quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025
Compreender a acção humana
quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025
Wittgenstein e o relativismo
Poderíamos continuar a acumular evidências como as apresentadas para validar a ideia da Revolução Científica, mas muitos estudiosos continuariam a não se sentir convencidos, nem capazes de serem convencidos. A ansiedade que agora perturba os historiadores quando lêem as palavras «científica», «revolução», «moderno» e (a pior de todas) «progresso» em estudos de ciência natural do século XVII, revela não só o medo da linguagem anacrónica. É também um sintoma de uma crise intelectual muito maior, que se expressou num recuo generalizado perante todas as grandes narrativas. O problema das grandes narrativas, diz-se, é que elas privilegiam uma perspetiva sobre outra; e a alternativa é um relativismo que mantém que todas as perspetivas são igualmente válidas.
Os argumentos mais influentes a favor do relativismo provêm da filosofia de Ludwig Wittgenstein (...). Foi só no final dos anos cinquenta, a seguir à publicação de Investigações Filosóficas, em 1953, que os argumentos inspirados em Wittgenstein começaram a transformar a história e a filosofia da ciência. A sua influência já pode ver-se, por exemplo, em A Estrutura das Revoluções Científicas. A partir daí passou a ser vulgar afirmar-se que Wittgenstein demonstrara que a racionalidade era, no seu todo, culturalmente relativa: a nossa ciência pode ser diferente da dos antigos romanos mas não temos fundamento para afirmar que era melhor, porque o mundo deles era absolutamente diferente do nosso. Não há um padrão que permita comparar os dois. A verdade, segundo a doutrina de Wittgenstein de que o significado é o uso, é a que nós escolhemos; ela exige um consenso social mas não a correspondência entre aquilo que dizemos e o mundo como ele é.
A primeira vaga de relativismo foi mais tarde complementada por outras tradições intelectuais profundamente diferentes: a filosofia linguística de J. L. Austin, o pós-estruturalismo de Michel Foucault, o pós-modernismo de Jacques Derrida e o pragmatismo de Richard Rorty. A expressão «a viragem linguística» é muitas vezes usada para indicar todas essas diferentes tradições, porque elas partilham um sentido comum, como o explicitou Wittgenstein, em que «os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo». Como veremos, grande parte dos debates sobre a Revolução Científica provêm das ramificações desta perspetiva.
David Wootton, A Invenção da Ciência. Temas e Debates, 2017, pp. 60-61.
terça-feira, 28 de janeiro de 2025
Determinismo não é fatalismo
sábado, 25 de janeiro de 2025
terça-feira, 21 de janeiro de 2025
Dez boas canções pop-rock de 2024
Estas foram as 10 canções pop-rock de 2024 que me ficaram na memória (playlist abaixo). Claro que deu para ouvir apenas uma pequeníssima fracção do que foi produzido no ano que terminou. São sobretudo canções pop, mais do que rock, talvez porque encontro canções mais inventivas e interessantes na música pop do que propriamente no rock, que parece estar a envelhecer rapidamente.
Talvez nem todas estas 10 canções sejam inesquecíveis. Por exemplo, o timbre do cantor dos suecos Kite pode tornar-se algo irritante após várias audições, assim como soa algo cansativa a guitarra de John Squire (o excelente guitarrista dos saudosos Stone Roses), ao contrário da voz de Liam Gallagher, que continua fantástica. Estas duas canções estão uns furos abaixo das restantes.
Os álbuns de que estas canções fazem parte nem sempre são grande coisa, como é o caso de All Born Screaming, de St. Vincent, bastante fraquinho. É, de resto, curioso verificar que ela tem várias canções brilhantes e não consegue fazer um único álbum notável. É a mania de querer soar constantemente estranha e disruptiva. Em contrapartida, o álbum Charm, de Clairo, é bom do princípio ao fim. É uma espécie de versão pop do jazz de fusão de Annete Peacock. E há que realçar o surpreendente Nick Cave, que faz cada vez melhor música. Longe vão os tempos de juventude, em que Cave se perdia em vacuidades musicais, como as dos Birthday Party (sim, sim, era um murro no estômago, como se isso fosse uma categoria estética!). Wild God é, sem dúvida do melhor de 2024. E destaco ainda os Lo Moon, que trazem reminiscências dos esquecidos Bread, mas para melhor.
Registe-se ainda o regresso dos alemães Propaganda e também dos A Certain Radio. É agora a pop, com um toque de electrónica, a mostrar que não está esgotada.
Rock and Roll is not dead, dizem. Certo, mas só porque tem andado a receber oxigénio da pop.
domingo, 19 de janeiro de 2025
O musicólogo da mathesis universalis
Nasceu em França, viveu vários anos na Holanda e morreu na Suécia. Em pouco mais de 50 anos de vida conseguiu revolucionar o pensamento filosófico. Mas licenciou-se em direito, não em filosofia. A sua mãe, Jeanne, faleceu quando ele era uma criança e o seu pai, Joachim, foi um parlamentar. Apesar de nunca ter casado, foi pai da menina Francine (uma filha ilegítima, como se dizia então), que morreu aos 5 anos de idade, causando-lhe o maior desgosto da sua vida.
