sábado, 17 de julho de 2010

O que eu penso sobre o valor da arte...


... está neste meu livro acabado de publicar pela editora do Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa. Trata-se de um livro um pouco avançado para ser lido por alunos do secundário. Tem, contudo, algumas secções bastante acessíveis, que podem ser lidas por qualquer pessoa com genuínos interesses filosóficos, mesmo sem formação especializada na área. Críticas são sempre bem vindas.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Ética da clonagem

                                   Imagem do filme Gattaca, de Andrew Niccol

A discussão filosófica exige algum cuidado e subtileza, não dispensando frequentemente o recurso a informação empírica fidedigna e relevante. Verifico que a tendência para esquecer isso é particularmente notória em casos como a discussão sobre a moralidade da clonagem humana reprodutiva. Neste caso, a argumentação cuidada é tantas vezes substituída por cenários fantasiosos, que mais parecem inspirados nos filmes de Hollywood. Eis algumas dessas fantasias e ideias apressadas, que não têm qualquer sustentação na mais rigorosa informação disponível:

1. Se a clonagem humana reprodutiva for permitida, as pessoas passarão a ser quase todas iguais.

Mas por que razão iriam ser quase todas iguais? A não ser que só fosse permitido fazer clones de umas quantas matrizes seleccionadas, isso não faz qualquer sentido. Clones de pessoas diferentes são também diferentes.

2. Os clones não têm identidade própria.

Pensar que os clones não têm identidade própria é pensar que a personalidade de uma pessoa e aquilo que ela realmente é depende exclusivamente dos seus genes. Mas sabe-se que isto é pura e simplesmente falso. Há também quem diga que pessoas que partilham o mesmo ADN têm maior propensão para sofrer crises de identidade. Mas em que estudos sérios se baseia tal afirmação?

3. A clonagem põe em causa os processos naturais de reprodução.

Falso. A prática da clonagem não implica o fim da reprodução natural. Basta pensar que as pessoas que se opõem à clonagem com este mesmo argumento nunca iriam deixar de ter filhos recorrendo a processos de reprodução natural. As pessoas são diferentes e, por isso mesmo, querem coisas diferentes.

4. A clonagem não é um processo de reprodução natural.

Sim, e depois? Qual é exactamente o problema? Grande parte da medicina também não é natural e não tomamos isso como um mal. Bem pelo contrário. Usar lentes de contacto, pintar o cabelo e andar de avião também não são coisas naturais, mas ninguém acha isso moralmente inaceitável.

5. Os clones seriam o resultado de desejos egoístas dos seus progenitores.

Mas porquê? De resto, quantas vezes os pais não educam os seus filhos naturais em função dos seus desejos e não tanto dos próprios filhos?

E já nem sequer vale a pena falar na completa fantasia dos clones todos de olhos azuis e fartos cabelos louros, como se todas as pessoas gostassem do mesmo.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Será a clonagem humana uma prática eticamente aceitável?


Este é o titulo de um ensaio filosófico de David Nunes, aluno do 11º C de 2008. Não tive oportunidade de lhe pedir autorização para publicar aqui o seu ensaio, mas não levantou qualquer problema quando, na altura da sua discussão, referi tal possibilidade. Eis, pois, a resposta do David:

Em primeiro lugar, é preciso compreender o que é a clonagem. A clonagem é um processo que alguns seres vivos utilizam para a sua reprodução, a reprodução assexuada. É um processo em que o material genético dos descendentes é exactamente igual ao do progenitor. Daí que a reprodução assexuada seja considerada um processo de clonagem. No caso dos seres humanos, a reprodução natural é realizada por um processo designado de reprodução sexuada, em que há a combinação do material genético de ambos os progenitores, e por isso não é um processo de clonagem.
Existem dois tipos de clonagem humana, a clonagem terapêutica, e a clonagem para fins reprodutivos. Na clonagem para fins terapêuticos são utilizados excertos de células que, por mitose, multiplicam o número de células iniciais, podendo assim ser utilizados para salvar a vida do paciente. A clonagem reprodutiva é um processo em que é utilizado o núcleo de uma célula, e este é transferido para um zigoto, em que por uma descarga eléctrica é unido o núcleo ao ovo e, se for bem-sucedido, este começará a dividir-se, levando à formação de um ser humano que é um clone do indivíduo dador da célula de onde proveio o material genético contido no núcleo. A clonagem terapêutica é pouco contestada, pois a sua utilização apenas visa melhorar a qualidade de vida de certos indivíduos que, por alguma razão médica, necessitam de recorrer a este método.
Apesar de a clonagem com fins reprodutivos ser muito contestada, defendo que não há nada de moralmente errado nisso. Assim, penso que não preciso de argumentar a favor da clonagem, bastando-me mostrar que os argumentos contra essa prática não são bons.
Um dos mais comuns argumentos dos opositores da clonagem humana é o chamado «argumento da identidade», de acordo com o qual é errado clonar seres humanos porque este processo, ao reproduzir num indivíduo (o clone) o mesmo material genético de outro indivíduo (a matriz), está a privar aquele indivíduo (o clone) de uma identidade própria.
Outro argumento contra a clonagem humana é que há o perigo da instrumentalização porque os clones poderão ser criados como meios para atingir os nossos fins: se a clonagem se vulgarizar, os clones serão utilizados para ultrapassar frustrações e fracassos que algumas pessoas tiveram durante a vida. Visto que os clones são indivíduos geneticamente iguais, algumas pessoas poderiam pensar que a clonagem seria como uma segunda oportunidade na vida. Isto acontecerá com alguns pais, que já nos dias de hoje querem que os seus filhos sejam o que eles não conseguiram ser. Com os filhos a serem clones dos pais, este efeito iria acentuar-se, pelo que os clones também poderiam ser utilizados para substituir pessoas que morreram, tomando o clone o lugar dessa pessoa.
Há o argumento do perigo da eugenia, a qual consiste no aperfeiçoamento ou eliminação de características físicas e mentais dos indivíduos. Existem dois tipos de eugenia, a eugenia negativa em que é feita uma selecção de características negativas, como malformações do feto ou doenças hereditárias, e há a eugenia positiva, em que são seleccionadas características que sejam desejadas para o indivíduo, tais como a cor dos olhos, a cor do cabelo, etc. Isto significa que se pode pré-determinar características que se pretende que a pessoa venha a ter, correndo-se o risco de dar origem apenas a indivíduos com certas características.
Há ainda o argumento do apelo à natureza, cujos defensores alegam não ser a clonagem humana um processo natural. Dado que a clonagem não requer a junção de um espermatozóide e de um óvulo, ela vai contra o funcionamento da natureza, sendo, por isso, moralmente errado recorrer a ela.
Creio, contudo, que todos estes argumentos falham. Em resposta ao argumento da identidade, basta notar que identidade de uma pessoa não depende apenas dos seus genes; depende também das suas experiências, do meio em que o indivíduo vive e da sua educação, entre outros aspectos. O ADN dos gémeos monozigóticos é exactamente o mesmo, mas isso não implica que ambos pensem ou reajam da mesma maneira aos mesmos estímulos, mesmo tendo vivências semelhantes.
Em resposta ao segundo argumento – os clones poderiam ser utilizados como instrumentos ao serviço de certos fins –, é preciso sublinhar que isso só iria acontecer se admitíssemos que a personalidade do clone, a sua vontade, etc., estariam completamente determinados pelos seus genes, o que já se viu ser falso. Por exemplo, o clone criado para substituir uma pessoa que faleceu não seria exactamente a pessoa que faleceu: os seus estados psicológicos não seriam os mesmos, pois este não teve as mesmas vivências que o falecido teve e, portanto, seria outra pessoa diferente.
Em resposta ao argumento da eugenia, se escolhermos através da manipulação genética algumas características que se quer que o indivíduo venha a ter para ser quase perfeito, então este não conteria genes apenas de um só dador. Mas para que um indivíduo seja um clone tem que ter os seus genes iguais ao de uma só matriz. Ora, no caso da eugenia o indivíduo teria um conjunto de genes de vários dadores, ou seja, um conjunto genético que mais ninguém possui. Logo, como não tem o mesmo conjunto genético de um dador, não é um clone.
Em conclusão, não havendo bons argumentos contra a clonagem reprodutiva humana, também não faz sentido afirmar que ela é moralmente inaceitável.

domingo, 25 de abril de 2010

Liberdade e justiça


Comemoram-se hoje em Portugal 36 anos da revolução de 25 de Abril. Independentemente das razões que levaram os militares a rebelar-se contra o poder político instituído, os portugueses aderiram imediatamente à revolução, esperando que ela lhes trouxesse uma sociedade melhor.

