A propósito da V Conferência de Filosofia da Teixeira Gomes realizada em Março de 2004, fiz, por iniciativa do grupo de Filosofia da escola, uma curta entrevista à conferencista desse ano, a professora Adriana Silva Graça (Universidade de Lisboa).
Na conferência que proferiu disse
que o problema do conhecimento é um problema epistemológico. Qual é, então, a
diferença entre epistemologia, gnosiologia e teoria do conhecimento?
As três designações são usadas com
significados ligeiramente diferentes em tradições filosóficas distintas. Na
tradição filosófica à qual eu pertenço, o primeiro e o terceiro desses termos
são basicamente sinónimos; o segundo, não é praticamente usado.
Qual é a importância que o estudo da
epistemologia tem numa boa formação filosófica?
Os temas filosóficos pertencentes à
Epistemologia ou Teoria da Conhecimento sempre foram fulcrais ao longo da
História da Filosofia, ao lado dos temas pertencentes à Metafísica. É crucial
que tenhamos uma ideia o mais precisa possível de como e se é possível conhecer
a realidade.
Quais são os principais problemas da
epistemologia que merecem mais atenção por parte dos filósofos actuais, além do
problema da definição de conhecimento? E quais são as teorias mais destacadas?
Por exemplo, i) se, de todo em
todo, o conhecimento é possível; ii) como o conhecimento se deixa analisar;
iii) se existe conhecimento a priori, ou se todo o conhecimento começa com a
experiência; iii) como se deixa organizar um certo conjunto de crenças, do
ponto de vista da sua justificação; iv) quais são as fontes de
conhecimento; v) aquilo a que se tem acesso cognitivo no acto perceptivo.
Para a primeira questão, é
necessário desenvolver boas maneira de refutar o argumento céptico; Descartes e
Putnam têm boas formas, muito diferentes entre si, de o fazer. Relativamente ao
terceiro tema destacam-se as respostas racionalista e empirista (na sua forma
moderada ou radical). Quanto ao quarto problema, temos as teorias
fundacionalistas e coerentistas em debate. Finalmente, quanto ao quinto, temos
as teorias directas e indirectas da percepção, bem como o idealismo e o
fenomenalismo.
Como é que encara a actividade
filosófica na actualidade? Vê o filósofo como uma pessoa que opina sobre
quase todos os assuntos para as pessoas em geral ou, pelo contrário, vê-o antes como um especialista que fala de coisas para a compreensão das quais se exige o
domínio de técnicas próprias?
Vejo o filósofo mais como um
especialista, cuja especialidade é o lado mais abstracto das diferentes
questões. Vejo a filosofia como estando em continuidade com as diferentes
ciências e diferentes conjuntos organizados de crenças, mas preocupando-se em
fundamentar (e discutir) o que todos os outros tomam por óbvio. É claro que a
análise filosófica exige o domínio de técnicas próprias.
Tem uma disciplina filosófica pela
qual se interesse mais? Qual é e porquê?
Sim. É a Filosofia da Linguagem.
Porque é uma disciplina filosófica que faz fronteira com a Epistemologia, a
Metafísica e a Filosofia da Mente, fazendo girar em torno dela uma diversidade
grande de problemas filosóficos muito interessantes. Interessam-me
particularmente os problemas do sentido e da referência de expressões
linguísticas (frases ou certos tipos de termos como termos gerais, termos
singulares, termos indexicais, termos descritivos etc.), bem como os problemas
relacionados com a relevância do contexto para a determinação daquilo que é
dito por meio de certas elocuções de frases. A Filosofia da Linguagem é em
grande parte responsável pelo desenvolvimento de boa parte dos conceitos que
hoje são usados na prática filosófica corrente (como os conceitos de a priori,
de necessário e de analítico). É efectivamente a minha área preferida de
estudo.
Tem algum ou alguns filósofos
preferidos? Porquê?
Tenho alguns: Aristóteles, Leibniz e
Russell. Os três inteiramente originais, com grande poder argumentativo,
criadores de sistemas filosóficos geniais para a sua época. Preocuparam-se - os
três - em construir um edifício cujos alicerces tornaram explícitos.
O que é fazer investigação em
filosofia?
É ter muito trabalho pela frente!
Ler muito, tentar descobrir uma nova ideia, ou porque é que uma certa teoria
não serve, ou porque é que teorias tidas por inconsistentes afinal não o são.
Mas é muito difícil fazê-lo, pois, por um lado, não temos dados empíricos
(temos unicamente algumas intuições, que podem sempre ser disputadas), e por
outro, há muita gente a trabalhar na comunidade internacional e é difícil, com
as condições que temos, competir com eles.
O que a levou à filosofia?
O gosto pelos problemas na sua
formulação mais abstracta e uma professora do ensino secundário, por quem tenho
ainda hoje grande estima: Adelaide Galvão Teles.
Gosta de ensinar filosofia? Porquê?
Muito. Gosto de sentir que os alunos
se interessam por questões importantes, gosto de observar o seu desenvolvimento
e há sempre aqueles alunos que compensam o trabalho de preparar uma aula.
Sempre que é possível, confronto as minhas próprias ideias com os alunos na
aula (nas últimas aulas da disciplina, após eles já terem algum controle dos
problemas em discussão).
Será que é possível haver uma
colaboração mais estreita, no que diz respeito ao ensino da filosofia, entre os
professores do ensino superior e do ensino secundário?
Julgo que sim. Ela ocorrerá sempre
que houver vontade para isso. Julgo que todos temos a ganhar.
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