sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Será legítimo fazer a guerra para alcançar a paz?

Miguel Granja, professor da ESMTG

Alguns alunos das minhas turmas do 11º ano manifestaram interesse em discutir um dos textos escritos por outro colega, professor de Filosofia, em resposta a uma questão filosófica que lhe foi colocada, no âmbito da comemoração do dia mundial da filosofia. A questão está formulada no título desta posta e a resposta do professor Miguel Granja está abaixo. Concordam? Porquê?


Hobbes Como Condição de Possibilidade de Kant. 

Entre a desonra e a guerra, escolhestes a
desonra e tereis a guerra
                            Winston CHURCHILL

      A dolorosa história da Segunda Guerra Mundial e, em particular, a nossa experiência com o nazismo deviam ter acabado já, de uma vez por todas, com a argumentação pacifista segundo a qual não há «guerras justas». Infelizmente o debate permanece vivo, cobrindo-nos de ridículo e de falência moral. Talvez devêssemos colocar a pergunta do avesso, alterando-a apenas ligeiramente: Será legítima uma paz falsa e injusta para evitar a guerra? A intemporal frase de Churchill que uso em epígrafe é, em si, todo um tratado de filosofia política e foi dirigida, como sabemos, ao pacifista Chamberlain acabadinho de alcançar o pacifista Acordo de Munique, em 1938, com Hitler. Como nos ensinou (e temo que tenha já deixado de nos ensinar) esse vergonhoso episódio pacifista, a paz desejada, infelizmente, não se realiza só porque a desejamos. A paz, tal como a guerra, faz-se. E é um erro pensar que a paz se alcança só porque não se faz a guerra, como se a paz fosse uma consequência natural e lógica do fim da guerra. Não raro, a paz a todo o custo tem um custo demasiado elevado. Custou parte da Checoslováquia, desde logo, aos checoslovacos em nome da nobre vontade de paz dos franceses e dos britânicos: e a vontade de paz de uns é a anexação e opressão dos outros. Portanto, quando a França e a Grã-Bretanha querem a paz com Hitler, quem sofre com isso são os checoslovacos. Em 1939, Hitler, desrespeitando o tratado, invade o resto da Checoslováquia.
     Isto devia ensinar-nos que estamos acostumados a pensar que o contrário da guerra é a paz e que essa é, porém, uma ideia errada. O contrário da guerra é, muitas vezes, a injustiça, a repressão, o genocídio, a cumplicidade, e só a guerra, e não a «paz», pode pôr-lhes cobro. O recurso à guerra teria sido desejável para acabar com o genocídio no Ruanda em 1994 e foi esse recurso à guerra, por parte da NATO, em 1999, que acabou com o genocídio em curso por parte de Milošević. Mas, para isso, foi preciso o hobbesiano Clinton fazer o trabalho sujo que a kantiana Europa não foi capaz de fazer, mesmo às suas portas. Em nome da paz, claro. Porque a guerra é sempre estúpida e injusta. 
     Convém talvez não esquecermos que a primeira «manifestação global»  do século XXI, com milhões de pessoas nas ruas de todo o mundo, não foi em 2001, por causa do 11 de Setembro: foi em 2003. Por causa da iminente guerra dos EUA no Iraque. Portanto, porque é preferível manter o povo iraquiano brutalmente oprimido por Saddam Hussein do que fazer a guerra. Como se aqui, mais uma vez, o contrário da guerra fosse a paz. Em 2003, regressámos, em rebanhada global, ao nosso Momento Checoslovaco de 1938. E não temos, parece-me, cessado de regressar a 1938. E é tão confortável ser Kant quando temos Hobbes a guardar-nos a porta de casa. E, no entanto, tão hipócrita. Porque há alturas em que só podemos permanecer kantianos com a ajuda de Hobbes. Eu pelo menos, não gosto de ser ingrato em relação àqueles bravos rapazes que, arriscando a sua vida lá longe, me guardam o sono todas as noites.
Miguel Granja 

16 comentários:

  1. Ora bem, não parece muito elegante ser eu próprio o primeiro a comentar o meu próprio texto e por isso não vou fazê-lo. Vou apenas pedir ao professor Aires que proceda, se fizer favor, a uma correcção: onde se lê «podem pôr-lhes cobro». Vá, concordância entre o singular e o plural é bonito. Ou melhor, é bonita. Hehehe

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  2. Tinha-me esquecido, mas já está corrigido, Miguel.

