terça-feira, 27 de junho de 2017

Exames: e se fosse como na França?


Dez dias antes do exame, um jovem interceptou dados sobre 20 dos temas da prova de Física e Química, tendo sido vários os alunos que beneficiaram dessa informação durante a sua realização, no dia 7 de Junho de 2017. O Ministério da Educação abriu um inquérito para apurar responsabilidades, mas decidiu não repetir o exame com o argumento de que estavam apenas 4 pontos em jogo.

No dia 14 de Junho, o Ministério da Educação descobriu que tinha havido uma fuga de informação sobre um dos três temas do exame de Filosofia (dos cursos tecnológicos), a realizar no dia seguinte. O ministério decidiu, na tarde anterior ao dia da realização do teste, recorrer a um tema de reserva. Contudo, levou bastante tempo para imprimir 140 mil exemplares e os distribuír pelas escolas de todo o país, pelo que milhares de alunos receberam o tema de reserva cerca de uma hora após o início da prova.

Cerca de 18 mil alunos tiveram de repetir no dia 23 de Junho a prova de Espanhol, já realizada no dia 19 do mesmo mês, dado que a primeira delas incluía um capítulo que tinha saído na prova de 2016. O ministro da educação mandou fazer mais um inquérito.

Os alunos de uma das cidades do sul do país terão de repetir a prova de língua estrangeira, uma vez que a escola foi evacuada no dia 19 de Junho, enquanto a prova decorria, por ter soado o alarme de incêndio. Houve, de facto, incêndio nas proximidades, mas não atingiu a escola.

Durante a distribuição das provas pelas escolas, uma parte da prova de Economia-Direito, seguiu inadvertidamente misturada com a prova de outra disciplina para uma escola do leste do país. Essa parte foi recolhida imediatamente após os alunos a terem recebido, mas alguns já tinham visto de que se tratava. A informação circulou rapidamente pelas redes sociais e muitos alunos que iriam fazer a prova de Economia-Direito no dia seguinte aproveitaram-se disso. O Ministério da Educação decidiu não recorrer aos temas de reserva por falta de tempo para a sua impressão. Entretanto, devido à polémica instaurada, acabou por anular esse tema.

Isto aconteceu nas últimas semanas. Sabe onde? Na França! Não acredita? Leia aqui.

Como seria se isto sucedesse em Portugal? E, já agora, o que vos parece o exame de Filosofia (baccalauréat general, série S)? Podem ver aqui. O modelo de prova — que tem gerado alguma contestação em França, mesmo da parte de professores de Filosofia — tem três temas e o aluno responde apenas a um. Eis os temas:

Tema 1: "Defender os seus direitos é defender os seus interesses?"
Tema 2: "Pode alguém libertar-se da sua cultura?"
Tema 3: "Explicar o texto seguinte: (Segue-se um texto de 18 linhas, de Foucault)".

sábado, 24 de junho de 2017

A democracia não nos enobrece

Quem o diz é o filósofo político Jason Brennan no seu mais recente livro, de 2016, precisamente intitulado Contra a Democracia, e agora disponível em tradução portuguesa, na qual tive o gosto de estar envolvido.

Quem entende a filosofia da forma como os grandes filósofos a entenderam sabe que nada é indiscutível. E a democracia também não o é. No caso da democracia diria mesmo que, quanto menos discutida, menos democracia haverá.

Neste estimulante livro de Jason Brennan, o leitor não irá encontrar qualquer projecto político sub-reptício nem tiradas ideológicas impressionantes. Em vez disso, será antes confrontado com  argumentos de carácter moral, cujas premissas são cuidadosamente explicitadas, como seria de esperar de um filósofo respeitável. Cabe ao leitor avaliar se tais argumentos colhem.

