quarta-feira, 22 de junho de 2016

Igualdade económica e alienação

O mais recente livro de Harry Frankfurt, Sobre a Desigualdade, acabou de ser publicado entre nós, na colecção Filosofia Aberta - Política, da Gradiva. Um livro que, apesar de muito curto, dá muito que pensar. Aqui fica uma pequena amostra.
Como objecção ao igualitarismo económico argumenta-se muitas vezes que há um conflito perigoso entre igualdade e liberdade. O argumento apoia-se na suposição de que se as pessoas fossem deixadas livremente entregues a si próprias, uma tendência para as desigualdades de rendimento e de riqueza se iria inevitavelmente desenvolver. Desta suposição infere-se que uma distribuição igualitária do dinheiro só pode ser alcançada e mantida à custa da repressão de liberdades indispensáveis ao desenvolvimento dessa tendência indesejada.
Seja qual for o mérito deste argumento acerca da relação entre liberdade e igualdade, o igualitarismo económico gera outro conflito mais fundamental. Na medida em que as pessoas estão preocupadas com a igualdade económica, sob o pressuposto falso de que é um bem moralmente importante, a sua predisposição para se sentirem satisfeitas com um determinado nível de rendimento ou riqueza está longe de ser norteada pelos seus mais distintivos interesses e ambições pessoais. Em vez disso, é guiada apenas pela quantidade de dinheiro que os outros eventualmente tenham.
Nesse sentido, o igualitarismo económico dissuade as pessoas de calcularem as suas carências monetárias à luz das suas circunstâncias e necessidades pessoais. Em vez disso, encoraja-as a aspirarem, de forma enganadora, a um nível de riqueza medido por um cálculo em que – esquecendo a sua situação monetária relativa – as características específicas das suas próprias vidas não têm qualquer peso.
No entanto, certamente que o montante disponível para outras pessoas não tem directamente nada que ver com aquilo que é necessário para o tipo de vida que, o mais sensata e apropriadamente, uma pessoa procuraria para si mesma. Assim, as preocupações com o alegado valor inerente à igualdade económica tendem a afastar uma pessoa de tentar descobrir – a partir da experiência e das condições da sua própria vida – o que realmente a preocupa, o que verdadeiramente deseja ou precisa e o que a irá de facto satisfazer.
Ou seja, uma preocupação de uma pessoa com a condição dos outros interfere com a mais básica  função de que mais decisivamente depende a selecção inteligente de objectivos monetários para si mesma. Isso afasta a pessoa da compreensão que verdadeiramente ela própria necessita para satisfazer, de facto, as suas mais autênticas necessidades, interesses e ambições. Por outras palavras, dar uma importância desmesurada à igualdade económica é perigoso por ser alienante. Separa uma pessoa da sua própria realidade individual e leva-o a centrar a atenção em desejos e necessidades que não são tão autenticamente seus.
Harry Frankfurt no Daily Show com Jon Stewart

5 comentários:

  1. Boa noite!
    Antes de mais, queria dar-lhe os parabéns que tem feito à frente a coleção Filosofia Aberta, e bem assim na Crítica.
    Pretendia perguntar-lhe se a Gradiva pretende publicar mais alguma obra de Gerald A. Cohen. E se não, se é possível pensar nessa possibilidade. Tanto quanto auscultei, as obras do Cohen, nomeadamente:
    Self-Ownership, Freedom, and Equality;
    If You're an Egalitarian, How Come You're So Rich?
    Rescuing Justice and Equality
    On the Currency of Egalitarian Justice, and Other Essays in Political Philosophy
    Lectures on the History of Moral and Political Philosophy
    , teriam boa aceitação em Portugal.

    Da mesma forma que autores, de filosofia política, como Will Kymlicka, Michael Otsuka, Hiller Steiner, Peter Vallentyne Philippe van Parijs, Martha Nussbaum, Thomas Scanlon (moral), Thomas Poggue, Seyla Benhanbib, etc. seriam bem vendidos em Portugal se houvesse tradução e teriam com certeza muitos leitores.

