quarta-feira, 7 de março de 2012

Moral, para que te quero?

Foto: Aires Almeida

Por que razão havemos de ser morais, se isso parece ser muitas vezes desvantajoso para nós próprios? Não é verdade que, por vezes, seria vantajoso para nós não cumprirmos as nossas promessas? Não seria muitas vezes vantajoso para nós mentir ou até roubar?

Algumas pessoas respondem que, ao contrário do que parece, nunca é vantajoso para nós roubar, mentir ou deixar de cumprir as nossas promessas. Bem vistas as coisas, dizem, nunca podemos estar seguros de que os outros não venham a descobrir isso, pelo que isso acabará, mais tarde ou mais cedo, por se voltar contra nós próprios: sermos presos, não sermos levados a sério pelas outras pessoas ou elas deixarem de se relacionar connosco.

E se tivéssemos a certeza absoluta de que as pessoas nunca iriam descobrir que roubávamos, que mentíamos e que não cumpríamos as nossas promessas? E se tivéssemos, como refere o filósofo Platão, uma espécie de anel mágico -- o anel de Giges -- que quando é colocado no dedo torna as nossas acções indetectáveis pelos outros? Poderíamos, então, fazer tudo o que fosse mais vantajoso para nós, desde roubar, mentir ou não cumprir as promessas feitas sem qualquer receio de virmos a ser descobertos. Será que, nesse caso, não teríamos qualquer razão para não roubar, não mentir e não faltar à nossa palavra? 

Fiz esta pergunta aos alunos do 10º ano numa aula. E, ao contrário do que alguns possam esperar, as respostas não foram todas no mesmo sentido -- o que não é novidade. Houve mesmo quem afirmasse seriamente que, caso tivesse a certeza absoluta que não seria apanhado, não via qualquer razão que o impedisse de roubar, de mentir e de faltar à sua palavra. A ideia é que não há qualquer razão para sermos morais, a não ser o receio de os outros levarem isso a mal e de, assim, nos complicarem a vida.

Procurando certificar-me melhor da posição do aluno, perguntei: 
— Serias capaz de roubar algumas das pessoas que estão aqui, caso tivesses a certeza absoluta que não serias apanhado?
— Na boa! -- esclareceu o aluno.
— Sem qualquer problema?
— Problema porquê, professor? Aprendi que não é vergonha roubar; vergonha é roubar e ser apanhado.
Terá o aluno razão? Se não tiver, como se lhe pode responder?

A minha resposta fica para outra postagem. Adianto apenas que a última afirmação do aluno é verdadeira, mas não tem razão. Estranho? E qual é a vossa opinião?


13 comentários:

  1. É por isso que distingo - a jeito de pretexto introdutório à matéria - "moral", como a ação que praticamos quando sabemos que estamos a ser observados, de "caráter", como a ação que praticamos mesmo sabendo que ninguém nos observa.
    Aliás, a questão reveste-se de uma enorme complexidade (que nem sequer irei gizar agora), mas, para simplificar, direi que não havendo qualquer razão para agirmos moralmente, existirão sempre motivos mais do que suficientes, e necessários, para o fazermos eticamente.

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  2. Caro Luís, qual é a diferença, que me parece estar aqui a assumir, entre moral e ética?

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  3. Outra coisa, Luís: afirma que tanto a moral como o carácter são acções. Mas a moral não será antes o conjunto de princípios que determinam se a acção é correcta ou não? A noção de moral que está aqui a defender parece-me um tanto exótica, filosoficamente. Quer explicar melhor?

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  4. Aires parece ser a introdução ao utilitarismo, não? Até que ponto roubar, ocultando o ato (mentir a si próprio?)pode trazer ganhos? E para quem são esses ganhos?

    Não?

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  5. Bom, vem ainda antes disso: trata-se de ver por que razão havemos de ser morais, seja a nossa concepção moral utilitarista, deontologista ou outra qualquer.

    Não vejo por que dizes que roubar, ocultando o acto, significa mentir a si próprio. Trata-se de ocultar o acto dos outros, não de mentir a si próprio. Que pode trazer ganhos, parece-me óbvio: por exemplo, ocultar o roubo que se fez traz o ganho óbvio de não ir parar à prisão e o resultado do roubo traz o ganho óbvio de a pessoa adquirir aquilo que deseja, que é o objecto do roubo.

    Se isso é boa ideia é outra discussão. Mas não parece correcto nem metodologicamente adequado começar por discutir a questão (por que havemos de ser morais) pressupondo que é óbvio que devemos sê-lo.

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    1. Aires a questão dos ganhos és tu próprio que colocas....assim como o pressuposto de que é óbvio que devemos ser morais, parece-me evidente na tua pergunta:
      -- Serias capaz de roubar algumas das pessoas que estão aqui, caso tivesses a certeza absoluta que não serias apanhado?

