quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Os ateus e o Natal


Richard Dawkins, um biólogo ateu militante

Volta e meia lemos notícias de protestos contra a existência de crucifixos em salas de aula de algumas escolas públicas. Argumenta-se que o estado, de que todos fazemos parte, é laico e não deve privilegiar qualquer confissão religiosa. Se a escola é de todos, sejam católicos, islâmicos, hinduístas, budistas, judeus ou ateus, então não é adequado manter símbolos desta ou daquela religião, ainda que seja praticada pela maioria dos portugueses, tal como não é adequado colocar nas paredes das salas das escolas públicas símbolos do Benfica ou do Partido Socialista, caso os portugueses sejam maioritariamente benquistas ou socialistas.

Mas se assim for, contra-argumentam algumas pessoas, também temos de alterar os nomes de muitas ruas, vilas e cidades do país que têm nomes de santos e de outras entidades religiosas. É até comum os hospitais públicos terem nomes de santos. E, já agora, o que fazer aos feriados religiosos e às férias da Páscoa e do Natal? Também deviam essas festas acabar, para que os cidadãos de outras confissões religiosas e os ateus não se sintam incomodados?

Talvez se trate, contudo, de coisas diferentes. É importante não ignorar que as sociedades mudam ao longo dos tempos. Os portugueses dos nossos dias não são os mesmos portugueses que viveram em séculos passados. As sociedades e as culturas não são, pois, estáticas. Sem dúvida que, apesar das mudanças, algo permanece. Mas nem sempre o que se recebe da herança cultural e as práticas sociais contemporâneas têm de ser consonantes. 

Isto levou-me a pensar numa outra questão interessante: estarão os ateus a ser incoerentes ao festejarem o Natal, que é uma festa de origem religiosa? Será coerente exigir a remoção dos crucifixos das escolas públicas e, ao mesmo tempo, envolver-se na celebração do Natal, montar a árvore de Natal em casa, desejar um feliz Natal aos amigos e conhecidos e fazer questão de passar o Natal em família?

domingo, 20 de dezembro de 2009

argumentos de carácter emocional


Na ultima aula de filosofia, o Prof. Aires chamou-me a atenção para o uso de argumentos de carácter emocional, no post do vegetarianismo, porque os nossos argumentos devem ser sempre racionais, caso contrário não são 100% filosóficos dado que a base da filosofia é a razão. Eu concordei com ele, se não fosse a razão o nosso guia filosófico, então muito provavelmente perdiamo-nos muitas vezes. Mas não sei porquê, naquele dia pus-me a pensar e cheguei à conclusão de que afinal, na minha opinião, claro está, a maioria, se não todos os argumentos têm uma base emocional, mesmo aqueles que parecem mesmo frios e desprovidos de algo mais que a razão. Ora vejamos, nós argumentamos para tentarmos convencer os outros de que estamos certos, e assim se conseguir chegar a uma verdade na discussão filosófica. Porém, por detrás daquilo que argumentamos costuma estar um desejo ou um medo, que são emoções. Por exemplo, no post do vegetarianismo, o Sérgio argumentava, porque na verdade gostava de comer carne e queria continuar a comê-la sem se sentir mal e a Lúcia argumentava porque tinha uma empatia pelos animais que não a deixava comer carne e que a faria achar que ninguém devia. Hittler argumentava contra os judeus, pois eles dominavam a economia e ele desejava que fossem os arianos, estando com medo de ser controlado por alguém que não fosse da sua raça, e os que defendiam os judeus (em segredo) tinham medo de todas as mortes e/ou empatia por eles, os moralistas defendem "mentir é errado" mas na verdade o que estão a dizer é "abaixo o mentir!" e defendem também que "dizer a verdade é correcto" mas não quererão dizer "viva a dizer a verdade!"? Quando a frase se torna exclamativa, revela emoções.

Sendo assim, como podemos excluir as nossas emoções dos nossos argumentos?

Digam-me, isto faz algum sentido, ou há alguma coisa que não esteja a ver bem?

sábado, 12 de dezembro de 2009

As mesmas causas produzem sempre os mesmos efeitos?


