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terça-feira, 24 de novembro de 2015

Stoner, de John Williams

Há muito que, à semelhança de tantos outros antes de mim, concluí — com base numa simples projecção estatística da minha própria experiência de leitor não exageradamente exigente — que a maior parte dos livros que se publicam é de pouca ou nenhuma qualidade literária e científica. São demasiados os livros cujo interesse estético, cognitivo ou meramente lúdico, de modo algum compensam o tempo que se perde com eles. 

Contudo, isso não nos dá razões para sermos pessimistas, pois ainda sobra uma imensa minoria de livros que merecem a nossa atenção. São, felizmente, mais do que aqueles que qualquer leitor, mesmo o mais compulsivo, consegue ler. Por isso é que precisamos de algum tipo de indicação que nos leve a pensar que vale a pena ler um dado livro. Uma vez que a maior parte das criticas e recensões literárias dos jornais e revistas portuguesas não me têm sido particularmente úteis, sigo normalmente a sugestão de amigos e outras pessoas cujas opiniões se têm revelado confiáveis.

Foi isso que me levou a encomendar Stoner, um romance do escritor americano John Williams, que me chegou há dias e que acabei hoje mesmo de ler.


Stoner é um livro simultaneamente desolador e consolador. Parece contraditório, mas é isso mesmo que experimentamos ao seguir a banalíssima história de William Stoner, um simples professor de literatura inglesa de uma quase desconhecida universidade de província, oriundo de uma pequena e modestíssima família de camponeses do Missouri. Não se encontram, pelo meio, personagens ou acontecimentos especialmente marcantes, nem reviravoltas dramáticas e muito menos rasgos emocionais surpreendentes. Apenas encontramos uma sucessão de factos triviais da vida de uma pessoa comum: o trabalho, o estudo, o casamento, a família, o amor conjugal e extra-conjugal, além das inevitáveis intrigas e compensações profissionais, da doença e da morte. Como pano de fundo, há duas guerras — a história da vida de William Stoner começa antes da Primeira Guerra Mundial e termina depois da Segunda Guerra Mundial — e a crise financeira de 1929. E tudo isso nos é apresentado numa prosa serenamente descritiva, concisa e sem grandes rodeios, que por vezes chega mesmo a ser fria e seca. 

Confesso que por volta dos capítulos 4 ou 5 (o livro tem 17 capítulos) me pareceu que a perspectiva de algo realmente invulgar e entusiasmante na vida de Stoner vir a acontecer se tornava cada vez mais distante. E dei comigo a pensar: como fará o autor de uma prosa tão limpa e directa para encher a dúzia de capítulos que sobram acerca de uma vida que se adivinha banal? Algo verdadeiramente surpreendente terá de acontecer, pensei. Mas não. À medida que se avança, vai-se descobrindo que nada de verdadeiramente surpreendente acontece e que, ainda assim, algo nos impele a prosseguir com um interesse estranhamente renovado: o que nos prende é, afinal, a desarmante probidade com que Stoner encara cada um dos factos que constituem a sua história pessoal.  

William Stoner parece nunca ser verdadeiramente dono da sua própria vida. Dá a ideia que as suas decisões, apesar de conscientes, acabam sempre por ser fruto de algo alheio à sua vontade, como se elas fossem inevitáveis. Stoner sente-se, no fundo, apanhado numa teia de constrangimentos naturais e circunstanciais que o impedem de proceder de modo diferente. Esta espécie de determinismo radical é um dos traços mais desoladores do romance.

Mas, embora as nossas acções sejam determinadas por causas exteriores, Stoner parece querer convencer-nos pelo seu exemplo que o modo como vivemos esse facto bruto depende de cada um de nós. Apesar de não sermos livres quanto ao que fazemos, cabe-nos decidir se aceitamos essa condição de forma mais digna ou menos digna. A dignidade com que Stoner aceita o inevitável acaba, assim, por revelar um animador vislumbre de liberdade redentora. E é precisamente esse o aspecto consolador da história de Stoner, cuja dignidade se manifesta quando reage serenamente à frígida indiferença da sua mulher, às mesquinhas acusações de incompetência do seu colega de profissão, à gravidez involuntária da sua filha ou à notícia de que, devido a doença, lhe resta pouco tempo de vida. Até na sua infidelidade conjugal há uma certa dignidade. Como há quando, depois, se vê obrigado a pôr-lhe termo.

A história de Stoner não vive de actos heróicos nem de emoções intensas — o único e breve momento com uma carga emotiva mais evidente é quando Stoner descobre que a sua ex-namorada lhe dedica o livro que, anos mais tarde, ela acabara por publicar. Mas há nesta história uma tristeza que vai moendo, a que nos vamos afeiçoando e que persiste até depois do fim.

Um livro excelente, que merece bem os elogios que tem recebido.

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