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  3. Boa tarde. O texto do Miguel suscita várias questões distintas. Há duas particularmente interessantes: 1) será legítimo fazer a guerra para alcançar a paz? e 2) o pacifismo é eticamente errado?. Guardo a primeira para mais tarde e abordarei a segunda agora.
    O Miguel afirma:
    "... a paz desejada, infelizmente, não se realiza só porque a desejamos. A paz, tal como a guerra, faz-se. E é um erro pensar que a paz se alcança só porque não se faz a guerra, como se a paz fosse uma consequência natural e lógica do fim da guerra."
    Concordo. É preciso distinguir o desejo de que haja paz daquilo que estamos dispostos a fazer para que isso aconteça. Penso que toda a gente prefere viver em paz. Mas nem todos pensam que, quando isso não acontece, é errado fazer a guerra para a obter, se essa for a única alternativa plausível. A questão é, portanto, avaliar a utilidade esperada do acto de fazer a guerra, mesmo que isso implique matar inocentes. Foi com isso que se confrontaram os Aliados na 2ª Grande Guerra, por exemplo. Do meu ponto de vista, é correcta a preocupação pacifista em questionar e evitar a guerra ao máximo. Mas é moralmente errada a posição de, em situações limite como a referida, manter a recusa de fazer a guerra. Há uma dimensão "heróica" na ética. Agir bem também é irmos aos limites da nossa capacidade de lutar pelo que está certo. E isso tem custos, como a maioria de nós já pôde constatar por si mesmo. Abdicar de agir ancorado no conforto de um desejo rotulado de princípio (a paz) pode ter o efeito tão devastador como a pior das guerra. E quem age assim sabendo que, como diz o Miguel, alguém lhes guarda o sono todas as noites, só pode estar a agir de má fé.

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  4. Atendendo ao pedido do professor Aires, venho desde já comentar o texto do professor Miguel Granja.

    Eu concordo com o ponto de vista do professor. Creio que nenhum custo é demasiado elevado quando o resultado é o melhor possível. Apesar de terem sido os Aliados a oficialmente declararem guerra ao Eixo,o intuito desta guerra não era quebrar uma paz frágil, mas evitar a tirania insana do nazismo. Foi necessário o sacrificio de milhares de bravos jovens para atingir o resultado pretendido, uma paz verdadeira e o fim da tirania.Por isso, combateu-se o fogo com o fogo.
    Para alcançar a paz, não importa se morre 1 ou 1 milhão, se países desaparecem ou se povos sofrem. O intuito é sempre a paz.
    Tambem concordo com o facto de que o pacifismo radical é uma hipocrisia.
    Aquando a guerra do Iraque, uma centena de protestos eclodiram por toda a parte, não por parte dos iraquianos, mas por parte de ocidentais ditos "pacifistas". Citando o professor Miguel, "E quem age assim sabendo que alguem lhes guarda o sono todas as noites, só pode estar a agir de má fé.
    Por isso fazer guerra para alcançar a paz não é só moralmente correcto, do meu ponto de vista, como imperativo.
    Um pequeno aparte. A meu ver, o próprio conceito de "pacifismo" é uma tolice. Para mim um pacifista não é mais do que um hipócita, pois toda a civilização humana está assente na guerra. A guerra é, a meu ver a única coisa realmente humana. Negá-la é negar quem somos.

    Se o professor Aires encontrar alguma lacuna ou falácia, por favor não hesite em me contactar.

    Nuno Ramos, nº 10 11º F

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  5. Nuno, as caixas de comentários são mesmo para nós discutirmos o que é publicado. Assim, insisto, em vez de se dirigirem a mim para comentar o teor do que é dito aqui, podem fazê-lo directamente neste espaço. Até porque assim podem discutir directamente com o autor.

