schoenberg, e desenvolvida por Alban Berg e Anton Webern, todos eles influenciados por Gustav Mahler, outro vulto maior da Viena do início do século XX.
Tudo isto enquanto Sigmund Freud fazia nascer a psicanálise e escandalizava o mundo com os seus livros sobre a estreita relação entre o comportamento humano, o inconsciente e a sexualidade, ao mesmo tempo que recebia e analisava a alta sociedade vienense no seu consultório, no nº 13 de Berggasse.
Nessa mesma altura, o físico vienense Erwin Schrödinger começava a dar as suas primeiras contribuições para a física quântica e Kurt Gödel marcava definitivamente, a partir de Viena, a lógica matemática, tornando-se seguramente um dos maiores lógicos de sempre. Isto sem esquecer figuras como o ilustre etologista Konrad Lorenz e aquele que ainda é talvez o mais influente historiador da arte do último século, Ernst Gombrich.
Foi ainda por essa altura que a teoria económica e a economia política viram nascer, com Friedrich Hayek e Ludwig von Mises, as primeiras ideias liberais que estiveram na base da conhecida e influente Escola Austríaca. 
Tudo isto é impressionante, mas ainda nem sequer se falou do panorama filosófico. Ora, não será exagero afirmar que essa Viena foi precisamente um dos mais importantes viveiros da filosofia contemporânea. Não só porque foi a cidade onde nasceu um dos movimentos filosóficos mais abrangentes e influentes do último século, o célebre Círculo de Viena, a que estiveram ligados alguns dos vultos anteriores (Gödel, por exemplo), mas também a cidade natal de gigantes da história da filosofia contemporânea como Ludwig Wittgenstein e  Karl Popper.
Não é errado dizer, por um lado, que uma boa parte da filosofia contemporânea visa uma de duas coisas: desenvolver as ideias centrais do Círculo de Viena ou, pelo contrário, desembaraçar-se delas. Seja como for, o Círculo de Viena, onde se destacou acima de todos Rudolf Carnap, contribuiu para libertar a filosofia do pântano místico e idealista em que se estava a atolar, dando-lhe rigor, precisão e algum tino. Por outro lado, há quem considere, talvez com algum exagero, que há uma filosofia anterior a Wittgenstein e outra que tem em conta Wittgenstein, por muitos encarado como o maior filósofo do último século. Quanto a Popper, arriscaria dizer que a sua filosofia política e a sua filosofia da ciência se tornaram hoje uma espécie de senso comum académico. Popper, que tanto se opôs ao Círculo de Viena como ao seu conterrâneo Wittgenstein, a ponto de este, no meio de uma animada discussão filosófica entre ambos, o ter ameaçado com o atiçador de uma certa lareira em Cambridge.
Viena não é, pois, apenas a cidade das valsas, da ópera, da psicanálise e dos requintados cafés. É também uma das capitais mundiais da filosofia, o que não é, afinal, de espantar, pois a filosofia não nasce da reflexão solitária, mas do confronto aberto de todo o tipo de ideias. Pena é que o ódio nazi à pluralidade de ideias tenha posto fim ao esplendor intelectual de Viena, levando a que quase todas essas figuras se vissem forçadas a fugir da barbárie, procurando abrigo noutras paragens.


Wittgenstein, filho de um dos maiores milionários da Europa, era também um arquitecto amador. Esta é a casa que o filósofo desenhou para a sua irmã Margaret, em Kundmanngasse, Viena. Trata-se de uma obra assumidamente influenciada pelas recentes ideias modernistas de Adolf Loos.

domingo, 30 de outubro de 2011

Filosofia para toda a gente


São dez e não sete as razões que Desidério Murcho nos oferece para ler este seu último livro, acabadinho de publicar pela editora Bizâncio. Além das sete razões que constituem as 7 Ideias Filosóficas Que Toda a Gente Deveria Conhecer, juntam-se outras três boas razões: a informação que introduz e contextualiza de forma interessante essas ideias; a clareza da exposição; e, não menos importante, o constante estímulo a que os leitores pensem por si sobre o que lêem. 

