terça-feira, 21 de junho de 2011

Um livro para as férias

Nas férias há tempo para fazer de tudo um pouco. E também para ler bons livros. Ao contrário do que algumas pessoas pensam, as leituras de férias não têm de ser sobre futilidades.

Eis uma sugestão de um livro que se lê bem, mas que também faz pensar: A Vida Que Podemos Salvar (Gradiva, 2011), do famoso filósofo australiano Peter Singer. O subtítulo do livro é Agir Agora Para Pôr Fim à Pobreza no Mundo e o seu autor foi considerado uma das 100 pessoas mais influentes do mundo pela influente revista Time.

Boa leitura.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Deus gosta de jogar às escondidas?



ANA - Há algo na atitude de Deus, caso exista mesmo, que me deixa perplexa, Tomás.

TOMÁS - O quê, Ana?

ANA - É que não consigo compreender por que razão Deus, com os poderes, sabedoria e bondade que o caracteriza, permite que muitos de nós duvidemos da sua existência e passemos tanto tempo a discutir isso.

TOMÁS - Ora, Ana, acho que certas pessoas discutem a sua existência porque não conseguem ou se recusam a ver os sinais da sua existência.

ANA - Pois, o problema é esse, Tomás: em vez de nos dar sinais, por que razão não nos mostra inequívoca e definitivamente que existe, de modo a não permitir discussões que, afinal, poderiam ser escusadas?

TOMÁS - Porque isso lhe permite testar a nossa fé, Ana.

ANA - Bom, a tua resposta ainda torna as coisas mais incompreensíveis. Por que razão um ser que sabe tudo precisa de testar a minha fé? Afinal, é ele que precisa de provas sobre o que realmente pensamos ou sentimos? Não achas que, para um Deus omnisciente, isso não faz qualquer sentido?

TOMÁS - Talvez não seja bem isso. Mas já reparaste que, se fosse tudo tão óbvio e linear as coisas seriam menos interessantes?

ANA -  Ah, bom, agora já percebi: Deus gosta simplesmente de jogar às escondidas connosco.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

A coisa mais perigosa que há

Numa das aulas do 11º ano estava eu a tentar explicar que o conhecimento e a mera crença são coisas muito diferentes, quando uma aluna me perguntou mais ou menos o seguinte:

- Ok, as crenças podem ser falsas e crenças falsas não são conhecimento, mas qual é, afinal, o problema em termos crenças falsas? Por que razão os filósofos se afligem tanto com isso? É certo que podemos estar enganados, mas que mal há em estarmos enganados?

Achei a pergunta bastante oportuna e interessante. Oportuna porque permitiu esclarecer algo que muitas vezes nós, professores, damos inadvertidamente como adquirido. Interessante porque é o género de pergunta tipicamente filosófica: um desafio para discutir questões básicas.

Disse à aluna que havia duas maneiras de lhe responder.

Em primeiro lugar, é importante para os filósofos distinguir o conhecimento da mera crença porque a filosofia consiste, afinal, na procura da verdade. Um filósofo que não se importa com o conhecimento é alguém que provavelmente também não se importa com a verdade, uma vez que a verdade é condição necessária para o conhecimento. Assim, um filósofo que se desinteressa pela verdade acaba por ser um filósofo que não se interessa pela filosofia (por estranho que pareça, há filósofos assim). Claro que esta resposta começa por ser insatisfatória, pois o que a aluna está precisamente a fazer é a pôr em causa (legitimamente, diga-se) o interesse da própria investigação filosófica. Uma resposta mais razoável, sem ter de invocar o valor intrínseco do conhecimento, é sublinhar que este torna a nossa vida mais rica, porque mais autêntica. Viver uma vida baseada em falsidades e enganos é viver uma vida diferente da que pensamos estar a viver; uma vida, de certo modo, fictícia.

