sexta-feira, 6 de setembro de 2024

Durante a guerra discute-se estética

Durante a guerra não se limpam espingardas, mas discute-se estética!

É precisamente isso que os soldados soviéticos fazem no famoso bunker do prédio 6/1 de Estalinegrado durante o longo cerco das tropas nazis e quando o som dos morteiros inimigos abranda. Na discussão entram em confronto as perspectivas revolucionária e pré-revolucionária. 

         Nos momentos de acalmia, os moradores do prédio discutiam, sem pressa e em pormenor, o aspeto físico da radiotelegrafista. Batrakov que, aparentemente, não era dessas coisas e ainda por cima era míope, mostrou estar ao corrente de todos os aspetos da beleza de Kátia.

         — Numa dama, o peito é, para mim, o essencial — disse ele.

         O artilheiro Koloméitsev insurgiu-se — como Zúbarev tinha dito sobre ele, e muito bem, preferia «chamar os bois pelos nomes».

         — Então, conversaram sobre o gato? — perguntou Zúbarev.

         — Evidentemente — respondeu Batrakov. 

         — Chega-se ao corpo da mãe através da alma do filho. Até o nosso velho disse uma palavrinha relativamente ao gato.

         O velho atirador de morteiro cuspiu e passou a mão pelo peito.

         — Onde é que ela tem, aqui, tudo o que compete a uma rapariga pelo regulamento? Onde, pergunto eu?

         Ficou especialmente irritado quando ouviu insinuações de que o próprio Grékov gostava da radiotelegrafista.

         — É claro, nas nossas condições até uma Katka como esta serve, quem não tem cão caça com gato. Pernas compridas como as do grou, traseiro, nicles. Olhos grandes como os de uma vaca. Que pedaço de rapariga é esta?

Tchentsov, objetando, disse:

          — Para ti há de ser peituda. É um ponto de vista ultrapassado, pré-revolucionário.

         Kolomeitsev, desbocado e amante das obscenidades, que reunia na sua volumosa cabeça grisalha inesperadas particularidades e características, dizia, rindo-se e semicerrando os turvos olhos cinzentos:

         — A rapariga é boa, mas eu, por exemplo, faço uma abordagem especial da coisa. Para mim, pequenas, arménias e judias, com grandes olhos, ágeis, rápidas, de cabelo curto.

         Zúbarev olhou pensativamente para o céu escuro, colorido pelos projetores, e perguntou baixinho:

         — É curioso, como é que vai acabar esta coisa?

         — A quem vai ela calhar? — perguntou Koloméitsev. — Ao Grékov, com certeza.

         — Não, não há certeza nenhuma — disse Zúbarev e, apanhando um bocado de tijolo do chão, arremessou-o com força contra a parede.

Os companheiros olharam para ele, para a sua barba, e riram às gargalhadas.

(p. 250)

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