Não pretendo discutir se isso foi conseguido ou não, pois é facilmente argumentável que uma sociedade democrática, como a que se seguiu à revolução, é sempre melhor do que qualquer ditadura. Todavia, muitas pessoas que naturalmente se entusiasmaram com a revolução de Abril parecem agora concluir melancolicamente: tanta coisa para tão pouco! Como se explica isso?

A verdade é que não queremos apenas viver numa sociedade melhor; desejamos, além disso, viver numa sociedade justa. Ora, muitas pessoas viam o 25 de Abril como uma promessa de uma sociedade justa. Mas acontece que nenhuma revolução permite garantir a existência de uma sociedade justa. O melhor que uma revolução pode fazer é estabelecer as condições necessárias, mas não suficientes, para uma sociedade justa.

Foi isso que aconteceu com a revolução do 25 de Abril: criou em Portugal algumas das condições necessárias para uma sociedade justa, a mais importante das quais é a liberdade, permitindo que todos os cidadãos beneficiem das mesmas liberdades básicas. Sem isto não pode haver uma sociedade justa. Mas isto não é suficiente para haver justiça social. O que falta não depende de qualquer revolução, pelo que foi algo ingénuo esperar que o 25 de Abril nos garantisse automaticamente justiça social.

A palavra que melhor descreve a revolução do 25 de Abril de 1974 em Portugal é, pois, «Liberdade». O que não é pouco.

sábado, 17 de abril de 2010

Filosofia e história das ciências da natureza


Escrevi
este texto para os alunos do 11º ano lerem antes mesmo de começarmos a discutir alguns dos problemas de filosofia da ciência.

Para os orientar na leitura do texto, deixo seguidamente um conjunto de perguntas às quais devem tentar responder. Espera-se por respostas curtas e directas.


1.     Tanto os mitos como a ciência respondem, por vezes, às mesmas perguntas. O que diferencia as respostas científicas das míticas ou religiosas?
2.     Há um aspecto ao qual pela primeira vez Tales de Mileto dá importância e sem o qual a ciência não se teria desenvolvido. Qual é?
3.     Porque é que para alguns filósofos gregos, como Platão, o mundo natural não poderia ser objecto de conhecimento?
4.     Porque é que se diz que Aristóteles deu um passo importante na direcção da ciência tal como a conhecemos?
5.     Em que consistia a ciência para os filósofos cristãos medievais?
6.     Copérnico apresentou uma teoria completamente revolucionária. Quem nome tem e em que consiste?
7.     Qual foi o grande contributo que Bacon deu para a origem da ciência moderna?
8.     Para Bacon a ciência deveria ser activa e operativa. O que quer isso dizer?
9.     Há 3 tipos de razões que fazem de Galileu o pai da ciência moderna. Quais são?
10.  Uma das consequências da ciência moderna é a concepção mecanicista da natureza. O que é o mecanicismo?
11.  O mecanicismo é uma forma de reducionismo. O que é o reducionismo?
12.  A física newtoniana parece não deixar dúvidas sobre o que é e como se faz ciência. Mas Hume chama a atenção para outro problema. Que problema é esse?
13.  O raciocínio de tipo indutivo está na origem de muitas das verdades científicas. Segundo Hume isso é fatal para a própria ciência. Porquê?
14.  O que é o positivismo?
15.  O que é o cientismo?
16.  O que é o fisicalismo?
17.  De todos os nomes que o texto refere, quais pareceram ser os 3 mais importantes para a história e desenvolvimento da ciência?
18.  E para a filosofia da ciência?
19.  Poderá o tipo de explicação fornecido pelas ciências sociais ser idêntico ao das ciências da natureza
20.  O que foi mais difícil de compreender no texto?

domingo, 28 de março de 2010

O que é a ética?