Em segundo lugar, é importante evitar ter crenças falsas porque as crenças falsas são a coisa mais perigosa do mundo. Ao contrário do que muitas vezes se diz, a principal causa de morte do mundo não são as guerras nem a pobreza nem a fome nem os acidentes cardiovasculares nem os acidentes de viação. A principal causa de morte no mundo são precisamente as crenças falsas. Morrem a todo o momento pessoas porque têm a crença falsa de que estão de saúde, dispensando-se, por isso, de ir ao médico; porque têm a crença falsa de que determinados alimentos são saudáveis quando são, afinal, venenosos; porque acreditam que conduzir a alta velocidade os faz chegar mais cedo ao destino quando os impede, afinal, de lá chegar; porque crêem firme, mas erradamente, que a sua ideologia política, o seu país ou o seu credo religioso legitimam a eliminação dos seus inimigos. São tantas vezes crenças falsas que levam inocentes ao castigo, e até à pena de morte, deixando tantas vezes criminosos sem castigo. São sempre crenças falsas que estão na origem de tantas injustiças. Foram crenças falsas acerca da natureza supostamente inferior da mulher que causaram a sua submissão aos homens no passado (acreditava-se, por exemplo, que as mulheres, ao contrário dos homens, não tinham alma). Foi a crença falsa de que os negros não passavam de meros animais que justificou durante séculos a sua escravidão. Foi a conjugação de duas crenças falsas, nomeadamente a de que há raças superiores e a de que as pessoas das raças supostamente inferiores não têm os mesmo direitos que as pessoas de raças superiores, que levou os nazis a exterminar milhões de inocentes. Bem vistas as coisas, a maior parte dos males cometidos pelos seres humanos têm origem em crenças falsas. E muitos dos males do passado deixaram de se cometer porque fomos capazes de rever essas crenças. Não tivesse Édipo (lembram-se da tragédia de Sófocles?) crenças falsas acerca de Jocasta, sua mãe, e não teria certamente acabado por furar os seus próprios olhos.

Em suma, evitar ter crenças falsas torna-nos melhores e, portanto, torna também o mundo bastante melhor.

terça-feira, 22 de março de 2011

Filosofia da música


O que é a música? Há quem se apresse a responder que a música, ao contrário do simples ruído, é som organizado. Bom, mas quando falamos também estamos a produzir sons organizados e isso não é música. O que distingue, pois, um evento sonoro musical de um evento sonoro não musical? Este é o problema da definição de música. E, apesar de poder interessar também os musicólogos, é um problema filosófico: é um problema de filosofia da música.

Eis outro problema de filosofia da música, mais precisamente de ontologia da música: que tipo de objecto é uma obra musical? Será uma entidade concreta, situada no espaço e no tempo, como o quadro Mona Lisa, por exemplo? Ou será antes algo abstracto, como é, talvez, o caso dos números? Pensemos na 5ª Sinfonia de Beethoven. Se essa obra do compositor alemão for uma entidade concreta (um particular concreto, como dizem os filósofos), onde se encontra ela? Na gravação em CD que tenho agora na minha mão, ou nos milhares de outras gravações diferentes que se encontram nas mãos de outras pessoas? Mas, se está em tantos sítios diferentes ao mesmo tempo, será coerente afirmar que existe apenas uma 5ª Sinfonia de Beethoven? Talvez essa obra se encontre apenas na partitura que todas essas interpretações tomam como referência. Acontece que a partitura é papel pintado e papel pintado não é música. Não será a obra, afinal, o que estava na mente de Beethoven quando ele escreveu a partitura? Bom, mas se a obra estiver na mente do compositor, então ela já não existe, pois o compositor já morreu. Talvez a 5ª Sinfonia de Beethoven seja antes algo que existe e sempre existiu (uma determinada estrutura sonora) e que o compositor alemão se limitou a descobrir. Mas, nesse caso, a obra não é uma criação humana e Beethoven não é realmente um compositor. Problema difícil, este!

