quarta-feira, 30 de maio de 2012

A clonagem humana é eticamente inaceitável, argumenta a Oxana



Este ensaio discute se a clonagem humana é uma prática eticamente aceitável ou não. A posição aqui defendida é que a clonagem não é moralmente admissível.
Irei abordar apenas a clonagem humana reprodutiva e não a clonagem terapêutica. Em primeiro lugar, é necessário perceber o que é a clonagem e como funciona. A clonagem é um processo que permite a criação de indivíduos geneticamente iguais, isto é, com o mesmo ADN. Ao contrário da reprodução natural, que resulta da junção do material genético de ambos progenitores (o óvulo funde-se com o espermatozóide), a clonagem é uma reprodução assexuada, ou seja, não recorre ao acto sexual, e o material genético dos descendentes é igual ao do procriador. Quando é feita para fins reprodutivos, a clonagem realiza-se por transferência nuclear, que consiste na junção do núcleo de uma célula com um ovócito enucleado. Este óvulo é depois estimulado, o que o leva a dividir-se e a desenvolver-se, transformando-se depois num embrião que pode ser transferido para o útero de uma fêmea/mulher. O indivíduo que daí surgir, será um clone, uma cópia genética do dador do núcleo.
Existem várias objecções à clonagem humana reprodutiva, tais como: o argumento das relações familiares (um clone traria mudanças a nível familiar, pois as relações familiares seriam artificiais e anómalas), o risco da instrumentalização (a clonagem humana fomenta a instrumentalização dos seres humanos que serão utilizados pelos progenitores para a concretização de objectivos que eles próprios não atingiram) e o apelo à natureza (a clonagem humana é antinatural), entre outros. Porém, estes argumentos são fáceis de descartar. Actualmente existem outros modelos de família além das tradicionais (mãe, pai e filhos), como por exemplo as famílias homossexuais, os divórcios, os segundos casamentos e as adopções, que são capazes de satisfazer as necessidades afectivas e emocionais dos seus membros e, deste modo, a família à qual pertencerá o clone não irá ser muito diferente da família convencional. O próprio conceito de natureza não é completamente claro e a fronteira entre o que é natural e o que é contranatural não foi estabelecida, já para não referir que, aceitando este argumento, teríamos de excluir também as várias formas de reprodução assistida e outras intervenções médicas. Assim, o argumento de que a clonagem é antinatural acaba por ser pouco persuasivo.
Porém existem outros argumentos que são bastante mais fortes  e que corroboram a minha posição: o argumento da identidade, o argumento da eugenia e o argumento dos custos humanos. Os defensores do argumento da identidade afirmam que a clonagem reprodutiva é eticamente errada porque implica a perda de identidade do clone e fere a sua dignidade. A objecção a este argumento é que a clonagem não iria produzir cópias iguais da mesma pessoa, apenas iria produzir indivíduos com o mesmo ADN, com o mesmo genótipo, como acontece com os gémeos idênticos. Visto que estariam enquadrados em meios diferentes, o clone e o seu dador iriam ter personalidades e mentalidades diferentes, ou seja, não seriam a mesma pessoa. Ainda assim, e de acordo com os apoiantes da clonagem, esta prática só seria permitida com o consentimento do seu dador. Ora, se o genótipo não é identidade, por que razão haveria o dador de impedir a criação de um clone seu? Se esse clone não é o dador e o dador não é o clone porque é que o dador teria de consentir que fosse clonado? Isto significa que o ADN é muito importante para a identidade de um indivíduo e, à luz desta ideia, teríamos de rever qual é afinal a identidade de um clone e de que modo isso irá influenciar o próprio clone e a sociedade.
