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segunda-feira, 12 de março de 2012

Moral, para que te quero? Outra vez

Foto: Aires Almeida

A resposta referida no post anterior, é uma boa resposta? 

Note-se que não basta afirmar algo verdadeiro para que a resposta seja satisfatória. É também preciso que responda ao que, de facto, está em causa. Por exemplo, se alguém me perguntar qual é o atleta mais veloz do mundo e receber como resposta que Francis Obikwelu é um atleta muito veloz, não obtenho a resposta correcta, apesar de a afirmação ser verdadeira. 

Ora, passa-se algo semelhante com a resposta do aluno à pergunta sobre se haveria alguma razão para não roubar, caso ele tivesse a garantia de que ninguém iria alguma vez descobrir tal coisa. A resposta do aluno foi que, caso ninguém soubesse disso, não seria vergonha roubar. 

Em primeiro lugar, é verdade que vergonha não é roubar, mas sim roubar sem ser apanhado. Isto é assim porque o sentimento de vergonha por algo que fazemos envolve sempre a crença de que alguém sabe que fomos nós a fazê-lo. Portanto, se não acreditamos que alguém sabe disso, também não há qualquer razão para ter vergonha. O mesmo se passa, por exemplo, com o medo. Eu só posso ter medo de ser atacado se acreditar que há algo ou alguém que me pode atacar. Se acreditar mesmo que não há por perto qualquer ser que me possa atacar, então deixa de haver qualquer razão para ter medo. 

Só que o aluno ainda não está a responder à pergunta colocada, pois esta não é sobre se isso é ou não é vergonhoso, mas sobre se há ou não razões para o não fazer mesmo que tenhamos a certeza de que não seremos apanhados. Claro que podemos dizer que ele está no fundo a defender que a única razão para não roubar seria apanhar uma grande vergonha e que, visto estar livre de a apanhar, deixa de haver razão para não roubar. Logo, caso tivesse o anel de Giges colocado, não veria qualquer justificação para agir moralmente (não roubando, não mentindo, não faltando às suas promessas, etc.) No fundo, não teríamos qualquer razão para ser morais. 

Contudo, isto não é ainda satisfatório, pois podemos agora perguntar ao aluno por que razão haveria ele de sentir vergonha por ser apanhado a roubar. Por causa da censura dos outros? Mas não poderia estar-se nas tintas para o que os outros pensam disso? E, já agora, por que razão hão-de os outros achar vergonhoso roubar? Enquanto não conseguir dar uma resposta satisfatória a estas perguntas, o aluno ainda não terá conseguido defender adequadamente a sua ideia de que não há qualquer razão para sermos morais. 

Em suma, o aluno disse algo verdadeiro, mas ainda não respondeu adequadamente à pergunta. Seja qual for a resposta correcta.

Concordam?

3 comentários:

  1. Aires se pedirmos aos alunos que pensem se há alguma razão moral para não enganarem os respetivos namorados mesmo sabendo que ninguém iria saber disso a coisa funciona melhor.

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  2. Sim, Ismael, esse é um bom exemplo, entre muitos outros. Mas acho que no teu pedido há uma palavra a mais: quando falas de "razão moral", acho que seria mais adequado dizer simplesmente "razão". Assim como está, acabas por perguntar se há alguma razão moral para ser moral, o que resulta numa circularidade.

    É verdade que há quem dê uma resposta circular à pergunta. Mas também há quem ache isso insatisfatório.

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  3. Tens toda a razão Aires. Aqui a questão é falar de razão e não de razão moral.

    Quanto aos exemplos é verdade que há muitos exemplos bons. Mas este, permite que eles entendam que "enganar" não é uma hipótese remota. É algo em que já pensaram, mesmo que não o tenham feito. E sem ninguém saber (aí percebem a função do anel e a necessidade da mora). No teu exemplo a possibilidade é mais remota.

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