Já agora, o que nos permite dizer que uma dada execução musical é uma interpretação da 5ª Sinfonia de  Beethoven? O critério será estar de acordo com a partitura, isto é, com o conjunto das instruções dadas pelo seu autor? Nesse caso, se um executante se enganar numa nota e der um Ré onde, por exemplo, está um Dó, continuaremos perante uma interpretação da mesma obra? Diríamos que sim. Afinal, trata-se apenas de uma nota diferente do que está na partitura. Mas, se uma nota não faz diferença, por que razão duas haveriam de fazer? E, já gora, três? E quatro? E ...? Em que consiste, então, a identidade de uma obra musical? Humm...

Um aspecto que todos destacam na música é o seu poder expressivo: as pessoas falam frequentemente na capacidade de a música exprimir emoções. Mas o que quer isso dizer? Em que sentido a música exprime emoções? Será que há mesmo emoções (como tristeza, alegria, euforia, raiva, etc.) na música? Como assim? As emoções são, ou envolvem, estados mentais e é simplesmente disparatado acreditar que a música tem estados mentais; ela é apenas som. Talvez a música não exprima realmente emoções, mas se limite a despertar emoções no ouvinte e, assim, a tristeza, euforia, alegria, etc. estejam apenas em quem ouve. Nesse caso, diferentes ouvintes poderão ter emoções diferentes perante a mesma obra musical. Só que isso não bate certo com o facto inegável de pessoas diferentes, em estados emocionais diferentes, serem capazes de concordar que determinada peça musical é triste ou que é alegre. Podemos estar alegres e reconhecer que a música que ouvimos é triste; e vice-versa. Parece, afinal, que há qualquer coisa na música que nos faz dizer que é triste ou que é alegre. Mas o quê e como? E, já agora, por que razão havemos de querer ouvir música triste (ou música que nos causa tristeza), apesar de, em condições normais, evitarmos estar tristes?

Como se vê, há aqui muito para discutir. Estas foram precisamente algumas das questões abordadas por Vítor Guerreiro na XII Conferência de Filosofia da Teixeira Gomes, realizada na passada sexta-feira. A conferência cedo se transformou num animado debate, graças à intervenção empenhada de vários participantes, alunos e professores. E a conversa prolongou-se até ao fim da tarde. 

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Conhecimento

Quais das seguintes afirmações são falsas e porquê?

1. Todo o conhecimento é crença.

2. Toda a crença é conhecimento.

3. É possível saber que P e não acreditar que P.

4. É possível acreditar justificadamente que P e não saber que P.

5. Toda a crença verdadeira é conhecimento.

6. É possível saber que P, e P ser falso.

7. Algumas crenças verdadeiras justificadas são conhecimento.

8. Todas as crenças verdadeiras justificadas são conhecimento.

9. Todo o conhecimento é crença verdadeira justificada.

10. Se alguém sabe que P, então sabe que sabe que P.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Falácias

Como estamos perto do dia do teste e as dúvidas ainda andam pelo ar, gostávamos de propor aos colegas do 11º ano um exercício de identificação de falácias.

Tomem em consideração que as seguintes falácias tanto podem ser formais como informais.


A)  Se está a nevar, os aviões não levantam voo.
Os aviões não levantam voo.
Logo, está a nevar.



       B)  Sr. Dr. Juíz peço-lhe por favor que não me     
             prenda, porque se o fizer os meus filhos         
             ficam desamparados.

       C)  Ainda ninguém provou que Deus existe.
     Logo, Deus não existe.

D)  Ou te portas bem e tiras boas notas ou então bem podes esquecer as férias de verão.

E)  O José Machuca é inteligente ou anormal. Como não se revelou inteligente, logo é anormal.

F)  Comeu laranja à noite, antes de se ir deitar, e sentiu-se mal.
     Logo, a laranja faz mal ao organismo quando ingerida à noite.

G)  Continuas tão egoísta como eras?

H)  Se amanha me sair o euromilhões, compro esta vivenda.
      Amanhã não me sai o euromilhões.
      Logo, não compro esta vivenda.

I)  Toda a gente sabe que os políticos são corruptos. Por isso, não faz sentido provar o contrário.

