terça-feira, 3 de dezembro de 2013

A teoria do conhecimento

A propósito da V Conferência de Filosofia da Teixeira Gomes realizada em Março de 2004, fiz, por iniciativa do grupo de Filosofia da escola, uma curta entrevista à conferencista desse ano, a professora Adriana Silva Graça (Universidade de Lisboa).


Na conferência que proferiu disse que o problema do conhecimento é um problema epistemológico. Qual é, então, a diferença entre epistemologia, gnosiologia e teoria do conhecimento?
As três designações são usadas com significados ligeiramente diferentes em tradições filosóficas distintas. Na tradição filosófica à qual eu pertenço, o primeiro e o terceiro desses termos são basicamente sinónimos; o segundo, não é praticamente usado.

Qual é a importância que o estudo da epistemologia tem numa boa formação filosófica?
Os temas filosóficos pertencentes à Epistemologia ou Teoria da Conhecimento sempre foram fulcrais ao longo da História da Filosofia, ao lado dos temas pertencentes à Metafísica. É crucial que tenhamos uma ideia o mais precisa possível de como e se é possível conhecer a realidade.

Quais são os principais problemas da epistemologia que merecem mais atenção por parte dos filósofos actuais, além do problema da definição de conhecimento? E quais são as teorias mais destacadas?
Por exemplo, i) se, de todo em todo, o conhecimento é possível; ii) como o conhecimento se deixa analisar; iii) se existe conhecimento a priori, ou se todo o conhecimento começa com a experiência; iii) como se deixa organizar um certo conjunto de crenças, do ponto de vista da sua justificação; iv) quais são as fontes de conhecimento; v) aquilo a que se tem acesso cognitivo no acto perceptivo.
Para a primeira questão, é necessário desenvolver boas maneira de refutar o argumento céptico; Descartes e Putnam têm boas formas, muito diferentes entre si, de o fazer. Relativamente ao terceiro tema destacam-se as respostas racionalista e empirista (na sua forma moderada ou radical). Quanto ao quarto problema, temos as teorias fundacionalistas e coerentistas em debate. Finalmente, quanto ao quinto, temos as teorias directas e indirectas da percepção, bem como o idealismo e o fenomenalismo.

Como é que encara a actividade filosófica na actualidade? Vê o filósofo como uma pessoa que opina sobre quase todos os assuntos para as pessoas em geral ou, pelo contrário, vê-o antes como um especialista que fala de coisas para a compreensão das quais se exige o domínio de técnicas próprias?
Vejo o filósofo mais como um especialista, cuja especialidade é o lado mais abstracto das diferentes questões. Vejo a filosofia como estando em continuidade com as diferentes ciências e diferentes conjuntos organizados de crenças, mas preocupando-se em fundamentar (e discutir) o que todos os outros tomam por óbvio. É claro que a análise filosófica exige o domínio de técnicas próprias.

Tem uma disciplina filosófica pela qual se interesse mais? Qual é e porquê?
Sim. É a Filosofia da Linguagem. Porque é uma disciplina filosófica que faz fronteira com a Epistemologia, a Metafísica e a Filosofia da Mente, fazendo girar em torno dela uma diversidade grande de problemas filosóficos muito interessantes. Interessam-me particularmente os problemas do sentido e da referência de expressões linguísticas (frases ou certos tipos de termos como termos gerais, termos singulares, termos indexicais, termos descritivos etc.), bem como os problemas relacionados com a relevância do contexto para a determinação daquilo que é dito por meio de certas elocuções de frases. A Filosofia da Linguagem é em grande parte responsável pelo desenvolvimento de boa parte dos conceitos que hoje são usados na prática filosófica corrente (como os conceitos de a priori, de necessário e de analítico). É efectivamente a minha área preferida de estudo.

Tem algum ou alguns filósofos preferidos? Porquê?
Tenho alguns: Aristóteles, Leibniz e Russell. Os três inteiramente originais, com grande poder argumentativo, criadores de sistemas filosóficos geniais para a sua época. Preocuparam-se - os três - em construir um edifício cujos alicerces tornaram explícitos.

O que é fazer investigação em filosofia?
É ter muito trabalho pela frente! Ler muito, tentar descobrir uma nova ideia, ou porque é que uma certa teoria não serve, ou porque é que teorias tidas por inconsistentes afinal não o são. Mas é muito difícil fazê-lo, pois, por um lado, não temos dados empíricos (temos unicamente algumas intuições, que podem sempre ser disputadas), e por outro, há muita gente a trabalhar na comunidade internacional e é difícil, com as condições que temos, competir com eles.

O que a levou à filosofia?
O gosto pelos problemas na sua formulação mais abstracta e uma professora do ensino secundário, por quem tenho ainda hoje grande estima: Adelaide Galvão Teles.

Gosta de ensinar filosofia? Porquê?
Muito. Gosto de sentir que os alunos se interessam por questões importantes, gosto de observar o seu desenvolvimento e há sempre aqueles alunos que compensam o trabalho de preparar uma aula. Sempre que é possível, confronto as minhas próprias ideias com os alunos na aula (nas últimas aulas da disciplina, após eles já terem algum controle dos problemas em discussão).

Será que é possível haver uma colaboração mais estreita, no que diz respeito ao ensino da filosofia, entre os professores do ensino superior e do ensino secundário?
Julgo que sim. Ela ocorrerá sempre que houver vontade para isso. Julgo que todos temos a ganhar.

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