Juiz - Outra vez por cá, senhor Abílio? Está a tornar-se um frequentador assíduo deste tribunal. Parece que voltou a agredir outra pessoa.
Abílio - Teve de ser! Que hei-de eu fazer?
Juiz - Quer dizer que não podia evitar? Como assim? Olhe que há muita gente que nunca agrediu seja quem for. Portanto, não me venha dizer que não tinha como evitar.
Abílio - Pois, há quem nunca tenha agredido ninguém porque nunca se encontrou na mesma situação que eu. Até o senhor doutor juiz faria o mesmo, se estivesse no meu lugar.
Juiz - Mas... diga lá, então, o que aconteceu.
Abílio - Esmurrei uma pessoa que me insultou, chamando-me «bufo». Claro que tive de defender a minha honra.
Juiz - Mas ela ter-lhe chamado bufo, ou delator, não é caso para a esmurrar. Há muitas pessoas que, no seu lugar, não o fariam. Eu, por exemplo, nunca o faria.
Abílio - É porque o senhor doutor juiz não se consegue colocar mesmo no meu lugar.
Juiz - É claro que consigo! E garanto-lhe que nunca procederia assim. Também já disseram de mim coisas bem desagradáveis. E, olhe, nem sequer liguei!
Abílio - Mas isso não significa que se está a imaginar no meu lugar. Pôr-se no meu lugar não é só passar por uma situação semelhante. É também pensar como eu, ter tido a mesma educação que eu, a mesma cultura, as mesmas vivências e até ter as mesmas características genéticas que eu.
Juiz - Bem, por isso é que somos diferentes, claro. Mas explique lá melhor onde quer chegar.
Abílio - Veja bem, provavelmente o senhor doutor foi educado de maneira muito diferente, mas eu fui ensinado desde pequeno a reagir sempre que me insultam. Além disso, no meio em que fui criado, «bufo» é a pior coisa que se pode chamar a uma pessoa, pelo que temos de defender a nossa honra. Caso contrário, somos mal vistos e considerados cobardes pelos nossos amigos, que é do pior que nos pode acontecer. Também lhe digo que a violência sempre fez parte da minha vida, de maneira que passei a encará-la como algo normal e aceitável. Além disso, sou uma pessoa muito nervosa e sou agressivo por natureza. Herdei essas características do meu pai e não tenho culpa disso. Portanto, pôr-se no meu lugar é pôr-se na minha cabeça, ter os pensamentos e desejos que eu tenho, olhar para as coisas com os meus olhos e sentir as coisas como eu as sinto. Não tenho culpa de pensar como penso, de sentir como sinto e de ser como sou.
Juiz - Ora, ora, está a querer dizer que não tinha opção?
Abílio - Dada a maneira como fui educado, o meio em que me movo, as experiências por que passei e a minha própria natureza, não podia ter feito outra coisa. Se o senhor doutor juiz estivesse na minha pele e na minha cabeça, faria exactamente o mesmo.
Juiz - Salvo seja!
Abílio - Lá está! Não consegue pôr-se exactamente no meu lugar. Mas se as circunstâncias fossem exactamente as mesmas, o efeito seria também o mesmo. Portanto, dado as circunstâncias serem essas e não outras, não tive realmente opção.
Juiz - Não me venha com histórias! O senhor fez aquilo que quis fazer.
Abílio - Mas é claro que fiz o que queria fazer. Nunca o neguei. Mas o que digo é que algo que eu não controlo me levou a querer fazer isso. Quis fazer o que fiz, sem dúvida, mas a verdade é que não mando realmente nos meus desejos.



terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Fazemos mesmo o que queremos?

Todos os anos por altura do Natal é a mesma coisa e todos os anos penso que no próximo vai ser diferente. Não quero voltar a perder horas entre multidões que se acotovelam nas lojas a comprar inutilidades. E para quê?

São prendas para os meus pais, para os amigos e as crianças dos amigos, para os vizinhos e as crianças dos vizinhos, para os tios e os primos mais chegados, para a namorada, para os avós e ainda os outros de que agora me lembro - há sempre alguém que se esquece e que nos leva à última hora a correr aos centros comerciais à procura sabe-se lá bem do quê. Tudo isto sem contar com o dinheiro que se gasta e o cansaço que se apanha.

Não, estou farto! Este ano vai ser diferente e não vou mais alinhar nestes rituais consumistas sem sentido. Afinal, por que hei-de eu fazer o que não quero? Só porque é costume e os outros também o fazem? Mas não sou um carneiro para fazer algo só porque os outros o fazem também. Parece mal? Quero lá saber disso! As pessoas que levarem a mal é porque, afinal, não interessam mesmo.

É isso, este ano não ofereço prendas no Natal e é isso vou dizer aos meus pais, avós, irmãos, namorada, amigos, vizinhos e colegas mais chegados. Que alívio!

Bom, pensando bem, à minha namorada tenho mesmo de oferecer qualquer coisa (aliás, qualquer coisa não pode ser, pois ela é bem esquisita). Ela de certeza que iria atirar-me isso à cara um dia, até porque me anda sempre a falar daquele perfume de que gosta mesmo muito. Coitada, até merece e é bem capaz de estar à espera disso. Não, não a vou decepcionar.

Ah, é verdade, a minha prima Aurélia de certeza que me vai oferecer uma boa prenda, como de costume. Eu bem lhe digo que não vale a pena, mas ela gosta mesmo destas coisas. Se calhar não ia entender se eu não lhe oferecesse algo, por muito simples que seja. Ok, ofereço-lhe o último disco da Shakira, que ela gosta muito, e pronto. Nesse caso, tenho também de dar algo aos meus avós, coitados. Mas isso é fácil, dou-lhes um par de meias ou algo parecido, pois contentam-se com pouco. Para eles, que estão habituados a isso, o que importa é apenas o gesto.

Sendo assim, os meus pais são capazes de ficar tristes se virem que ofereço algo aos outros e não penso neles, mesmo que não mo digam. Tenho de lhes oferecer alguma coisa também. Mas a mais ninguém... a não ser às crianças do vizinho. Esses é que não vão mesmo entender se não lhes der um brinquedo qualquer, até porque eles vão dar-me alguma coisa (comprada pelos pais, claro). Além disso, o vizinho é muito simpático e dá importância a estas coisas. E o meu tio Tobias, que tem a mania de oferecer coisas caras? No ano passado deu-me ipod bem fixe. Bom, esse é que não posso mesmo deixar de mãos a abanar. E já me estava a esquecer da ...

Espera aí! Lá volta, contra a minha vontade, tudo outra vez ao mesmo. Mas será que não consigo fazer o que quero? Afinal quem manda em mim? Será que sou mesmo livre de fazer o que bem entender? Todos os anos digo a mesma coisa e todos os anos acabo por fazer o mesmo. Mas porquê? No fundo é porque não sou mesmo capaz de me estar nas tintas para o que os outros pensam. Que hei-de fazer? Não tenho culpa de ser assim (ou, talvez, de me terem feito assim). No fundo, isto de termos controlo sobre as nossas acções é uma ilusão. Acabamos sempre por fazer o que se espera que façamos.

O que me dizem disto tudo?