domingo, 15 de dezembro de 2024

O idealista antimetafísico

Poucos nomes foram tão importantes para a estética e filosofia da arte da primeira metade do século XX como o de Benedetto Croce (1866-1952). Foi este filósofo, historiador e político napolitano (embora oriundo de uma pequena vila dos Apeninos), que procurou uma sustentação filosoficamente mais robusta para a perspectiva expressivista da arte anteriormente esboçada por Tolstói e que, depois de Croce, seguiu numa direcção bem diferente da do escritor e ensaísta russo. A filosofia da arte de Collingwood, para dar o exemplo mais notório, é claramente influenciada pelo expressivismo de Croce.


O expressivismo pode ser genericamente descrito como a perspectiva de que os artistas, sejam eles poetas, pintores, escultores, músicos, actores ou bailarinos, são directamente inspirados por experiências emocionais pessoais que despertam as suas habilidades criativas para estimularem nos outros (usando palavras, pincéis e tinta, bronze, sons, movimentos, etc.) a emoção por eles sentida.  

Mas qual foi a novidade do expressivismo de Croce? Em primeiro lugar, a teoria estética de Croce é um dos aspetos centrais da sua filosofia idealista, de inspiração hegeliana, segundo a qual a filosofia nada mais é do que filosofia do espírito (ou da mente). E depois acaba por explicar, de forma relativamente simples e sem as complexidades do sistema filosófico hegeliano, como responder de forma coerente aos problemas da natureza, da função e do valor da arte, fazendo descer o idealismo à terra. Tanto que Croce se assume resolutamente como antimetafísico, associando a metafísica a uma espécie de reflexão religiosa, o que curiosamente o aproxima da ideia positivista da metafísica. Estamos, pois, perante, uma teoria da arte idealista e, segundo o próprio, antimetafísica. 

O sistema idealista de Croce tem a seguinte configuração.

A ideia central de Croce é que a arte é intuição. E o que confere unidade e coerência à intuição é o sentimento intenso. Assim, a intuição é a expressão do sentimento intenso. Por isso, Croce diz que a intuição é expressão.

Uma das preocupações de Croce acerca da arte era mostrar claramente aquilo que ela não é, contrariando algumas ideias comuns. Assim, a arte não é um facto físico. Basta notar que há mais numa pintura do que pigmentos dispostos na tela ou em outra superfície. Em certo sentido, é mesmo possível que a obra de arte exista apenas na mente do artista e que todos sejamos artistas, ainda que só alguns contribuam para o desenvolvimento das chamadas belas-artes. A arte também não é algo utilitário, mesmo quando é encarada como um investimento, pois encará-la como investimento é tomá-la apenas como mercadoria e não enquanto arte. Mais, a arte não tem qualquer preocupação prática, pelo que nem sequer o prazer por ela proporcionado é relevante. A arte também não é moral, dado que ela não tem origem num acto de vontade, mas sim na intuição. Por fim, sendo intuição (ou expressão), a arte também não é conhecimento conceptual, até porque a arte não distingue entre o que é real e o que é irreal, nem a verdade da mera aparência. Ela é pura imagem de que a fantasia não pode ser excluída, não se ocupando do mundo à volta, pois é na imagem sem qualquer referência à realidade ou irrealidade que a intuição se torna expressão, isto é, se torna verdadeiramente intuição. A arte é, sim, uma forma de conhecimento intuitivo e não conceptual ou não-lógico.

Muitos poderão pensar que Croce não passa de mais um vulto obscuro da filosofia da primeira metade do século XX, mas a verdade é que, mesmo noutras áreas da filosofia, como no pensamento político e historiográfico, ele foi muito influente. Apesar de se afirmar como liberal anti-fascista e anti-comunista, ele influenciou fortemente Antonio Gramsci, um filósofo político comunista, mas também Giovanni Gentile, um filósofo defensor do fascismo, com o qual veio a cortar relações pessoais. Croce, foi até nomeado por 16 vezes para a lista final de candidatos ao Prémio Nobel da Literatura, apesar de nunca o ter vencido. Diga-se, já agora, que houve quem tivesse sido nomeado mais vezes sem o ter conseguido, como o poeta inglês W. H. Auden, que foi nomeado 19 vezes, e o também inglês Graham Greene, que foi nomeado 26 vezes.