sábado, 27 de junho de 2015

Dois tipos de argumentos a favor da liberdade de expressão


Em traços largos, há dois tipos de argumentos que se usa para defender a livre expressão. Os argumentos instrumentais apoiam‑se na afirmação de que preservar a livre expressão produz benefícios tangíveis de algum género, seja em termos de felicidade pessoal acrescida, ou uma sociedade próspera, ou mesmo benefícios económicos. Por exemplo, Alexander Meiklejohn argumentou que o principal valor da livre ex­pressão é promover o género de discussão essencial para o funcionamento eficaz da democracia. Para formarem bons juízos, os cidadãos têm de ser expostos a uma diversidade de ideias. A livre expressão permite aos cidadãos serem informados acerca de uma variedade de perspectivas por parte de pessoas que acreditam fortemente nelas. Esta últi­ma ideia é importante, uma vez que quem faz o papel de advogado do diabo raramente se consegue imaginar na pele de um crente genuíno e veemente da posição que adopta. O ideal é escutar as perspectivas discordantes da boca de dissidentes reais e não daqueles que apenas imaginam o que um dissidente poderia dizer.
Os argumentos desse tipo apelam a consequências e, como tal, a resposta à questão de a liberdade de expressão beneficiar ou não de um modo particular a sociedade ou os indivíduos é empírica: há uma resposta correcta, saibamos ou não qual é essa resposta, e ela pode em princípio ser descoberta pela investigação das consequências efectivas e prováveis. O reverso desta abordagem é que no caso de se mostrar que as consequências supostamente benéficas da livre expressão não se seguem realmente, esta justificação para preservar a liberdade de expressão evapora‑se.
    Os argumentos morais a favor da livre expressão par­tem tipicamente de uma concepção do que seja ser uma pessoa para a ideia de que constitui um atropelo da au­tonomia e dignidade de alguém — como falante, ouvinte ou ambos — restringir‑se‑lhe o discurso. É simplesmente errado que me impeçam de expor as minhas perspectivas (ou de escutar as de outras pessoas), independentemente de resultar algum bem daquilo que digo, porque isso se­ria não me respeitar como um indivíduo capaz de pensar e decidir por mim mesmo. Esses argumentos baseiam‑se numa noção do valor intrínseco da livre expressão e da sua ligação com um conceito da autonomia humana, em vez de se basearem em quaisquer consequências mensuráveis que poderiam resultar da sua preservação. 

(pp. 25-26)

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