quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Saber fazer perguntas

Esta enorme pintura mural do artista renascentista italiano Rafael, intitulada A Escola de Atenas, representa os maiores filósofos da antiguidade em animada discussão. O encontro de filósofos descrito na história de Ned Markosian seria algo parecido a isto.

Um dos aspectos mais importantes da actividade filosófica é fazer as perguntas certas. Ao contrário do que muitos possam pensar, saber fazer perguntas é frequentemente tão ou mais difícil do que dar boas respostas.  Até porque as respostas dependem das perguntas e perguntas desinteressantes ou mal formuladas costumam ter como resultado respostas também elas desinteressantes e insatisfatórias. Num certo sentido, o bom filósofo é como o bom detective; é aquele que procura fazer as perguntas certas para atingir o seu objectivo, que é chegar à verdade. 

Esta pequena e interessante história inventada pelo filósofo americano Ned Markosian mostra bem como fazer boas perguntas não é uma tarefa fácil. 

4 comentários:

  1. Bom dia. Deixo aqui um desafio aos seus leitores.

    À semelhança do texto costumo fazer a pergunta, "Que pergunta farias a Deus" para iniciar alguns debates filosóficos. No entanto numa primeira fase, antes de tentar escolher a pergunta a debater, analisamos os critérios dessa pergunta, que serão os critérios ideais de uma pergunta filosófica.

    Nesse sentido o desafio que vos lanço não é, "qual é a pergunta filosófica ideal" (como o exemplo do texto procura saber, mas sim, " como deve ser a pergunta filosófica ideal".
    Ou seja, não interessa aqui o conteúdo da pergunta mas a sua forma.

    Assim, a pergunta que vos lanço é:

    Quais os critérios de uma boa pergunta filosófica?

    cumprimentos,

    Tomás Magalhães Carneiro

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  2. Bom dia, Tomás.
    Obrigado pelo desafio. É disso mesmo que os filósofos (ou aqueles que tentam filosofar) gostam: desafios.

    Vejo uma dificuldade no que sugeres: não sei bem como separar uma coisa da outra. Saber QUAL deve ser a pergunta ideal é, em boa parte, também saber COMO deve ser essa pergunta. E também me parece que antes mesmo de ensaiarmos algumas perguntas é difícil ver como poderão ser melhoradas.

    É certo que há algumas características muito gerais acerca do que é uma boa pergunta, mas que funciona para qualquer pergunta e não apenas para as perguntas filosóficas. A clareza, por exemplo, é uma delas. Mas isto apenas porque se a pergunta não for clara também não sabemos bem O QUE está em causa na pergunta. Por razões semelhantes, a pergunta deve ser precisa (ou, se preferires, não deve ser vaga). Mais uma vez, porque se a pergunta for vaga não sabes exactamente O QUE está a ser perguntado e, portanto, é o próprio conteúdo que acaba por estar em causa.

    Também poderias dizer que a pergunta, tratando-se de um pergunta filosófica, deve ter um carácter não empírico (ou não prático, como é referido na história de Markosian). Mas aqui estaríamos, mais uma vez, a falar do seu conteúdo.

    Talvez tenhas em mente outro tipo de características formais. Mas quais? Não conter elementos retóricos, por exemplo?

    Parece-me que a forma mais natural de fazer as coisas é começar por avançar com algumas perguntas e depois submetê-las a uma análise crítica, passando de perguntas imperfeitas para perguntas cada vez melhores. Além de que isso é altamente didáctico. E se houver afinal "receitas" para uma boa pergunta, então que se deixe as pessoas descobrir isso por si (ainda que orientadas por quem sabe mais do assunto).

    O que dizes?

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  3. Olá Aires,

    na tua resposta já identificaste alguns critérios de uma boa pergunta filosófica:

    - Clareza.
    E repara que uma pergunta pode ser pouco clara por dois motivos:
    1) a pergunta é vaga (como referiste com uma pergunta vaga não compreendemos o que está a ser perguntado pois utiliza conceitos "nebulosos")

    Exemplo: "Aquele homem é alto?" (a resposta a esta pergunta pode depender do contexto que estamos a falar. É alto para jogador de basquete?)

    ou

    2) a pergunta é ambígua (utiliza conceitos que podem ter mais de um significado).