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  2. Por fim, deixo um repto para a Crítica, que tanto se tem batido pata a divulgação da boa filosofia e por extensão combatido o charlatanismo do pós-modernismo (essa praga que hoje, mais do que nunca, invadiu alguns departamentos das universidades, nomeadamente os de estudos culturais (feminismo aqui incluído) e a critica literária). Qual seja, então, o de fazer uma crítica à obra do Gonçalo M. Tavares, seja ela a literária ou a ensaística. Em ambos encontramos motivos e pertinência para essa crítica, pois que, quer uma quer outra está impregnada de pós-modernismo. A influência de Deleuze e Foucault na sua obra é evidente. Haja visto, por exemplo os números: Diacrítica 25-3, ( http://ceh.ilch.uminho.pt/publicacoes/Diacritica_25-3.pdf ) Diacritica_28-2 (este último disponível aqui: http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0807-89672014000200015 ), cujos artigos assinalam a influência de ambos.
    A pertinência de uma crítica à obra de Gonçalo M. Tavares releva da ideia que surgiu entretanto de que Gonçalo M. Tavares é um filósofo e matemático, e que a sua obra é mais filosófica do que literária. Acresce ainda a esta ideia a de que ele é sobretudo um homem da lógica. Esta designação de lógico, estou em crer, resulta de uma crítica do New York Review (se não me falha a memória) em cujo artigo se dizia que Gonçalo procurava a lógica no absurdo. Que é de resto o que se encontra no primeiro artigo supra da Diacrítica: “ Os jogos lógicos, o non-sense …”. Esta ideia de procurar um sentido lógico no absurdo foi já explorada por, justamente, Deleuze, num livro chamado Lógica do Sentido, em cujo se explorava o non-sense do Lewis Carroll. Em suma, além de explorar ideias de filósofos pós-modernos (o que demonstra a sua falta de originalidade), seja nos livros seja ainda nos ensaios (veja-se por exemplo Atlas, Corpo e Imaginação, cuja obra é um chorreiro de citações de pós-modernas), é com efeito hoje muito considerado como filósofo, o que tem acarretado uma série de consequências para a luta que se tem travado na Crítica, porquanto se por um lado procura-se combater a má filosofia, por outro temos autores como o Gonçalo a disseminar o pós-modernismo e má filosofia à saciedade.
    Releva ainda do facto de que parece haver um corporativismo duplo em relação à sua obra: em primeiro, por parte dos seus colegas escritores, que por receio ou falta de coragem não são capazes de fazer uma crítica, mas também por conivência, pois que é útil ter um prefácio do Gonçalo M. Tavares nos seus (deles colegas escritores), dado o estatuto que granjeia; em segundo, por parte dos seus colegas professores da academia, que parecem ter receio de criticar por também ele ser professor. De modo que, resultou disto que em torno da obra do Gonçalo M. Tavares surgiu uma unanimidade que é tão questionável quanto a sua obra

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  3. Leia-se por exemplo neste blogue coisas como estas em que expõe o que acabo de dizer:
    “… não foi a caracterização poética da maldade, que M. Tavares incansavelmente pretende destruir com instrumentos teoricamente deduzidos da razão filosófica (há quem chame erradamente ao seu exercício um ramo da Lógica, o que só demonstra a indigência dos portugueses como cultura filosófica) “.
    Em : http://elogiodaderrota.blogspot.pt/2013/02/um-muro-contra-o-desespero-primo-levi.html

    “o que explica tanto a irrelevância filosófica de autores especializados em filosofia de bolso (P. Roth ou M. Tavares) “ http://elogiodaderrota.blogspot.pt/2016/02/em-defesa-de-pedro-chagas-freitas-e-sem.html
    Ou:

    “Os territórios da razão lógica e da especulação matemática onde Tavares julga arriscar um lugar de prestígio, estão muito para lá das capacidades do mesmo Tavares, e esta propriedade sobre um olho em terra de cegos, é uma coisa para a qual me falta saúde, paciência e dinheiro.”

    cumprimentos

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    1. Caro indigente (peço desculpa por o tratar assim mas apenas uso o nome com que se identificou), começo por agradecer as suas palavras relativamente à colecção Filosofia Aberta e também à revista Crítica, de que sou colaborador.