Mas, de que ideias fala o livro? Na verdade, são ideias que quase todas as pessoas que se dizem cultas e informadas parecem conhecer, mas cujo sentido frequentemente lhes escapa. De facto, muitas pessoas dizem, como Aristóteles, que no meio é que está a virtude. Mas compreenderão mesmo as razões que sustentam tal afirmação? E o mesmo se pode perguntar sobre afirmações tão célebres como "Penso, logo existo" ou "Eu só sei que nada sei", entre outras. São ideias filosóficas como estas que Desidério Murcho procura esclarecer, evitando cair nos lugares comuns mil vezes repetidos e mil vezes vazios.  

As sete ideias referidas no título são ideias centrais acerca do nosso conhecimento do mundo ("Penso, logo existo", Eu só sei que nada sei" e "Despertar do sono dogmático"), sobre ética ("No meio é que está a virtude"), sobre filosofia política (A guerra de todos contra todos"), sobre filosofia da religião ("Maior do que o qual nada pode ser pensado") e sobre filosofia da linguagem (Uma rosa com outro nome). 

Quase todas estas ideias são tratadas nas aulas de filosofia do 10º e do 11º anos de Filosofia e dizem respeito a filósofos como Sócrates, Aristóteles, Anselmo, Descartes, Hobbes, Hume, Kant, Frege e Rawls, entre outros. Uma das vantagens deste livro é que nele tais ideias não são tratadas de forma escolar.

O livro lê-se quase de um só fôlego e, quando chegamos ao fim, ficamos a compreender melhor por que razão essas ideias filosóficas são, afinal, grandes ideias. Por isso, este é um livro que toda a gente devia ler.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Sentido na vida

Muito provavelmente todos nós desejamos encontrar sentido nas nossas vidas. Mas por que razão é importante ter vidas com sentido e o que é uma vida com sentido? Estas são questões filosóficas para as quais algumas religiões oferecem resposta. Mas quem acha estas questões importantes e não se satisfaz com as respostas religiosas, tem aqui um excelente livro para ler. 

Trata-se de um livro muito recente, escrito por Susan Wolf, uma filósofa que se tem destacado na discussão deste tema. O livro inclui no final alguns comentários críticos de outros filósofos e a resposta da autora a esses comentários. Tudo numa linguagem simples (mas não simplista) e acessível. O livro é publicado pela editora Bizâncio e foi traduzido por Desidério Murcho, co-autor do manual de Filosofia A Arte de Pensar, adoptado na nossa escola.

Já agora, faço um desafio aos leitores: as questões tratadas no livro inserem-se no âmbito de que disciplina filosófica? Podem deixar a vossa resposta na caixa de comentários.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Filosofia é filosofia


Parece algo estranho e pouco informativo afirmar que filosofia é filosofia. Mas, quando ouvimos tantas vezes dizer que a filosofia é uma ciência ou associar a filosofia à poesia e descrevê-la como uma forma de arte, talvez valha a pena reafirmar o óbvio.

Ao contrário do que frequentemente se diz, a filosofia não é ciência, não é arte e não é religião. Daqui não se segue que a filosofia não partilhe algumas características com a ciência, a arte e a religião.

Por exemplo, a ciência, tal como a filosofia, procura resolver problemas através de teorias. Mas são muito diferentes quanto ao tipo de problemas que lhes dizem respeito. Por sua vez, a religião oferece respostas para alguns dos problemas filosóficos. Contudo, as respostas da religião não são filosóficas porque, ao contrário do que se passa na filosofia, tais respostas não são o resultado de um processo essencialmente crítico. Já a arte é frequentemente crítica, como a filosofia. Mas, ao contrário da filosofia, a arte não procura resolver problemas apresentando teorias. 

Assim, todas estas quatro grandes áreas culturais são diferentes. Mas dizer que são diferentes não é o mesmo que dizer que nada têm em comum. Em suma, a filosofia é filosofia; a ciência é ciência, a religião é religião e a arte é arte, mesmo que partilhem algumas características e mesmo que por vezes se contaminem mutuamente.   

sábado, 17 de setembro de 2011

A Filosofia é difícil?