J)  É pegar ou largar!

K) Einstein, o maior génio de todos os tempos, gostava de maçãs.
Logo, as maçãs são o melhor alimento do mundo.

L) Querem mais escolas abertas? Querem melhores condições no nosso pais? Querem mais emprego, então não votem nesse político.

M) O que é a História? É a ciência que estuda factos históricos.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Será legítimo fazer a guerra para alcançar a paz?

Miguel Granja, professor da ESMTG

Alguns alunos das minhas turmas do 11º ano manifestaram interesse em discutir um dos textos escritos por outro colega, professor de Filosofia, em resposta a uma questão filosófica que lhe foi colocada, no âmbito da comemoração do dia mundial da filosofia. A questão está formulada no título desta posta e a resposta do professor Miguel Granja está abaixo. Concordam? Porquê?


Hobbes Como Condição de Possibilidade de Kant. 

Entre a desonra e a guerra, escolhestes a
desonra e tereis a guerra
                            Winston CHURCHILL

      A dolorosa história da Segunda Guerra Mundial e, em particular, a nossa experiência com o nazismo deviam ter acabado já, de uma vez por todas, com a argumentação pacifista segundo a qual não há «guerras justas». Infelizmente o debate permanece vivo, cobrindo-nos de ridículo e de falência moral. Talvez devêssemos colocar a pergunta do avesso, alterando-a apenas ligeiramente: Será legítima uma paz falsa e injusta para evitar a guerra? A intemporal frase de Churchill que uso em epígrafe é, em si, todo um tratado de filosofia política e foi dirigida, como sabemos, ao pacifista Chamberlain acabadinho de alcançar o pacifista Acordo de Munique, em 1938, com Hitler. Como nos ensinou (e temo que tenha já deixado de nos ensinar) esse vergonhoso episódio pacifista, a paz desejada, infelizmente, não se realiza só porque a desejamos. A paz, tal como a guerra, faz-se. E é um erro pensar que a paz se alcança só porque não se faz a guerra, como se a paz fosse uma consequência natural e lógica do fim da guerra. Não raro, a paz a todo o custo tem um custo demasiado elevado. Custou parte da Checoslováquia, desde logo, aos checoslovacos em nome da nobre vontade de paz dos franceses e dos britânicos: e a vontade de paz de uns é a anexação e opressão dos outros. Portanto, quando a França e a Grã-Bretanha querem a paz com Hitler, quem sofre com isso são os checoslovacos. Em 1939, Hitler, desrespeitando o tratado, invade o resto da Checoslováquia.
     Isto devia ensinar-nos que estamos acostumados a pensar que o contrário da guerra é a paz e que essa é, porém, uma ideia errada. O contrário da guerra é, muitas vezes, a injustiça, a repressão, o genocídio, a cumplicidade, e só a guerra, e não a «paz», pode pôr-lhes cobro. O recurso à guerra teria sido desejável para acabar com o genocídio no Ruanda em 1994 e foi esse recurso à guerra, por parte da NATO, em 1999, que acabou com o genocídio em curso por parte de Milošević. Mas, para isso, foi preciso o hobbesiano Clinton fazer o trabalho sujo que a kantiana Europa não foi capaz de fazer, mesmo às suas portas. Em nome da paz, claro. Porque a guerra é sempre estúpida e injusta. 
     Convém talvez não esquecermos que a primeira «manifestação global»  do século XXI, com milhões de pessoas nas ruas de todo o mundo, não foi em 2001, por causa do 11 de Setembro: foi em 2003. Por causa da iminente guerra dos EUA no Iraque. Portanto, porque é preferível manter o povo iraquiano brutalmente oprimido por Saddam Hussein do que fazer a guerra. Como se aqui, mais uma vez, o contrário da guerra fosse a paz. Em 2003, regressámos, em rebanhada global, ao nosso Momento Checoslovaco de 1938. E não temos, parece-me, cessado de regressar a 1938. E é tão confortável ser Kant quando temos Hobbes a guardar-nos a porta de casa. E, no entanto, tão hipócrita. Porque há alturas em que só podemos permanecer kantianos com a ajuda de Hobbes. Eu pelo menos, não gosto de ser ingrato em relação àqueles bravos rapazes que, arriscando a sua vida lá longe, me guardam o sono todas as noites.
Miguel Granja 

domingo, 21 de novembro de 2010

O que nos garante que o mundo não é apenas uma ilusão?

