Este ensaio discute se a clonagem humana é uma prática
eticamente aceitável ou não. A posição aqui defendida é que a clonagem
não é moralmente admissível.
Irei abordar apenas a clonagem
humana reprodutiva e não a clonagem terapêutica. Em primeiro lugar, é necessário perceber o que é a clonagem e como funciona. A
clonagem é um processo que permite a criação de indivíduos geneticamente
iguais, isto é, com o mesmo ADN. Ao contrário da reprodução natural, que
resulta da junção do material genético de ambos progenitores (o óvulo funde-se
com o espermatozóide), a clonagem é uma reprodução assexuada, ou seja, não
recorre ao acto sexual, e o material genético dos descendentes é igual ao do
procriador. Quando é feita para fins reprodutivos, a clonagem realiza-se por
transferência nuclear, que consiste na junção do núcleo de uma célula com um
ovócito enucleado. Este óvulo é depois estimulado, o que o leva a dividir-se e a
desenvolver-se, transformando-se depois num embrião que pode ser transferido para
o útero de uma fêmea/mulher. O indivíduo que daí surgir, será um clone, uma
cópia genética do dador do núcleo.
Existem várias objecções à clonagem humana reprodutiva,
tais como: o argumento das relações familiares (um clone traria mudanças a
nível familiar, pois as
relações familiares seriam artificiais e anómalas), o risco da instrumentalização
(a clonagem humana fomenta a instrumentalização dos seres humanos que serão utilizados pelos progenitores para a concretização de
objectivos que eles próprios não atingiram) e o apelo à natureza (a clonagem
humana é antinatural), entre outros. Porém, estes argumentos
são fáceis de descartar. Actualmente existem outros modelos de família além das
tradicionais (mãe, pai e filhos), como por exemplo as famílias homossexuais, os
divórcios, os segundos casamentos e as adopções, que são capazes de satisfazer
as necessidades afectivas e emocionais dos seus membros e, deste modo, a família à qual pertencerá o clone não irá ser muito diferente da família convencional.
O próprio conceito de natureza não é completamente claro e a
fronteira entre o que é natural e o que é contranatural não foi estabelecida, já para não referir que, aceitando este argumento, teríamos de excluir também as várias formas de
reprodução assistida e outras intervenções médicas. Assim, o argumento de que a clonagem é antinatural acaba por ser pouco persuasivo.
Porém existem outros argumentos que são bastante mais fortes e que corroboram a minha posição: o argumento da identidade, o argumento da
eugenia e o argumento dos custos humanos. Os defensores do argumento da identidade
afirmam que a clonagem reprodutiva é eticamente errada porque implica a perda de
identidade do clone e fere a sua dignidade. A objecção a este argumento é que a
clonagem não iria produzir cópias iguais da mesma pessoa, apenas iria produzir
indivíduos com o mesmo ADN, com o mesmo genótipo, como acontece com os gémeos
idênticos. Visto que estariam enquadrados em meios diferentes, o clone e o seu
dador iriam ter personalidades e mentalidades diferentes, ou seja, não seriam a
mesma pessoa. Ainda assim, e de acordo com os apoiantes da clonagem, esta prática só seria permitida com o consentimento do seu dador. Ora, se o genótipo não é
identidade, por que razão haveria o dador de impedir a criação de um clone seu?
Se esse clone não é o dador e o dador não é o clone porque é que o dador teria
de consentir que fosse clonado? Isto significa que o ADN é muito importante para a
identidade de um indivíduo e, à luz desta ideia, teríamos de rever qual é
afinal a identidade de um clone e de que modo isso irá influenciar o próprio clone e a
sociedade.
