Um pequeno pedaço do cérebro do leitor ficou danificado, o que o fez ficar cego. Mas, felizmente, há uma nova técnica biomédica que pode devolver-lhe a visão. Os cientistas desenvolveram um chip de sílica minúsculo, demasiado pequeno para ser visto a olho nu, que duplica exactamente as funções da parte danificada do seu cérebro. Eles podem retirar essa parte e substituí-la pelo chip. Depois da operação, é capaz de ver novamente. De resto, não nota qualquer diferença. Ficou como novo.
Pouco depois, no entanto, outro pedaço do seu cérebro fica danificado. Desta vez perdeu a capacidade de se recordar de nomes. Porém, uma vez mais, os cientistas são capazes de substituir esse pedaço por outro chip minúsculo que desempenha a mesma função e, quando a cirurgia acaba, não consegue notar qualquer diferença, excepto que é capaz de se recordar de nomes novamente.
Imagine agora que isto acontece repetidamente até todo o seu cérebro ser substituído. Em cada passo do processo, com a excepção do problema que foi corrigido, não consegue detectar qualquer diferença em relação ao que acontecia antes. Quando o processo fica concluído, no entanto, já não tem um cérebro orgânico. Tem antes um cérebro artificial, uma rede de chips de sílica que funciona exactamente como o modelo orgânico original.
Este argumento mostra não só que uma máquina pode pensar, mas também que nós poderíamos ser essa máquina. Se duvida disto, recue ao primeiro passo por um momento. Suponha que ficava realmente cego e que os cientistas se dispunham a devolver-lhe a visão, implantando um dispositivo capaz de desempenhar a função da parte defeituosa do seu cérebro. Recusaria a proposta, alegando que nenhum dispositivo artificial pode produzir efectivamente a visão humana? Iria preferir permanecer cego? A maior parte de nós aproveitaria a oportunidade de recuperar a visão dessa forma. Contudo, a partir do momento em que o processo de substituição gradual se iniciou, não há qualquer ponto no qual possamos traçar a linha e dizer que agora a consciência humana se extinguiu. Além disso, não podemos dizer que a consciência se está a extinguir um pouco de cada vez. Afinal, ainda consegue ver, recordar-se de nomes e assim por diante. Se o seu cérebro novo pode fazer tudo o que o original fazia, e não há qualquer ponto em que se sinta «diferente», temos de concluir que o cérebro artificial está a sustentar a mesma vida mental que o original.
O argumento tem um passo adicional. Suponha que nada acontece de errado com o seu cérebro e que não é sujeito a quaisquer operações. Em vez disso, os cientistas montam as mesmas partes no laboratório e colocam-nas num robot. O robot seria consciente, uma coisa pensante? Se admitirmos que essa colecção de partes poderia sustentar uma vida mental dentro do seu crânio, não há qualquer razão para que não faça o mesmo dentro da cabeça do robot. Logo, o robot seria um ser pensante no mesmo sentido em que nós somos seres pensantes.
James Rachels, Problemas da Filosofia (Gradiva, 2009)