    Exemplo: "Há conhecimento sem razão?"
    (aqui não sabemos em que sentido o autor utiliza o termo "razão" - causa?; consciência?; raciocínio?; verdade?

    Depois identificaste o
    - Carácter não empírico da pergunta.

    Esta é, de facto, uma característica quanto ao conteúdo da pergunta e por isso que costumo deixar a sua análise para o fim desta primeira fase do debate.
    Antes ainda procuro saber se a pergunta é

    - Breve.
    Uma pergunta é breve quando não pode ser formulada em menos palavras sem perder o seu sentido ou a clareza.
    Exemplo:
    A pergunta 1)"Somos quem melhor nos conhece?" é preferível à pergunta
    2)"Será que nós, enquanto pessoas, somos os seres humanos que melhor conhecimento real temos de nós mesmos?"
    Repara que 2) pode parecer mais profunda que 1) mas se lermos com atenção pergunta exactamente pela mesma coisa, mas com mais palavras (e mais caras).

    Depois falas dos
    - Elementos retóricos.
    Numa pergunta não se deve adivinhar as intenções do autor. Ou seja, uma boa pergunta filosófica não deve ser um argumento disfarçado.
    Exemplo: 1) "Somos livres?" é preferível a 2) "Será mesmo verdade que somos livres apesar dos condicionalimos aos quais estamos inexoravelmente ligados?"

    No caso de uma pergunta que procure problematizar a posição de um autor outra característica importante é que não se limite a repetir a posição desse autor mas que clarifique a asserção inicial ou a aprofunde num determinado sentido.

    Exemplo: Perante a asserção
    "Não há verdade sem conhecimento", se nos limitarmos a perguntar
    "Não há mesmo verdade sem conhecimento?", não estaremos a sair do sítio, ou seja, a nossa pergunta já foi respondida pelo autor na sua asserção inicial.

    Assim, uma boa pergunta filosófica deve fazer avançar a investigação, quer pedindo as razões ocultas da asserção inicial (algo como "de que forma é que a verdade depende do conhecimento para existir?"), quer propondo um novo conceito que dirija a investigação filosófica num determinado sentido (por exemplo "De que forma a ignorância pode conduzir à verdade?")

    Concordo plenamente contigo que para filosofar é essencial começar por fazer perguntas, da mesma forma que para jogar ténis é essencial começar a bater bolas, mas temos de saber quais as características de uma BOA pergunta filosófica da mesma forma que vemos jogar o Nadal e o Federer para perceber como é uma boa pancada de ténis. Depois é só esforçarmo-nos por chegar a esses Padrões de excelência. Mas para isso temos de começar a jogar.

    Assim, e para resumir, os critérios (formais) de uma BOA pergunta filosófica:
    - Clareza
    - Brevidade
    - Não ser uma pergunta retórica
    - Permita Clarificar ou Fazer avançar a investigação

    outros critérios (Não-Formais) seriam:
    - Não ter um carácter empírico
    e finalmente,
    - Ter interesse filosófico (mas isto são "contas de outro rosário", saber o que é ter interesse filosófico ;)

    abraço e espero que este blog suscite BOAS discussões filosóficas com os teus alunos.

    ps - neste site tenho algumas dezenas de perguntas saídas de algumas discussões filosóficas(secção Perguntas Filosóficas). Umas boas outras nem tanto. É um bom exercício analisá-las:

    http://filosofiacritica.wordpress.com/


    Tomás Magalhães Carneiro

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  4. Com a explicação do Sr. Tomás Carneiro e do prof. Aires Almeida conseguí ficar a preceber melhor o contexto da pergunta do anjo nesta historia
    Pedro Lopes 10ºJ Nº15

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