Esta é a primeira pergunta que muitos alunos do 10º ano fazem logo na aula de apresentação. A minha resposta é que a Filosofia é tão difícil quanto a Matemática ou a Biologia, a História, o Português e o Inglês; e que é tão fácil quanto a Matemática ou a Biologia, a História, o Português e o Inglês. Se um estudante estiver realmente interessado e decidido a aprender e a pensar de forma rigorosa, então a Filosofia não lhe irá ser penosa. Mas se não estiver particularmente interessado em se dar ao trabalho de aprender e de pensar cuidadosamente, então a Filosofia será, como qualquer outra disciplina, uma verdadeira dor de cabeça. Assim, o truque para que a Filosofia não se torne uma grande dor de cabeça é ter sempre a cabeça a trabalhar. 

A Filosofia, como muitas outras disciplinas, é a tentativa de resolver certo tipo de problemas ou, pelo menos, de os compreender melhor. Aqueles que não se sentirem motivados para enfrentar problemas e preferirem respostas prontas a usar, irão achar a disciplina difícil. Os que não desistem à primeira e que se sentem motivados com problemas que os façam pensar, sentir-se-ão em casa e irão pensar que a Filosofia é muito estimulante.

terça-feira, 21 de junho de 2011

Um livro para as férias

Nas férias há tempo para fazer de tudo um pouco. E também para ler bons livros. Ao contrário do que algumas pessoas pensam, as leituras de férias não têm de ser sobre futilidades.

Eis uma sugestão de um livro que se lê bem, mas que também faz pensar: A Vida Que Podemos Salvar (Gradiva, 2011), do famoso filósofo australiano Peter Singer. O subtítulo do livro é Agir Agora Para Pôr Fim à Pobreza no Mundo e o seu autor foi considerado uma das 100 pessoas mais influentes do mundo pela influente revista Time.

Boa leitura.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Deus gosta de jogar às escondidas?



ANA - Há algo na atitude de Deus, caso exista mesmo, que me deixa perplexa, Tomás.

TOMÁS - O quê, Ana?

ANA - É que não consigo compreender por que razão Deus, com os poderes, sabedoria e bondade que o caracteriza, permite que muitos de nós duvidemos da sua existência e passemos tanto tempo a discutir isso.

TOMÁS - Ora, Ana, acho que certas pessoas discutem a sua existência porque não conseguem ou se recusam a ver os sinais da sua existência.

ANA - Pois, o problema é esse, Tomás: em vez de nos dar sinais, por que razão não nos mostra inequívoca e definitivamente que existe, de modo a não permitir discussões que, afinal, poderiam ser escusadas?

TOMÁS - Porque isso lhe permite testar a nossa fé, Ana.

ANA - Bom, a tua resposta ainda torna as coisas mais incompreensíveis. Por que razão um ser que sabe tudo precisa de testar a minha fé? Afinal, é ele que precisa de provas sobre o que realmente pensamos ou sentimos? Não achas que, para um Deus omnisciente, isso não faz qualquer sentido?

TOMÁS - Talvez não seja bem isso. Mas já reparaste que, se fosse tudo tão óbvio e linear as coisas seriam menos interessantes?

ANA -  Ah, bom, agora já percebi: Deus gosta simplesmente de jogar às escondidas connosco.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

A coisa mais perigosa que há

Numa das aulas do 11º ano estava eu a tentar explicar que o conhecimento e a mera crença são coisas muito diferentes, quando uma aluna me perguntou mais ou menos o seguinte:

- Ok, as crenças podem ser falsas e crenças falsas não são conhecimento, mas qual é, afinal, o problema em termos crenças falsas? Por que razão os filósofos se afligem tanto com isso? É certo que podemos estar enganados, mas que mal há em estarmos enganados?

Achei a pergunta bastante oportuna e interessante. Oportuna porque permitiu esclarecer algo que muitas vezes nós, professores, damos inadvertidamente como adquirido. Interessante porque é o género de pergunta tipicamente filosófica: um desafio para discutir questões básicas.

Disse à aluna que havia duas maneiras de lhe responder.

