Páginas

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Será que escolhemos realmente o que fazemos?

Em 1924, dois adolescentes de Chicago, Richard Loeb e Nathan Leopold, raptaram e assassinaram um rapaz chamado Bobby Franks apenas para provar que conseguiam fazê-lo. O crime impressionou o público. Apesar da brutalidade do seu acto, Leopold e Loeb não pareciam especialmente perversos. Provinham de famílias ricas e eram ambos estudantes excelentes. Aos dezoito anos, Leopold era o licenciado mais jovem na história da Universidade de Chicago, e, aos dezanove anos, Loeb era a pessoa mais nova que se tinha licenciado na Universidade de Michigan. Leopold estava prestes a entrar na Escola de Direito de Harvard. Como era possível que tivessem cometido um assassinato absurdo? O seu julgamento iria receber o mesmo tipo de atenção que o de O. J. Simpson, setenta anos mais tarde.

Os seus pais contrataram Clarence Darrow, o advogado mais famoso da altura, para os defender. Darrow era conhecido como o paladino das causas impopulares — tinha defendido sindicalistas, comunistas e um negro acusado de ter morto um membro de uma turba racista. Três anos depois, no seu caso mais famoso, defendeu John Scopes, do Tennessee, da acusação de ter ensinado a evolução numa aula do ensino secundário. Darrow era também o adversário da pena de morte mais conhecido no país. Em 1902, tendo sido convidado pelo director da Prisão de Cook County para dar uma conferência aos presidiários, disse-lhes o seguinte:

Na verdade, não acredito minimamente no crime. No sentido habitual da palavra, não existem crimes. Não acredito em qualquer distinção entre as verdadeiras condições morais das pessoas que estão dentro e das que estão fora da prisão. São iguais. Do mesmo modo que as pessoas que estão aqui dentro não poderiam ter evitado estar aqui, as pessoas que estão lá fora também não poderiam ter evitado estar lá fora. Não acredito que as pessoas estejam na prisão porque o mereçam. Estão na prisão apenas porque não puderam evitá-lo, devido a circunstâncias que ultrapassam inteiramente o seu controlo e pelas quais não são minimamente responsáveis.
Estas ideias iriam figurar preeminentemente na defesa de Leopold e Loeb. [...]

Leopold e Loeb tinham já admitido a sua culpa, pelo que o trabalho de Darrow era apenas mantê-los longe da forca. Não haveria um júri. O juiz escutaria os argumentos dos advogados e decidiria depois se os réus seriam enforcados.

Darrow falou durante mais de doze horas. Não sustentou que os rapazes eram loucos. Ainda assim, disse, não eram responsáveis pelo que tinham feito. Darrow apelou a uma nova ideia que os psicólogos tinham proposto, nomeadamente que o carácter humano é moldado pelos genes do indivíduo e pelo ambiente. Disse ao juiz: «As pessoas inteligentes sabem agora que todo o ser humano é o produto de uma hereditariedade infindável que o precede e de um ambiente infinito que o rodeia».

Não sei o que levou estes rapazes a realizar esse acto louco, mas sei que houve uma razão para que o tenham realizado. Sei que não o produziram por si. Sei que qualquer uma de um número infindável de causas que remontam ao começo pode ter actuado na mente destes rapazes — que vos pedem para enforcar por malícia, ódio e injustiça — porque, no passado, alguém pecou contra eles.