Eis uma ideia para os professores de filosofia da mesma escola aplicarem as suas faculdades críticas e funcionarem como uma comunidade de pares intelectualmente activos e verdadeiramente interessados na discussão dos problemas filosóficos. 

A ideia é a seguinte: cada professor escreve uma questão filosófica e um dos seus colegas responde numa folha a essa questão. Pretende-se, assim, que cada um enfrente o problema colocado por um dos seus colegas, sendo cada resposta o ponto de partida para uma boa discussão filosófica. Tudo isto pode e deve ser feito sem rede, isto é, sem ser necessário consultar bibliografia nem pedir ideias emprestadas a outros. Afinal, o professor de Filosofia deve estar sempre apto a pensar nessas coisas, mostrando o que é  pensar por si e apresentando simplesmente o resultado da sua reflexão. 

Essa foi, precisamente, uma das actividades realizadas pelo grupo de filosofia da ESMTG no dia internacional da filosofia. Eis a minha resposta à questão a que me coube responder.

E se o mundo não passasse de uma ilusão? E se nada existisse? O que é que nos garante que o mundo não é apenas uma ilusão? 
Eis uma resposta decepcionante, e talvez inesperada, às duas primeiras perguntas: se o mundo não passasse de uma ilusão, não passaria de uma ilusão; e se o mundo não existisse, não existiria. 
Bom, procurando ser um pouco mais construtivo, diria, por um lado, que se o mundo não passasse de uma ilusão, ficaríamos ainda com o problema aparentemente intratável de explicar a existência de tal ilusão e de compreender como poderia essa mesma ilusão ser algo que não faz parte do mundo. Por outro lado, se o mundo não existisse, não haveria quem perguntasse «E se o mundo não existisse?» Assim, para que estas mesmas perguntas façam sentido é preciso que o mundo exista. Ou, pelo menos, temos de pressupor tal coisa. 
Note-se que disse «pressupor» e não mais do que isso. O que me leva à terceira e, quanto a mim, mais interessante pergunta: o que nos garante que o mundo não é apenas uma ilusão? A minha resposta é que nada nos garante tal coisa. Isto se o mundo a que nos estamos aqui a referir for um mundo exterior e não o meu mundo interior ou mental. A este tenho acesso directo e não preciso de qualquer garantia extra. 
Até aqui creio estar muito bem acompanhado por um senhor escocês falecido há muito, chamado David Hume – se é que este senhor não passa de uma ilusão. Só que o senhor Hume acha que a falta de garantias nos conduz a uma espécie de comichão intelectual que não nos deixa fazer outra coisa senão coçar a cabeça. Mas para grandes males, grandes remédios, pelo que arrumou o assunto decidindo simplesmente fingir que não havia comichão. E é aqui que abandono a companhia do senhor Hume. 
O problema deste escocês foi ser demasiado exigente, pois achava que ter boas razões para acreditar que o mundo exterior existe equivalia a ter garantias disso. Mas ter boas razões para acreditar que P e ter a garantia de que P são coisas diferentes. 
Que garantias temos de que os fósseis com formas de peixe encontrados em locais distantes do mar não foram causados por peixes caídos do céu? A resposta é: nenhuma. E que garantia temos de que os locais onde foram encontrados os fósseis estivessem em tempos muito remotos debaixo do mar? A resposta continua a ser: nenhuma. Também aqui não temos qualquer garantia, mas não deixa de haver boas razões para acreditar nisso. Porquê? Ora, porque comparamos as explicações disponíveis para a existência dos fósseis com forma de peixe e esta é, de longe, mais satisfatória do que qualquer outra. 
Nunca podemos ter a garantia seja do que for, mas seria algo irracional ter melhores razões para acreditar que os fósseis vieram do mar do que o inverso e, apesar disso, não acreditar que vieram do mar por falta de garantias. Assim, temos também boas razões para acreditar que o mundo exterior existe. Podemos estar enganados? Claro que sim, mas temos boas razões para pensar que não.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