      Apesar de colaborador da Crítica, este bloque Questões Básicas é completamente pessoal e independente da Crítica. Em todo o caso, penso que pelos dados que apresenta sobre a obra de Gonçalo M. Tavares, que confesso não me ter até agora suscitado grande interesse, o próprio Indigente está em condições de escrever esse artigo crítico. E sugiro que o envie para a Crítica para publicação. Se for devidamente fundamentado, esclarecedor e informativo, certamente que o artigo será publicado.

      Eu, por exemplo, não estou em condições de escrever tal artigo pelas razões que apontei. Fui há anos a uma palestra de Gonçalo M. Tavares e não fiquei até ao fim porque achei completamente desinteressante, com muitos lugares-comuns apresentados como verdadeiras descobertas. Lembro-me, por exemplo, de o ouvir dizer que já não era possível filosofar depois de Auschwitz. Percebi que estava a perder tempo e saí.

      Agradeço também as sugestões para a Filosofia Aberta. Como imagina, não consigo publicar todos os livros que quero. Mas talvez este livro de Cohen abra as portas para outros, pois é um autor que merece ser melhor conhecido e lido entre nós.

      Cumprimentos

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  4. Obrigado pela resposta, Aires.
    Com efeito, tenho pensado em escrever algo sobre ele, mas uma certa vergonha de ver publicado algo meu tem-me retraído. Irei, contudo, pensar no assunto.
    A respeito do Cohen, de facto era interessante ver publicada pelo menos a obra dele dedica à questão da justiça, que é interessante e servia até de confronto à do Rawls, bastante divulgado em Portugal. Mesmo a outra em que ele refuta os argumentos do Nozick é bastante interessante e contém argumentos poderosos.
    Além das de filosofia política que mencionei, poder-se-ia acrescentar uma obra já publicada há bastantes anos do Charles Beitz, Political Theory and International Relations, bastante interessante e que continua muito actual – aliás, mais do que nunca, creio (a despeito de Thomas Nagel ter escrito um artigo refutando a tese do Beitz, e bem assim a de Thomas Pogge).
    Mas noutras áreas é uma pena que obras como as do Derek Parfit ou David Chalmers, por exemplo, não tenham sequer uma tradução em Portugal.
    A respeito da obra do Gonçalo M. Tavares, muito me apraz saber que não sou só eu que penso o mesmo. Na verdade, há já teses de doutoramento sobre a obra dele ( https://dspace.uevora.pt/rdpc/bitstream/10174/18419/1/TESE_MGra%C3%A7aSantos.pdf ) outras em “andamento” ( Pedro Meneses Um valoroso lugar incerto – A cartografia humana em «Uma viagem à Índia» de Gonçalo M. Tavares. Projeto financiado com uma bolsa individual de doutoramento da FCT) ( http://ceh.ilch.uminho.pt/r_r.php) e com isto se vai criando a ideia de que estamos perante um autor de génio. Ainda por cima financiadas pela FCT. E na realidade basta saber duas coisas para se aperceber do logro: ter um pouco de cultura filosófica para perceber que no tocante a filosofia estamos perante um indivíduo que a não domina; e ter conhecimento do que é a crítica da teoria literária (a nível nacional e internacional – veja-se por exemplo o Dicionário de Filosofia de Cambridge, Robert Audi (org), o verbete “teoria literária” onde se diz que a mesma é um hoje um caos e não se sabe qual o seu futuro). Com efeito, a teoria literária portuguesa, à semelhança das demais, está impregnada de pós-modernismo (qualquer livro de introdução mostra-no-lo na bibliografia) e talvez por isso, ou justamente por isso, é que a obra do Gonçalo M. Tavares tem a aceitação que tem, na medida em que, sendo ele um escritor pós-moderno (nas ideias), a crítica acha tudo aquilo de uma genialidade sem igual (porque ela sofre do mesmo defeito).
    E assim vão a literatura e a academia portuguesas.
    Cumprimentos.

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