Eis o início, bem humorado, de uma boa resposta:

Separar o que é bom do que é mau é aquilo de que se ocupa a ética. É igualmente o que mantém padres, especialistas e pais ocupados. Infelizmente, o que mantém as crianças e os filósofos ocupados é perguntar aos padres, especialistas e pais: Porquê?

De Thomas Cathcart e Daniel Klein, Platão e um Ornitorrinco Entram num Bar (Dom Quixote)

terça-feira, 23 de março de 2010

Falácias do optimista e do pessimista


Eis uma maneira de raciocinar falaciosa, típica do optimista:

Se P, então Q.
Mas Q é uma chatice.
Logo, não P.

Eis uma maneira de raciocinar falaciosa, típica do pessimista:


Se P, então Q.
Mas Q é muito bom.
Logo, não P.


No fundo, tanto o optimista como o pessimista acabam por ser preguiçosos.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

A moral incomoda. Porquê fazer o que nos incomoda?


Dizem-nos tantas vezes que não se deve fazer o que nos está mesmo a apetecer fazer; que é errado fazer o que nos dava mesmo jeito fazer; que temos a obrigação de fazer o que não nos convém mesmo nada fazer. Mas porquê? 

Por que não havemos de fazer simplesmente o que nos apetece ou o que mais nos interessa, independentemente de isso ser correcto ou não? Não é verdade que a moral nos atrapalha tantas vezes e que parece ir contra os nossos interesses pessoais? Sendo assim, por que havemos de ser morais? Por que não proceder como Jean-Baptiste Grenouille, a personagem principal do filme (e do livro) O Perfume, e simplesmente esquecer a moral? Algum dos leitores tem alguma ideia?

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Objectivismo moral


Ana - Matar animais para os comer é moralmente errado. Não concordas Rui?
Rui - Não. Pelo contrário, matar animais para os comer nada tem de errado. E tu, Carla, concordas comigo ou concordas antes com a Ana?
Carla - Humm, para ser sincera, não sei bem. Estou algo confusa e não sei o que pensar sobre isso.

Tendo em conta que o objectivismo moral defende que o certo e o errado não dependem das opiniões de cada pessoa, será que tanto a Ana como o Rui e a Carla podem ser todos objectivistas?

Podemos realmente saber/conhecer alguma coisa?


Quão grande é realmente a diferença entre saber algo ou pensar que se sabe algo?

Pegando no exemplo discutido na última aula:

Um homem apaixonado por ténis e muito rico viaja para ver um jogo fenomenal entre duas estrelas, que já tinham jogado entre si no ano anterior. Chega ao campo em cima da hora, não arranja bilhetes e como o jogo já começou vai para o hotel vê-lo na televisão. Depois, no pub, um amigo diz-lhe que o jogo foi adiado por umas horas por causa da chuva e que em vez de passarem o jogo desse ano passaram o do ano passado e que, por acaso, o resultado final foi igual.

Portanto, ele tinha a crença de que o seu jogador favorito tinha ganho, a crença era justificada porque o tinha visto na tv e por acaso era verdadeira... Mas será que isso faz com que ele soubesse que o seu jogador preferido tinha ganho? Na minha opinião não, porque a sua justificação não era aceitável, apesar de pensar que o era. Ele não sabia... Ele pensava que sabia.

É como as cores, por exemplo... quando olhamos para uma parede branca pensamos o óbvio: ela é branca. Porém analisemos: as cores que nós vemos são as que são reflectidas para os nossos olhos, mas, se são reflectidas, então o objecto em questão não as tem...assim sendo, as verdadeiras cores de um objecto são as que ele tem, ou seja, as que ele absorve. se vemos a parede branca é porque ela reflecte o branco, ou seja, reflecte todas as cores. Se reflecte todas as cores, não possui nenhuma, logo, a parede é preta.

Nós tinhamos a crença de que a parede era branca, e a crença era justificada: nós viamos com os nossos proprios olhos! Mas será que a justificação é boa? Ou so parece que é boa? E se não for, como podemos saber quando uma justificação é ou não é realmente boa? Como podemos realmente saber alguma coisa?