Outro argumento que se opõe a clonagem é o argumento do perigo da eugenia. A eugenia é uma tentativa de manipular as características genéticas de um ser, seleccionando e eliminando os embriões com características indesejáveis (doenças físicas e mentais graves) e acrescentando características desejáveis (beleza, inteligência) aos mesmos, de forma a melhorá-los. A eugenia é uma ideia bastante real, já que actualmente a modificação do genoma é muito praticada, especialmente na produção de alimentos transgénicos (organismos geneticamente modificados) que aguentam melhor as pragas e têm um rápido crescimento. De acordo com os defensores deste argumento, a clonagem poderá facilitar a eugenia positiva e o seu possível uso malévolo. A preocupação geral da eugenia não é tanto a criação de exércitos de clones (o que também é um risco), é a comercialização dos próprios clones e a sua escravização. A facilidade de utilização dos clones na escravatura é possibilitada pelo facto de os clones serem cópias genéticas de pessoas já existentes, ou seja, nada, nem ninguém “daria por falta” de um clone. Actualmente existe uma grande possibilidade de um movimento eugénico ser cuidadosamente preparado, pelas grandes empresas e potências comerciais, longe dos olhos públicos. Na verdade, empresas que estão encarregadas de assegurar a clonagem humana, como a Geron e Advanced Cell Thecnology, já estão patenteadas por outras empresas internacionais, o que lhes dá o direito legal de propriedade sob os futuros clones humanos e as células humanas estaminais. A criação dos clones trará negócios bastante vantajosos para estas empresas, já que seriam também um óptimo banco de órgãos. Algumas pessoas poderão dizer que não há uma ligação necessária entre a clonagem humana e a eugenia. Contudo, essa possibilidade existe. Se nem mesmo a exploração infantil de crianças é capaz de travar as ambições económicas das potências comerciais, como podemos ter a certeza de que os clones (com as características necessárias) não serão utilizados para o mesmo propósito? A clonagem humana reprodutiva só seria possível se tivéssemos a completa certeza de que os clones humanos não iriam ser utilizados para proveito de determinadas entidades ou pessoas. Mas como no mundo actual isso ainda não está garantido, a clonagem seria eticamente errada.
Outra objecção à clonagem humana reprodutiva é o argumento dos custos humanos. Este argumento parte da premissa de que a técnica da clonagem humana reprodutiva, no seu actual estado, produz inevitavelmente muitos indivíduos defeituosos, com sérios problemas físicos e mentais. É verdade que a taxa de sucesso da clonagem é extremamente baixa, pois cerca de 95% à 98% das tentativas resultam em abortos ou malformações. A ovelha Dolly (o primeiro mamífero a ser clonado) foi a única sobrevivente das 227 tentativas de clonagem que foram feitas, para além de que morreu prematuramente com 6 anos, quando a média de vida era 12. Sendo assim, será que os eventuais benefícios da clonagem compensam a destruição de tantos embriões, fetos e possivelmente clones bebés acabados de nascer? Quem irá assumir a responsabilidade de destruição de uns e a sobrevivência de outros? E quem nos irá garantir que os clones bebés não nascerão com mutações ou doenças congénitas e que tenham uma vida tão longa como a de um ser humano? Sem respondermos com convicção a estas questões, não podemos tomar a clonagem humana reprodutiva como eticamente correta. Apesar de a clonagem poder ser uma resposta para a infertilidade, tendo em conta os custos e os riscos que este processo implica, não deve ser vista como a única alternativa. Decerto que haverá outras opções mais fiáveis.
Avaliando todos estes argumentos, compreende-se que a clonagem humana é um processo que ainda não foi desenvolvido, e é incerto, pelo que os seus riscos (sociais e étnicos) são muito elevados. A ciência realiza a experiência sem ter compreendido na totalidade o que é o ADN, como é composto, como funciona e que consequências tem, provando até ao momento a sua ineficácia. A clonagem é apenas um dos processos e será boa ou má dependendo do seu uso. Como ainda não se encontrou uma técnica de clonagem totalmente fiável e a sua taxa de sucesso é muito baixa, penso que tal prática não é eticamente aceitável.

Oxana Dimova, 11º N

Muito obrigado à Oxana pelo seu ensaio e pela autorização para o divulgar aqui.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Cientificidade

Foto de Aires Almeida

A propósito da solução de Karl Popper  para o chamado "problema da demarcação" um aluno mostrou-me um apontamento colhido não sei bem onde, no qual se dizia o seguinte:

Popper defende que uma teoria é científica se, e só se, for empiricamente falsificável.

A minha pergunta é: acham isto correcto? Será mesmo isso que Popper defende? Eu acho que isto está errado. E o leitor concorda comigo? Porquê?