      No roubar não está o ganho? E a própria questão não pressupõe a moralidade do ato?

      Parece-me... não?

      Mas estou a ficar curioso com o que terás dito....

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  6. Ismael, não consigo entender de que forma eu pressuponho a moralidade do acto com a minha pergunta. Mas talvez seja eu quem está um bocado perdido, pois receio bem não ter entendido bem a tua ideia.

    Perguntaste antes até que ponto roubar (tendo a certeza de que não se é apanhado) pode trazer ganhos e a minha resposta foi precisamente a de que no roubar está o ganho, como tu próprio agora pareces confirmar. Sendo assim...

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    1. Pois eu também receio não ter entendido a tua questão então.
      É moralmente mau roubar sem ser apanhado?

      Se pensarmos se gostávamos de ser roubados sem nunca saber o autor, parece-me que o aluno responderia que não. Assim seria entendido como uma vantagem roubar sem ser apanhado?

      É para isso que precisamos da moral?

      É por aqui que vai a tua resposta?

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  7. Ismael, acho que estás a distorcer as minhas perguntas.

    A pergunta básica é: por que razão havemos de ser morais? Isto pode ser esclarecido com outras perguntas, como por exemplo: por que não havemos de nos estar nas tintas para a moral? Ou, dito ainda de outro modo: por que razão havemos de nos incomodar a fazer o que é correcto e a não fazer o que é incorrecto? Sim, isto pressupõe que haverá o correcto e o incorrecto, mas a discussão é se há boas justificações para ligar a essa distinção.

    Ora, uma resposta possível (e até muito frequente) a perguntas como estas é: se não ligar a isso, as pessoas descobrem e acabo por ser prejudicado (elas acabarão por se zangar comigo e tratar-me como não gostaria de ser tratado). Assim, é boa ideia ser moral (por exemplo: não roubar, não mentir, cumprir as minhas promessas, etc.) para não sair prejudicado. Note-se que a pergunta não sobre o que é ser moral, mas sobre as razões que há para o ser.

    Perante a resposta anterior, uma pergunta se impõe: mas se soubesses que as pessoas nunca iriam descobrir que não estavas a ser moral (não descobrissem que roubavas, mentias e não cumprias as tuas promessas), irias roubar, mentir, etc.?

    Para quê esta pergunta? Bom, para ver se o receio de ser prejudicado (apanhado e preso, por exemplo) será a verdadeira razão para não roubar, etc. (ou seja, para ser moral).

    Pá, é isto que está em causa. Será que agora consegui ser mais claro?

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    1. Grande trabalheira que parece que te estou a dar. Eu percebi o que pretendes com o exemplo. Ainda não percebi porque ainda não disses-te é qual é a resposta que deste ao aluno.

      Ao teu exemplo na minha aula hoje os alunos responderam todos que não fariam porque na sociedade em que vivem foram ensinados a não roubar. O que fica por esclarecer é se esta razão (como o receio de ser apanhado) é uma boa razão para ser moral.

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    2. Ah, agora estou a ver! Estavas a tentar adivinhar a minha resposta e eu não percebi :-(

      Bom, a resposta que dei vai noutro post. Mas não estejas à espera de uma resposta que acabe com as dúvidas. Isso não existe, em filosofia. Desculpa lá a minha desatenção.

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  8. Eu discordo com o meu colega pois se todas as pessoas tivessem o anel e roubassem, não haveria confiança entre elas.
    Mas cada pessoa pensa e vê as coisas de forma diferente.
    Roubar é acto errado ou impermissível; e cada qual tem a sua própria consciência.
    É imoral esse acto pois não está correcto roubar do ponto de vista moral, mas cada um tem a sua liberdade moral.
    Beijinhos Filipa... :)

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  9. Cada um tem a sua maneira de ver a realidade, pontos de vista diferentes. Roubar é um acto errado, pelo que pode trazer consequências erradas, então e se for feito por uma boa causa? Não falo em questões de confiança, pois se houvesse esse anel, as pessoas continuariam a ter confiança pois desconheciam os actos. Talvez algo nos pesasse na consciência se fosse um acto sem qualquer motivo, roubar porque sim, ou mentir ou simplesmente não cumprir as promessas? A verdade é que o anel não existe, nem a verdade "mais tarde ou mais cedo" aparece. As pessoas podem mentir para uma boa causa mesmo que isso traga consequências para ela própria, o que na maioria das vezes, dizer a verdade traz consequências para a pessoa e os que rodeiam.
    No meu ponto de vista, nenhum acto que não seja para uma boa causa deveria de ter consequências, mas se um acto de roubo sem ou com bons motivos é condenado a prisão, então roubo é roubo, independentemente do que levou as pessoas a fazê-lo.

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