Em primeiro lugar, é importante para os filósofos distinguir o conhecimento da mera crença porque a filosofia consiste, afinal, na procura da verdade. Um filósofo que não se importa com o conhecimento é alguém que provavelmente também não se importa com a verdade, uma vez que a verdade é condição necessária para o conhecimento. Assim, um filósofo que se desinteressa pela verdade acaba por ser um filósofo que não se interessa pela filosofia (por estranho que pareça, há filósofos assim). Claro que esta resposta começa por ser insatisfatória, pois o que a aluna está precisamente a fazer é a pôr em causa (legitimamente, diga-se) o interesse da própria investigação filosófica. Uma resposta mais razoável, sem ter de invocar o valor intrínseco do conhecimento, é sublinhar que este torna a nossa vida mais rica, porque mais autêntica. Viver uma vida baseada em falsidades e enganos é viver uma vida diferente da que pensamos estar a viver; uma vida, de certo modo, fictícia.

Em segundo lugar, é importante evitar ter crenças falsas porque as crenças falsas são a coisa mais perigosa do mundo. Ao contrário do que muitas vezes se diz, a principal causa de morte do mundo não são as guerras nem a pobreza nem a fome nem os acidentes cardiovasculares nem os acidentes de viação. A principal causa de morte no mundo são precisamente as crenças falsas. Morrem a todo o momento pessoas porque têm a crença falsa de que estão de saúde, dispensando-se, por isso, de ir ao médico; porque têm a crença falsa de que determinados alimentos são saudáveis quando são, afinal, venenosos; porque acreditam que conduzir a alta velocidade os faz chegar mais cedo ao destino quando os impede, afinal, de lá chegar; porque crêem firme, mas erradamente, que a sua ideologia política, o seu país ou o seu credo religioso legitimam a eliminação dos seus inimigos. São tantas vezes crenças falsas que levam inocentes ao castigo, e até à pena de morte, deixando tantas vezes criminosos sem castigo. São sempre crenças falsas que estão na origem de tantas injustiças. Foram crenças falsas acerca da natureza supostamente inferior da mulher que causaram a sua submissão aos homens no passado (acreditava-se, por exemplo, que as mulheres, ao contrário dos homens, não tinham alma). Foi a crença falsa de que os negros não passavam de meros animais que justificou durante séculos a sua escravidão. Foi a conjugação de duas crenças falsas, nomeadamente a de que há raças superiores e a de que as pessoas das raças supostamente inferiores não têm os mesmo direitos que as pessoas de raças superiores, que levou os nazis a exterminar milhões de inocentes. Bem vistas as coisas, a maior parte dos males cometidos pelos seres humanos têm origem em crenças falsas. E muitos dos males do passado deixaram de se cometer porque fomos capazes de rever essas crenças. Não tivesse Édipo (lembram-se da tragédia de Sófocles?) crenças falsas acerca de Jocasta, sua mãe, e não teria certamente acabado por furar os seus próprios olhos.

Em suma, evitar ter crenças falsas torna-nos melhores e, portanto, torna também o mundo bastante melhor.

quarta-feira, 23 de março de 2011

A música é capaz de representar algo?


O Cisne, do compositor francês Camille Saint-Saëns, faz parte da suite musical O Carnaval dos Animais. João Miguel Cunha (na viola de arco) e João Pedro Cunha (no violino) ofereceram-nos uma interpretação desta peça, originalmente composta para dois pianos e orquestra, na abertura da conferência sobre filosofia da música, que se realizou na passada sexta-feira na nossa escola. 

Vale a pena ter em conta o título enquanto se escuta com atenção esta peça. Conseguem relacionar uma coisa com a outra? Será que a música pode representar algo, quer se trate de cisnes ou de outra coisa qualquer? Se pode, de que maneira o faz? Um famoso crítico musical austríaco do séc. XIX, Eduard Hanslick, defende no seu livro Do Belo Musical, considerado o livro fundador da filosofia da música, que a música nada mais representa a não ser ideias musicais. Concordam? Eis mais um exemplo de um problema de filosofia da música. 

terça-feira, 22 de março de 2011

Filosofia da música


O que é a música? Há quem se apresse a responder que a música, ao contrário do simples ruído, é som organizado. Bom, mas quando falamos também estamos a produzir sons organizados e isso não é música. O que distingue, pois, um evento sonoro musical de um evento sonoro não musical? Este é o problema da definição de música. E, apesar de poder interessar também os musicólogos, é um problema filosófico: é um problema de filosofia da música.