Os psiquiatras tinham atestado que os rapazes não tinham sentimentos normais, pois não mostravam qualquer reacção emocional ao seu acto. Darrow tirou partido disto:

Deveremos censurar Dickie Loeb por causa das forças infinitas que conspiraram para o formar, das forças infinitas que actuaram na sua criação muito antes de ele ter nascido, sabendo que, por causa dessas combinações infinitas, ele nasceu sem [o tipo correcto de emoções]? Se devemos, então tem de haver uma nova definição de justiça. Deveremos censurá-lo pelo que não teve e nunca teve?
Darrow descreve Loeb como alguém que, na infância, esteve privado do afecto de que um rapaz precisa, tendo passado os dias a estudar e as noites a ler secretamente histórias de crimes enquanto fantasiava cometer o crime perfeito e enganar a polícia. Quanto a Leopold, ele era fraco e não tinha amigos. Cresceu obcecado com a filosofia do «super-homem» de Nietzsche, desprezando as outras pessoas e querendo desesperadamente provar a sua superioridade. Depois os dois rapazes conhecerem-se e, juntos, cometeram um crime que nenhum deles poderia ter cometido sozinho. Porém, estavam apenas a jogar com a mão que a natureza lhes dera. «A natureza é forte e impiedosa», concluiu Darrow. «Trabalha de uma forma misteriosa que lhe é própria e nós somos as suas vítimas. Nós próprios não temos muito a ver com ela.»

O juiz deliberou durante um mês e depois condenou Leopold e Loeb a prisão perpétua. Doze anos mais tarde, Richard Loeb, que fora o instigador do crime, foi morto numa contenda com outro prisioneiro. Nathan Leopold passou trinta e quatro anos na prisão, durante os quais deu aulas a outros prisioneiros, ofereceu-se como cobaia para experiências médicas com a malária, dirigiu a biblioteca da prisão e trabalhou no hospital da prisão. Depois ficar em liberdade condicional, foi viver para Porto Rico, onde continuou a esforçar-se até ao fim da vida por se «tornar novamente um ser humano», sobretudo através de trabalhos que implicavam ajudar os outros. Morreu em 1971.

James Rachels, Problemas da Filosofia (Lisboa: Gradiva, 2009, pp. 155-9)

5 comentários:

  1. Eu concordo inteiramente com o advogado. Não temos qualquer "responsabilidade" pelos nossos actos pois são o resultado de várias causas. Várias pessoas contra-argumentam dizendo que podendo contrariar esta teoria (determinismo radical) dizendo, por exemplo, agora vou deixar caír um lápis. Porém, o acto dessas pessoas deixarem caír um lápis foi o resultado da causa que foi quererm provar que o livre-arbítrio existe. Neste caso até conheces as causas, mas todos nós agimos em consequência de uma ou várias causas, só que não as conhecemos todas.

    Mónica Serrão 11ºB

    ResponderEliminar
  2. Mónica, segue-se daí que censurar ou punir alguém pelo mal que faz são coisas que não fazem sentido? E, já agora, elogiar ou recompensar alguém por algo de bom que faz também não faz sentido? E os tribunais e as cadeias deviam acabar?

    ResponderEliminar
  3. Tudo isso faz sentido. Porém, não sendo uma consequência de algo mas como causa, ou seja, alguém com medo de ir para a cadeia, de ser punido, não iría cometer os mesmo erros. Serviria de causa para o indivíduo não cometer algo errado (o medo de ser castigado). Se receber um elogio ou uma recompensa por algo, vai tentar repetir ou fazer algo digno de mérito.
    O recompensar ou castigas vão ser mais causas a actuar na vida das pessoas.

    Mónica Serrão 11ºB

    ResponderEliminar
  4. Nós não sabemos mesmo o que dizer! Como é possível estragarem a vida desta maneira.
    O advogado foi bastante eficaz no que toca a elibá-los da pena de morte com uma teoria filosófica.
    Todos nós temos livre-arbitrio e nada está determinado a acontecer por isso achamos que elibar os réus, foi um erro de certo da parte do juiz mas uma grande justificação por parte do Advogado.

    =D Força ai Stor!

    ResponderEliminar
  5. O advogado mostrou que tudo acontece por uma causa,que eles não têm culpa , porque um está desgastado mentalmente porque passava dias a estudar e ler histórias de crimes e o outro queria provar a sua superioridade.
    Mas se tu acontece por uma causa qual foi a causa da Primeira Causa (do Big Bang)?

    João Fernandes - 10ºQ

    ResponderEliminar