O bom professor de Filosofia

Ontem foi dia mundial da filosofia e, como é habitual em algumas escolas, também o grupo de professores de Filosofia da Teixeira Gomes decidiu assinalar o dia com algumas iniciativas. Desta vez, o grupo decidiu aproveitar para celebrar a filosofia homenageando um bom professor de Filosofia que tivemos a sorte de ter como colega de grupo e amigo, e que recentemente deixou de estar entre nós: Rui Cunha. Eis o meu texto de homenagem ao Rui e, através dele, também à filosofia.


Não é fácil definir um bom professor de Filosofia, como não é fácil definir um bom professor, seja de que disciplina for. Há, contudo, algumas características que nenhum bom professor de Filosofia pode deixar de exemplificar. Destaco três que me parecem fundamentais.
Em primeiro lugar, um bom professor de Filosofia tem de ter um genuíno interesse por aquilo que ensina. Quem não acredita realmente no valor do que ensina também não conseguirá fazer os estudantes acreditar nisso, pelo que dificilmente se sentirão motivados para aprender. O entusiasmo dos estudantes por determinadas matérias é, em boa parte, reflexo do entusiasmo dos seus professores. 
Em segundo lugar, nenhum professor passa da mediania se não tiver uma compreensão profunda do que ensina. Mesmo para explicar o mais simples é frequentemente preciso ter um domínio do mais complexo, seja para esclarecer uma dúvida mais subtil, para responder a uma dificuldade inesperada ou para satisfazer a legítima curiosidade do aluno mais exigente. Por vezes, o mais simples e óbvio é também o mais difícil de explicar: precisamente por parecer óbvio se ignoram as suas razões. Ora, o domínio do que se ensina exige, além do interesse referido atrás, estudo, informação e actualização constantes. O professor que considera já saber tudo desde que terminou o seu curso ou que acha suficiente o que se encontra no manual dificilmente poderá ser mais do que um mero funcionário do ensino. É, de resto, o domínio científico do que se ensina que, em boa parte, confere ao bom professor a serenidade e descontracção necessárias a um clima de aprendizagem sem grandes sobressaltos e a uma relação pedagogicamente saudável com os seus alunos.
Em terceiro lugar, nenhum professor de Filosofia (e não só) é realmente um bom professor se, mesmo dominando cientificamente as matérias que ensina, não for uma pessoa informada sobre o que de mais importante se passa nas artes, nas ciências e na história em geral. Até porque talvez nem sequer seja possível ser cientificamente competente em Filosofia ignorando o que de mais relevante se passa em outras áreas do saber, pois é frequentemente nessas áreas que se encontra a matéria-prima da reflexão filosófica e fonte importante de perplexidade filosófica. 
Mas será que há muitos professores de Filosofia assim? Não fiz qualquer investigação empírica sobre o assunto, pelo que não sei qual é a resposta. Mas sei que conheci um assim e que tive o prazer de o ter como colega na Escola Secundária Manuel Teixeira Gomes. Não precisei de assistir às suas aulas para apreciar o seu contagiante entusiasmo pela filosofia, o seu invulgar conhecimento científico e a sua enorme bagagem cultural. Esse professor foi Rui Daniel Cunha.
E nem sequer referi outras qualidades importantíssimas que o Rui também tinha: qualidades humanas como a simpatia, a boa disposição e a atenção aos outros. 
Muitas saudades, Rui.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Cogência



Quem sabe se o seguinte argumento é cogente e porquê?

Alguns portugueses são católicos.
Logo, alguns católicos são portugueses.

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