    Quanto ao texto do meu colega Miguel Granja, acho que a parte final enfraquece a tese por ele defendida. O problema é basear-se em casos concretos que são tudo menos disputáveis, como sucede com o exemplo da intervenção no Iraque. Como já sugeri algures a propósito desta do texto do Miguel, podemos não ser pacifistas e ser contra a intervenção no Iraque. Creio que a melhor maneira de defender filosoficamente a ideia de guerra justa é recorrer a argumentos a priori. Além disso, valeria a pena esclarecer melhor o que queremos dizer com o termo «pacifismo», pois há diferentes maneiras de o entender.

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    1. Professor Aires tem um ponto de vista detrupado e que nada agrega a discussão.

      Passar bem.

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  6. Só mais três coisas, Nuno:

    1. matar 1 milhão de pessoas para garantir que um povo de meio milhão deixe de sofrer não me parece uma boa ideia. Que argumento pode sustentar tal coisa?

    2. Definir (ou, no mínimo, caracterizar) um pacifista como um hipócrita é falacioso. Trata-se da falácia da definição tendenciosa. Uma boa definição de pacifista seria aquela que o próprio pacifista aceitasse como correcta, o que não é o caso.

    3. Que razões há para dizer que a única coisa realmente humana é a guerra? Não será esta uma afirmação precipitada e exagerada?

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  7. Aires:

    A concordância do próprio será um bom critério? Uma boa definição de pedófilo ou de serial killer seria aquela que os próprios aceitassem?

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  8. Sim, Carlos. Uma boa definição de serial killer não deve conter qualquer termo valorativo. Assim, não vejo por que razão um serial killer não devia concordar.

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    1. A questão do serial Miller não tem relação com a tema de guerra e paz nobre professor, tendo em vista o real motivo do genocídio na antiga ioguslavia notamos que as vezes a guerra e necessária para se alcançar a paz.

      Mais uma vez seu comentário não agrega nada a discussão prof. aires.

      Talvez esteja na hora de rever seus conceitos.

      Fica em "pás" "estimoso" colega

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  9. 1) Começo, desde já, por discutir a afirmação do Nuno: «toda a civilização humana está assente na guerra. A guerra é, a meu ver a única coisa realmente humana. Negá-la é negar quem somos». Não me parece que a guerra seja mais «realmente humana» do que, por exemplo, pintar um quadro, compor uma sinfonia ou, neste caso, discutir filosofia. A «civilização humana» assenta em tanta coisa que a define, que esgotá-la a uma única actividade é amputá-la, justamente, de humanidade.
    2) Não vejo por que razão o exemplo da guerra do Iraque enfraquece a minha teoria, uma vez que, não a intervenção em si (longa discussão), mas a atitude pacifista perante a intervenção só parece demonstrar a vergonhosa repetição da atitude de 1938. Em 2003, não entraram os irquianos na equação pacifista, como em 1938 não entraram os checoslovacos. Foi essa congruência que visei mostrar com o exemplo. Concordo, pois, com a observação do Aires: «podemos não ser pacifistas e ser contra a intervenção no Iraque». Mas se não é em nome do pacifismo que se é contra a intervenção no Iraque, é em nome de quê? Uma resposta possível será, como é óbvio, antiamericanismo primário (ao nível das massas). Outra, talvez, cinismo geopolítico (ao nível dos governantes: basta pensar nas tristes figuras da França, da Rússia e, por arrastamento russo, da Alemanha).
    3) Não vejo melhor definição de pacifismo do que a seguinte: teoria segundo a qual a guerra nunca se justifica, uma vez que a resolução de um diferendo sem o recurso à violência é sempre possível e as suas possibilidades, nesse sentido, infinitas. Sim, trata-se de uma definição valorativa, porque «paz» e «guerra» são, eles próprios, termos valorativos.
    4) «Creio que a melhor maneira de defender filosoficamente a ideia de guerra justa é recorrer a argumentos a priori». Cá vai: a1 - A guerra é, por vezes, justificável (moralmente defensável); a2 - A condução da guerra deve ser sujeita ao escrutínio moral. Todo o meu texto pode ser deduzido destas duas máximas e, ao contrário do que diz o Aires, penso que a intervenção no Iraque pode bem ser integrada nos critérios apresentados. Penso que a intervenção é justificável (podemos debatê-lo) e penso que - como mostrou o caso de Abu Graihb - a condução dessa guerra tem sido sujeita ao escrutínio moral.

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