Eis outro problema de filosofia da música, mais precisamente de ontologia da música: que tipo de objecto é uma obra musical? Será uma entidade concreta, situada no espaço e no tempo, como o quadro Mona Lisa, por exemplo? Ou será antes algo abstracto, como é, talvez, o caso dos números? Pensemos na 5ª Sinfonia de Beethoven. Se essa obra do compositor alemão for uma entidade concreta (um particular concreto, como dizem os filósofos), onde se encontra ela? Na gravação em CD que tenho agora na minha mão, ou nos milhares de outras gravações diferentes que se encontram nas mãos de outras pessoas? Mas, se está em tantos sítios diferentes ao mesmo tempo, será coerente afirmar que existe apenas uma 5ª Sinfonia de Beethoven? Talvez essa obra se encontre apenas na partitura que todas essas interpretações tomam como referência. Acontece que a partitura é papel pintado e papel pintado não é música. Não será a obra, afinal, o que estava na mente de Beethoven quando ele escreveu a partitura? Bom, mas se a obra estiver na mente do compositor, então ela já não existe, pois o compositor já morreu. Talvez a 5ª Sinfonia de Beethoven seja antes algo que existe e sempre existiu (uma determinada estrutura sonora) e que o compositor alemão se limitou a descobrir. Mas, nesse caso, a obra não é uma criação humana e Beethoven não é realmente um compositor. Problema difícil, este!

Já agora, o que nos permite dizer que uma dada execução musical é uma interpretação da 5ª Sinfonia de  Beethoven? O critério será estar de acordo com a partitura, isto é, com o conjunto das instruções dadas pelo seu autor? Nesse caso, se um executante se enganar numa nota e der um Ré onde, por exemplo, está um Dó, continuaremos perante uma interpretação da mesma obra? Diríamos que sim. Afinal, trata-se apenas de uma nota diferente do que está na partitura. Mas, se uma nota não faz diferença, por que razão duas haveriam de fazer? E, já gora, três? E quatro? E ...? Em que consiste, então, a identidade de uma obra musical? Humm...

Um aspecto que todos destacam na música é o seu poder expressivo: as pessoas falam frequentemente na capacidade de a música exprimir emoções. Mas o que quer isso dizer? Em que sentido a música exprime emoções? Será que há mesmo emoções (como tristeza, alegria, euforia, raiva, etc.) na música? Como assim? As emoções são, ou envolvem, estados mentais e é simplesmente disparatado acreditar que a música tem estados mentais; ela é apenas som. Talvez a música não exprima realmente emoções, mas se limite a despertar emoções no ouvinte e, assim, a tristeza, euforia, alegria, etc. estejam apenas em quem ouve. Nesse caso, diferentes ouvintes poderão ter emoções diferentes perante a mesma obra musical. Só que isso não bate certo com o facto inegável de pessoas diferentes, em estados emocionais diferentes, serem capazes de concordar que determinada peça musical é triste ou que é alegre. Podemos estar alegres e reconhecer que a música que ouvimos é triste; e vice-versa. Parece, afinal, que há qualquer coisa na música que nos faz dizer que é triste ou que é alegre. Mas o quê e como? E, já agora, por que razão havemos de querer ouvir música triste (ou música que nos causa tristeza), apesar de, em condições normais, evitarmos estar tristes?

Como se vê, há aqui muito para discutir. Estas foram precisamente algumas das questões abordadas por Vítor Guerreiro na XII Conferência de Filosofia da Teixeira Gomes, realizada na passada sexta-feira. A conferência cedo se transformou num animado debate, graças à intervenção empenhada de vários participantes, alunos e professores. E a conversa prolongou-se até ao fim da tarde. 

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Conhecimento

Quais das seguintes afirmações são falsas e porquê?

1. Todo o conhecimento é crença.

2. Toda a crença é conhecimento.

3. É possível saber que P e não acreditar que P.

4. É possível acreditar justificadamente que P e não saber que P.

5. Toda a crença verdadeira é conhecimento.

6. É possível saber que P, e P ser falso.

7. Algumas crenças verdadeiras justificadas são conhecimento.

8. Todas as crenças verdadeiras justificadas são conhecimento.

9. Todo o conhecimento é crença verdadeira justificada.

10. Se alguém sabe que P, então sabe que sabe que P.