sábado, 12 de dezembro de 2009

As mesmas causas produzem sempre os mesmos efeitos?




Juíz - Outra vez por cá, senhor Abílio? Está a tornar-se um frequentador assíduo deste tribunal. Parece que voltou a agredir outra pessoa.
Abílio - Sim, é verdade. Não pude evitar. Que hei-de eu fazer?
Juíz - Não pôde evitar? Como assim? Olhe que há muita gente que nunca agrediu seja quem for. Portanto, não me venha dizer que não pôde evitar.
Abílio - Pois, mas até o senhor fazia o mesmo, se estivesse no meu lugar.
Juíz - Diga lá, então, o que aconteceu.
Abílio - Esmurrei uma pessoa que me insultou, dizendo que eu era um bufo, pelo que tive de defender a minha honra.
Juíz - Mas não era caso para a esmurrar. Há muitas pessoas que, no seu lugar, não o fariam. Eu nunca o faria, por exemplo.
Abílio - É porque não se consegue colocar mesmo no meu lugar.
Juíz - É claro que consigo. E nunca procederia assim.
Abílio - Não, não, colocar-se no meu lugar não é só passar por uma situação semelhante, mas também pensar como eu, ter tido a mesma educação que eu, a mesma cultura, as mesmas vivências e até as mesmas características genéticas que eu.
Juíz - Explique lá isso.
Abílio - É fácil, fui educado a reagir sempre que me insultam. Além disso, no mundo em que fui criado, «bufo» é a pior coisa que se pode chamar a uma pessoa. Nesse caso, temos de defender a nossa honra, caso contrário somos mal vistos e considerados cobardes pelos nossos amigos. A violência sempre fez parte da minha vida, de maneira que passei a encarar isso como algo normal e aceitável, até porque sou, por natureza, agressivo e nervoso. Herdei essa agressividade do meu pai e não tenho culpa disso. Portanto, pôr-se no meu lugar é pôr-se na minha cabeça, olhar para as coisas com os meus olhos e sentir as coisas como eu as sinto. Não tenho culpa de pensar como penso, de sentir como sinto e de ser como sou.
Juíz - Ora, ora, não me diga que não tinha opção!
Abílio - Dada a maneira como fui educado, o mundo a que pertenço, as experiências por que passei e a minha própria natureza, não podia ter feito outra coisa. Se o senhor doutor juíz fosse exactamente a mesma pessoa que eu, faria exactamente a mesma coisa.
Juíz - Salvo seja!
Abílio - Pois, lá está! Não consegue pôr-se exactamente no meu lugar. Nas mesmas circunstâncias, o efeito seria o mesmo. Portanto, dadas essas circunstâncias, não tive realmente opção.
Juíz - Não me venha com coisas! O senhor fez aquilo que quis fazer.
Abílio - Claro que fiz o que queria fazer. Mas a verdade é que algo que eu não controlo me levou a querer fazer isso.


O que nos diz o diálogo anterior sobre o determinismo radical? Será que não somos realmente livres?


4 comentários:

  1. "Não tenho culpa de pensar como penso, de sentir como sinto e de ser como sou." --- Eu sempre pensei nisso para "entender" por que as pessoas fazem determinadas coisas reprováveis, inclusive os crimes; acredito que as pessoas são o que a sociedade faz delas, mas a partir do momento que a pessoa tem a consciência do que é "moralmente correto" ela passa a ter, sim, escolha de ser/fazer diferente... suzanecoutinho@hotmail.com

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  2. Se assim fosse, niguém poderia ser culpado das coisas que faz.
    Lá porque o pai é agressivo, ou porque tenha tido essa educação, não quer dizer que tenha que agir como tal.
    Se assim fosse, todas as pessoas que têm algum problema em casa, com a família, por exemplo, poderia ser agressivo, e como consequêcia disso, viveriamos todos numa "selva", a atacarmos uns aos outros por tudo e por nada, e como violência gera a violência, imaginem como seria a vida.
    Nós somos livres, mesmo que tudo esteja a favor de algo, (como ter uma pai violento e ser também violento devido a educação que teve) podemos mudar essa realidade. E assim, podemos agir pela nossa cabeça, e não porque estava determinado que assim fosse.

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  3. Como Abílio argumenta, para se defender, ele não controlou a sua acção, esmurrou o sujeito pois foi educado a tal. Segundo o determinismo radical não existe livre-arbítrio e todos os acontecimentos estão determinados. Ora, se não existe livre-arbítrio, Abílio não é moralmente responsável pela sua acção mas dai não se segue que não deva ser castigado pelas suas acções. Isto implica intervir nas cadeias causais. Como por exemplo prender Abílio. Uma vez preso, isolado numa sela, sozinho, não poderá esmurrar ninguém.

    Luis Cardoso, 10ºJ

    ( Desculpe a demora até agora na colaboração no blog professor Aires, mas tenho andado bastante ocupado. Tendo teste amanha, vim aqui para procurar questões e discussões que me levassem a entender melhor a matéria estudada )

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  4. Obrigado pelo contributo, Luís.

    Sim, essa é uma resposta possível. Ainda que não sejamos moralmente responsáveis pelo que fazemos, como parece implicar o determinismo radical, não se segue que deixe de fazer sentido prender as pessoas que fazem coisas que consideramos más. Podemos prendê-los porque estamos determinados nesse sentido ou simplesmente porque causas anteriores nos levam a procurar protecção prendendo pessoas como o Abílio, de modo a que uma vez preso não volte a esmurrar outras pessoas na rua. Ou seja, prendê-lo não porque mereça castigo, mas sim porque somos levados a proteger-nos dele.

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