terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

O platonismo de um ex-punk alaudista

Não sei se o alaudista ex-punk holandês Jozef van Wissen estudou filosofia da música. Seja como for, numa recente entrevista ao jornal Público — a propósito da sua passagem por Portugal para dar vários concertos — dá uma boa ideia do que é o platonismo musical. 

O platonismo musical é uma perspectiva acerca do tipo de coisa que as obras musicais são. Trata-se de uma perspectiva acerca da ontologia da música, de acordo com a qual as obras musicais são objectos abstractos, não tendo, portanto, uma existência espácio-temporal: as obras propriamente ditas não se encontram na partitura, nem na gravação em disco, nem na sala de concertos, nem sequer na mente do compositor. Uma obra musical é, de acordo com o platonismo radical (há outros tipos de platonismo), uma estrutura puramente sonora, eterna e incriada. Assim, uma dada obra musical é descoberta pelo "compositor", não criada, pois existe antes dele e continuará a existir para sempre. 

É, no fundo, a esta perspectiva — talvez a mais comum entre os filósofos da música, de que se destacam Peter Kivy e Julian Dodd — que van Wissen dá voz quando diz:

Toco tanto ao vivo que não preciso de praticar — antes pelo contrário. Em casa toco algum repertório clássico, só para ginasticar os dedos, mas as melodias que acabam nos meus discos apanhos-as do ar. 
Neste momento sinto que o ideal para uma composição é encontrar a melhor melodia possível. Não é fácil encontrar uma melodia que fique no ouvido de toda a gente. Isso é um presente divino. O que sinto é que sou uma parte de algo que canaliza as melodias que já existem.

Ele fala das melodias que acabam nos seus discos e não nas melodias que compõe ou que inventa, tornando mais clara esta ideia ao sublinhar que as apanha do ar, como algo que lhe foi oferecido, limitando-se a exemplificá-las espácio-temporalmente. Quer dizer, ele não cria, não inventa nem é verdadeiramente o autor dessas obras; apenas descobre e exemplifica estruturas puramente sonoras pré-existentes. Chama-se a isto platonismo musical extremo — ou também sonicismo puro.

Não tenho a certeza de que haja pressupostos filosóficos presentes na mera fruição musical. Mas eles são inevitáveis quando procuramos compreender a música.

Aqui fica uma gravação com van Wissen a canalizar para nós melodias que descobriu em nenhum lugar e que faz parte da banda sonora de um dos filmes do realizador Jim Jarmusch. Não creio que van Wissen seja um grande descobridor, mas esta melodia é, ainda assim, das melhores descobertas que lhe conheço. 




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