De resto, foi um oficial militar orgulhoso, apesar de não ter chegado a combater. Também dava muita importância ao modo de vestir e preferia a companhia dos homens de negócios aos académicos e eruditos. O seu inimigo letal foi o rigoroso Inverno de Estocolmo, que o matou com uma pneumonia, em 1650. E foi assim que a rainha Cristina ficou sem o mestre particular de filosofia, que a muito custo ela convencera a rumar à Suécia.
Poucos sabem que ele escreveu sobre música. No entanto, o seu compêndio influenciou o célebre compositor Jean-Philippe Rameau, que também escreveu um Tratado da Harmonia Reduzido aos seus Princípios Naturais. Por outro lado, o compêndio foi criticado pelo filósofo e compositor Jean-Jacques Rousseau, o que não é de espantar, tendo em conta que Rousseau tinha a tendência para desprezar tudo o que não brotasse da sua mente brilhante.
Claro que a produção posterior ao Compêndio acabou por ofuscar irremediavelmente esta pequena obra de estreia. E assim se tem mantido na penumbra. Contudo, não deixa de ser a primeira peça da tal mathesis universalis.
domingo, 15 de dezembro de 2024
O idealista antimetafísico
Poucos nomes foram tão importantes para a estética e filosofia da arte da primeira metade do século XX como o de Benedetto Croce (1866-1952). Foi este filósofo, historiador e político napolitano (embora oriundo de uma pequena vila dos Apeninos), que procurou uma sustentação filosoficamente mais robusta para a perspectiva expressivista da arte anteriormente esboçada por Tolstói e que, depois de Croce, seguiu numa direcção bem diferente da do escritor e ensaísta russo. A filosofia da arte de Collingwood, para dar o exemplo mais notório, é claramente influenciada pelo expressivismo de Croce.
Mas qual foi a novidade do expressivismo de Croce? Em primeiro lugar, a teoria estética de Croce é um dos aspetos centrais da sua filosofia idealista, de inspiração hegeliana, segundo a qual a filosofia nada mais é do que filosofia do espírito (ou da mente). E depois acaba por explicar, de forma relativamente simples e sem as complexidades do sistema filosófico hegeliano, como responder de forma coerente aos problemas da natureza, da função e do valor da arte, fazendo descer o idealismo à terra. Tanto que Croce se assume resolutamente como antimetafísico, associando a metafísica a uma espécie de reflexão religiosa, o que curiosamente o aproxima da ideia positivista da metafísica. Estamos, pois, perante, uma teoria da arte idealista e, segundo o próprio, antimetafísica.
O sistema idealista de Croce tem a seguinte configuração.
Uma das preocupações de Croce acerca da arte era mostrar claramente aquilo que ela não é, contrariando algumas ideias comuns. Assim, a arte não é um facto físico. Basta notar que há mais numa pintura do que pigmentos dispostos na tela ou em outra superfície. Em certo sentido, é mesmo possível que a obra de arte exista apenas na mente do artista e que todos sejamos artistas, ainda que só alguns contribuam para o desenvolvimento das chamadas belas-artes. A arte também não é algo utilitário, mesmo quando é encarada como um investimento, pois encará-la como investimento é tomá-la apenas como mercadoria e não enquanto arte. Mais, a arte não tem qualquer preocupação prática, pelo que nem sequer o prazer por ela proporcionado é relevante. A arte também não é moral, dado que ela não tem origem num acto de vontade, mas sim na intuição. Por fim, sendo intuição (ou expressão), a arte também não é conhecimento conceptual, até porque a arte não distingue entre o que é real e o que é irreal, nem a verdade da mera aparência. Ela é pura imagem de que a fantasia não pode ser excluída, não se ocupando do mundo à volta, pois é na imagem sem qualquer referência à realidade ou irrealidade que a intuição se torna expressão, isto é, se torna verdadeiramente intuição. A arte é, sim, uma forma de conhecimento intuitivo e não conceptual ou não-lógico.
Muitos poderão pensar que Croce não passa de mais um vulto obscuro da filosofia da primeira metade do século XX, mas a verdade é que, mesmo noutras áreas da filosofia, como no pensamento político e historiográfico, ele foi muito influente. Apesar de se afirmar como liberal anti-fascista e anti-comunista, ele influenciou fortemente Antonio Gramsci, um filósofo político comunista, mas também Giovanni Gentile, um filósofo defensor do fascismo, com o qual veio a cortar relações pessoais. Croce, foi até nomeado por 16 vezes para a lista final de candidatos ao Prémio Nobel da Literatura, apesar de nunca o ter vencido. Diga-se, já agora, que houve quem tivesse sido nomeado mais vezes sem o ter conseguido, como o poeta inglês W. H. Auden, que foi nomeado 19 vezes, e o também inglês Graham Greene, que foi nomeado 26 vezes.
terça-feira, 26 de novembro de 2024
O que tem de ser tem muita força?
O mais recente livro do biólogo e neurocientista Robert Sapolsky começa assim, com esta imagem, que visa resumir o que aí se defende.
O título do livro (sem o subtítulo) tem apenas uma palavra. Pergunta para quem o desconhece: Qual será o título?