Pode haver boas razões para se discordar de Brennan, mas quem o ler verá que não é assim tão fácil encontrá-las. E ele até se esforça por nos ajudar nessa procura.

segunda-feira, 5 de junho de 2017

Compilações

Conheço vários coleccionadores de discos que têm as suas discotecas pessoais recheadas de compilações. Por vezes, têm as mesmas músicas dispersas por vários discos dos mesmos artistas. Conheço também pessoas que não estão para gastar muito dinheiro em discos e que, para pouparem, compram apenas compilações. E há ainda quem, como eu, não seja adepto de compilações. Mas também não é preciso exagerar, pois há casos em que valem mesmo a pena. Destaco aqui alguns desses casos.

Antes disso, talvez seja útil ter em conta que há três tipos principais de compilações: os Greatest Hits, os The Best Of e as retrospectivas. Do primeiro tipo são, como o nome indica, as colecções das músicas mais populares (mais vendidas) de um dado artista, durante um certo período, que pode ser toda a sua carreira; do segundo tipo, fazem parte as colecções das melhores músicas, sejam ou não as que mais sucesso tiveram; no terceiro tipo, encontramos a colecção das músicas mais representativas das várias fases criativas do artista, independentemente de serem as mais vendidas ou até a melhores. Em minha opinião, raramente os Greatest Hits valem a pena, pois não é invulgar as músicas com mais sucesso de um artista serem também as menos interessantes. Claro que a qualidade dos The Best Of também depende de quem faz a selecção (há casos em que são os próprios artistas e outros em que são as editoras). Por sua vez, as retrospectivas têm um interesse mais documental, chegando a incluir músicas que não fazem parte de discos anteriores e versões diferentes das originais.

Aqui fica uma meia-dúzia das melhores compilações que conheço.

DEEP PURPLE, Mark I & II (1973)



Os Deep Purple são frequentemente subestimados e compreende-se porquê: a partir de certa altura passaram a macaquear-se a si próprios e a esbanjar a boa reputação adquirida nos seus melhores tempos. De tal modo que quase tudo o que fizeram a partir de 1974 é para esquecer. Mas para quem quer ouvir o melhor da melhor fase dos DP não precisa de mais do que a excelente compilação Mark I & II, um duplo álbum que penso ter sido editado só em vinil. O título da compilação Mark I & II refere as duas primeiras formações dos DP (havendo ainda as formações posteriores, conhecidas como Mark III e Mark IV).

O primeiro disco contém apenas músicas do período conhecido como Mark I (o vocalista desta primeira formação era Rod Evans), e o segundo disco inteiramente dedicado ao mais inspirado período dos DP, o Mark II, já com a belíssima e poderosa voz de Ian Gillan. Uma curiosidade: no início dos anos 70 do século passado, o genial compositor russo Chostakovich assistiu em Londres à ópera-rock Jesus Christ Superstar e disse ter ficado simplesmente encantado, a ponto de acrescentar que gostaria de ter composto algo nessa linha. A personagem de Jesus era interpretada precisamente por Ian Gillan.

Foi do período Mark II que saíram as mais brilhantes canções dos DP e que os impuseram como um dos principais fundadores do chamado hard rock. Trata-se de um hard rock progressivo, com um toque sinfónico dado sobretudo pelo inconfundível organista Jon Lord. Mas todos os membros desta formação eram músicos fantásticos. Os DP desta fase chegaram mesmo a gravar um álbum ao vivo com a Royal Philharmonic Orchestra, dirigida pelo maestro e compositor Malcolm Arnold.

O disco 2 desta compilação inclui algumas das melhores músicas deste período, sem esquecer a bela balada When a Blind Man Cries, originalmente editada como single (lado B), e a versão ao vivo de Highway Star, que é bem melhor do que a versão original de estúdio. O disco 1 é totalmente dedicado a Mark I, onde encontramos preciosidades como Hush, mas também interessantes versões de canções alheias como Help dos Beatles ou Hey Joe, mais conhecida pela voz de Hendrix.