Outro argumento que se opõe a clonagem é o argumento do
perigo da eugenia. A eugenia é uma tentativa de manipular as características
genéticas de um ser, seleccionando e eliminando os embriões com características
indesejáveis (doenças físicas e mentais graves) e acrescentando características
desejáveis (beleza, inteligência) aos mesmos, de forma a melhorá-los. A eugenia
é uma ideia bastante real, já que actualmente a modificação do genoma é muito
praticada, especialmente na produção de alimentos transgénicos (organismos
geneticamente modificados) que aguentam melhor as pragas e têm um rápido
crescimento. De acordo com os defensores deste argumento, a clonagem poderá
facilitar a eugenia positiva e o seu possível uso malévolo. A preocupação geral
da eugenia não é tanto a criação de exércitos de clones (o que também é um
risco), é a comercialização dos próprios clones e a sua escravização. A
facilidade de utilização dos clones na escravatura é possibilitada pelo facto
de os clones serem cópias genéticas de pessoas já existentes, ou seja, nada,
nem ninguém “daria por falta” de um clone. Actualmente existe uma grande
possibilidade de um movimento eugénico ser cuidadosamente preparado, pelas
grandes empresas e potências comerciais, longe dos olhos públicos. Na verdade,
empresas que estão encarregadas de assegurar a clonagem humana, como a Geron e Advanced Cell Thecnology, já estão patenteadas por outras empresas
internacionais, o que lhes dá o direito legal de propriedade sob os futuros
clones humanos e as células humanas estaminais. A criação dos clones trará negócios
bastante vantajosos para estas empresas, já que seriam também um óptimo banco
de órgãos. Algumas pessoas poderão dizer que não há uma ligação necessária
entre a clonagem humana e a eugenia. Contudo, essa possibilidade existe. Se
nem mesmo a exploração infantil de crianças é capaz de travar as ambições
económicas das potências comerciais, como podemos ter a certeza de que os
clones (com as características necessárias) não serão utilizados para o mesmo
propósito? A clonagem humana reprodutiva só seria possível se tivéssemos a
completa certeza de que os clones humanos não iriam ser utilizados para
proveito de determinadas entidades ou pessoas. Mas como no mundo actual isso
ainda não está garantido, a clonagem seria eticamente errada.
Outra objecção à clonagem humana reprodutiva é o
argumento dos custos humanos. Este argumento parte da premissa de que a técnica da clonagem humana reprodutiva, no seu actual estado, produz inevitavelmente muitos indivíduos defeituosos, com sérios problemas físicos e mentais. É verdade que a taxa
de sucesso da clonagem é extremamente baixa, pois cerca de 95% à 98% das
tentativas resultam em abortos ou malformações. A ovelha Dolly (o primeiro
mamífero a ser clonado) foi a única sobrevivente das 227 tentativas de clonagem
que foram feitas, para além de que morreu prematuramente com 6 anos, quando a
média de vida era 12. Sendo assim, será que os eventuais benefícios da clonagem compensam a
destruição de tantos embriões, fetos e possivelmente clones bebés acabados de
nascer? Quem irá assumir a responsabilidade de destruição de uns e a sobrevivência
de outros? E quem nos irá garantir que os clones bebés não nascerão com
mutações ou doenças congénitas e que tenham uma vida tão longa como a de um ser
humano? Sem respondermos com convicção a estas questões, não podemos tomar a
clonagem humana reprodutiva como eticamente correta. Apesar de a clonagem poder
ser uma resposta para a infertilidade, tendo em conta os custos e os riscos que
este processo implica, não deve ser vista como a única alternativa. Decerto que
haverá outras opções mais fiáveis.
Avaliando todos estes argumentos, compreende-se que a
clonagem humana é um processo que ainda não foi desenvolvido, e é incerto, pelo
que os seus riscos (sociais e étnicos) são muito elevados. A ciência realiza a
experiência sem ter compreendido na totalidade o que é o ADN, como é composto,
como funciona e que consequências tem, provando até ao momento a sua
ineficácia. A clonagem é apenas um dos processos e será boa ou má dependendo do
seu uso. Como ainda não se encontrou uma técnica de clonagem totalmente fiável e a
sua taxa de sucesso é muito baixa, penso que tal prática não é eticamente
aceitável.
Oxana Dimova, 11º N
Muito obrigado à Oxana pelo seu ensaio e pela autorização para o divulgar aqui.