Apesar da crise, não têm faltado novidades filosóficas nas livrarias, algumas das quais vale a pena destacar.
Começo pelo mais recente de todos: O Que o Dinheiro não Pode Comprar, de Michael Sandel (Editorial Presença). Sandel é um dos filósofos mais influentes na área da filosofia política da actualidade e praticamente dispensa apresentações. Desta vez procura traçar os limites morais dos mercados, como diz o subtítulo do livro, mostrando por que razão muitas das coisas que já transacionamos não devem ser transacionadas: por exemplo, pagar aos jovens para lerem livros ou a pessoas para nos guardarem lugar nas filas para as consultas. Sandel é muito claro e persuasivo, e mesmo quem não concordar com ele terá muito a ganhar em conhecer as suas ideias. A leitura é simplesmente irresistível. Descobri que há também uma tradução brasileira com o subtilmente enganador título O Que os Mercados não Compram.
No início deste ano foi também publicado mais um volume da tradução das obras completas de Aristóteles, coordenada por António Pedro Mesquita, professor de filosofia antiga da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Desta vez trata-se de Fragmentos dos Diálogos e Obras Exortativas (Imprensa Nacional - Casa da Moeda).
Penso que estes textos aristotélicos (ou que têm sido atribuídos a Aristóteles) têm pela primeira vez uma cuidada tradução portuguesa. Alguns fragmentos dos textos exortativos de Aristóteles têm sido abundantemente citados, como é o caso do Protréptico, cujo argumento a favor do estudo da filosofia ficou célebre. Para se ter uma ideia deste texto e da sua importância, veja-se, por exemplo, este texto da autoria do meu colega e amigo Alexandre Guerra. Uma nota para a excelente capa do livro: de uma simplicidade clássica e elegante, como Aristóteles merece (muito melhor do que as capas dos primeiros volumes da colecção)
Também neste ano foi publicado mais um livro do filósofo inglês Simon Blackburn: Vaidade e Ganância no Século XXI: Os Usos e Abusos do Amo-Próprio (Temas & Debates).
Em princípio estou sempre disposto a comprar e a ler qualquer livro de Blackburn. Mas tenho de confessar que, após muita hesitação enquanto espreitava na livraria a tradução portuguesa, acabei por não o comprar. Simplesmente não consegui comprar um livro com um título tão disparatado como aquele, que é, de resto, bem diferente do original: Mirror, Mirror: The Uses and Abuses of Self-Love. Mas que ideia foi aquela de assassinar o título original? Ainda por cima a referência ao século XXI é totalmente ridícula. Será que a ideia era encontrar um título supostamente mais comercial? Sinceramente, não se compreende. Até porque a tradução literal do título original está mais de acordo não só com o conteúdo como com a própria capa: espelho meu! Mas a minha hesitação terminou mesmo ao ler as primeiras páginas. da tradução. Resultado: estou agora a ler o original. É pena.
Outro livro que me tem despertado a atenção, mas que já tem mais tempo, pois foi publicado no ano passado, é John McDowell: Uma Análise a Partir da Filosofia Moral (Colibri), de Sofia Miguens e Susana Cadilha, ambas investigadoras do Instituto de Filosofia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (onde a primeira é também professora de filosofia contemporânea).
Este livro, que ainda não li, desperta-me a atenção por duas razões principais. A primeira é porque o sul africano McDowell é um dos mais destacados filósofos da actualidade, trabalhando sobretudo nas áreas da filosofia da mente e da linguagem, e acerca do qual não conheço muito. A segunda é porque o livro apresenta-nos McDowell a partir da sua teoria moral. Apesar de as ideias de McDowell na área da meta-ética serem reconhecidamente influentes, a sua teoria moral não parece ser a parte mais substancial da sua obra. Daí também a curiosidade.
Deixo para o fim um livro que ainda não foi publicado, mas está para breve: Por Amor à Sabedoria, de João Carlos Silva (Chiado Editora).
João Carlos Silva é um colega professor de Filosofia na ES Jorge Peixinho, que ousa pensar filosoficamente por si próprio, mas sempre de forma cuidadosa e filosoficamente informada. É sempre muito agradável e estimulante ver outros professores de filosofia do ensino secundário meter a cabeça de fora e entregar-se à reflexão filosófica, dando aos outros a oportunidade de discutir as suas próprias ideias. João Carlos Silva tem já outros livros publicados que atestam que se está perante alguém que arrisca entrar na discussão das ideias filosóficas sem complexos, mas com tino.
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