Em suma, neste duplo álbum está quase tudo o que interessa dos DP. Só não se compreende como um disco com boa música tem uma capa tão má. Dificilmente se consegue imaginar pior.


LEONARD COHEN, The Best Of (1975)


Esta colectânea de 1975 inclui apenas canções dos quatro primeiros discos de originais de Leonard Cohen: Songs of Leonard Cohen (1967), Songs From a Room (1969), Songs of Love and Hate (1971) e New Skin For the Old Ceremony (1974). Mas são, em minha opinião, também os quatro melhores discos de Cohen. E o melhor de tudo é que esta colectânea reune mesmo o melhor dos quatro, fazendo dele um disco irresistível, onde não há uma única canção dispensável: Bird on The Wire, Sisters of Mercy, Hey, That's No Way to Say Goodbye, Suzanne, So Long, Marianne, Famous Blue Raincoat ou Who By Fire. É talvez a melhor colectânea que conheço. Um disco perfeito. E mais uma capa fraquinha.


LOU REED, A Walk on the Wild Side: The Best of Lou Reed (1977)



O que não falta são compilações de Lou Reed. Em geral, as compilações mais tardias acabam por deixar de fora algumas das melhores canções de Reed para poderem entrar outras mais recentes, mas também mais banais. Mas esta compilação abrange apenas o que considero ser o período mais criativo de Reed. E há ainda o cuidado de não optar pelo mais fácil, dispensando acertadamente canções tão óbvias como Perfect Day. Digna de registo é também a qualidade do som (só conheço o disco em vinil). 


THE SMITHS, Hatful of Hollow (1984)



Este disco quase poderia contar como um álbum de originais. Por estranho que possa parecer, saiu pouco depois do primeiro disco de The Smiths. Contudo, o grupo liderado pela dupla Morrissey e Marr (a propósito, Marr diz ser um ávido leitor de filosofia, sobretudo de filosofia da religião) tinha o hábito de regravar as suas músicas com diferentes arranjos e sonoridades, de que resultavam canções quase novas, nalguns casos melhores do que as versões originais. Além disso, esta compilação inclui ainda singles que não fazem parte de qualquer outro álbum. Isto porque The Smiths raramente encaravam  os singles como estratégia de promoção de álbuns mas antes como criações autónomas. Por isso se encontram aqui grandes canções como How Soon is Now, que está ausente de qualquer dos seus discos de originais.


JOY DIVISION, Substance (1988)



Os Joy Division só gravaram dois (e que dois!) álbuns de originais. Mas ainda antes do seu primeiro álbum, quando eram um grupo seguido apenas em Manchester e pouco mais, já tinham gravado vários singles de circulação bastante restrita. Esta compilação, organizada pelos três ex-membros dos Joy Division, é uma verdadeira retrospectiva do grupo de Ian Curtis, pois inclui material representativo de toda a sua história, desde os primeiros anos. Integra mais de meia-dúzia de canções dos Joy Division que não fazem parte dos seus dois álbuns Unknown Pleasures e Closer, entre as quais a marcante Love Will Tear Us Apart.


FRANK ZAPPA, Strictly Commercial: The Best of Frank Zappa (1995)



A discografia de Zappa é, como se sabe, tão grande quanto variada. E a sua música é tudo menos comercial. Muitas das suas melhores criações são totalmente instrumentais, com frequentes incursões pelo jazz e pela música experimental. Não se vê como uma compilação poderia dar conta de tudo isso. Mas também não é isso que esta compilação procura fazer, limitando-se a abrir as portas do universo musical de Zappa pelo lado mais acessível. Neste caso, isso é muito bem conseguido, graças à excelente selecção de canções. Entre elas contam-se Peaches En Regalia, Dirty Love, Joe's Garage, Montana e o popular Bobby Brown Goes Down (esta apenas na edição europeia). É o Zappa ideal para quem gosta de Zappa mas não aguenta demasiado Zappa.