sexta-feira, 20 de março de 2020

As desigualdades, o socialismo e o capitalismo

Uma coisa de que o leitores de filosofia como eu sentem falta é de boas recensões do que se vai publicando; recensões críticas que sejam simultaneamente sóbrias e fundamentadas, e que nos ajudem a decidir o que ler. É um tanto triste procurar boas recensões de livros que se vão publicando — muitas vezes de livros que, noutras paragens, são fonte de interessantes debates filosóficos — e não encontrar nada ou, o que é talvez pior, depararmo-nos com pouco mais do que meia dúzia de juízos tendenciosos, injustificados, impressionistas e apressados — sejam eles favoráveis ou desfavoráveis.  

Por isso é um reconfortante ler a quádrupla recensão, publicada na Crítica por António R. Gomes, dos livros dos quatro eminentes filósofos John E. Roemer, G. A Cohen, Jason Brennan e Harry G. Frankfurt, publicados pela Gradiva em anos recentes. 


António Gomes não só nos dá uma boa perspectiva do que se encontra em cada livro como mostra, de forma esclarecedora, o elo fundamental que liga os quatro livros, sublinhando as vantagens de os ler em conjunto:   
Girando em torno de um núcleo comum, são análises de pontos de vista diferentes (seja pelas áreas disciplinares em que se inserem, seja pelas teorias que sustentam) mas que se complementam, mesmo se não coincidindo (ou ainda mais por não coincidirem) nas conclusões. Valem ainda pela honestidade intelectual, pela ausência de dogmatismo, pelo distanciamento afetivo com que investigam um assunto que muitas vezes é visto com a lupa da paixão clubística; pela consistência ou objetividade da fundamentação, baseada em dados históricos e estatísticos ou no rigor lógico; pelo jogo de contra-argumentação.

Para o leitor de língua portuguesa interessado nestas áreas de estudo, acresce outra razão a favor destas leituras: a carência de bibliografia que não seja “ortodoxa”. Não estou a sugerir a rejeição, por princípio, da ortodoxia, mas tão-só a supor a necessidade de uma releitura, crítica, do marxismo tradicional; da eventual reformulação dos seus princípios ou, no mínimo, do seu questionamento à luz da evolução e das experiências históricas; de avaliações que tenham em conta, simultaneamente, o revés do desaparecimento do “socialismo real” e a (afirmação ou negação da) crença na possibilidade de um sistema económico e político baseado numa norma de igualdade.
Vale mesmo a pena ler.

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