Já não era novo, mas estava ainda longe da velhice, embora a sua posição na hierarquia militar pudesse fazer supor o contrário. O General Grant morreu há pouco mais de quinze dias. A sua morte, não sendo repentina, apanhou‑o bastante de surpresa, visto que há menos de um mês parecia gozar de plena saúde. Excepto no último dia, a doença não o fez sofrer muito. Manteve‑se lúcido até ao fim, pelo que dispôs de tempo suficiente para se despedir dos amigos, revisitar alguns livros, planear o seu próprio funeral e escolher a sua sepultura, que sobretudo havia de ser modesta.
O interesse pelas indagações filosóficas levou o General Grant a frequentar o salão de Lady Lucy, em Londres, onde se reuniam alguns dos espíritos mais sagazes da cidade — e também um segmento apreciável de pedantes e bajuladores, na sua opinião. Quando Lady Lucy o visitou pela última vez, o general, ciente da iminência do seu fim, fez‑lhe um único pedido. Gostaria de uma espécie de homenagem póstuma, que seria esta: para celebrar o seu gosto pela filosofia, ser‑lhe‑iam dedicadas várias sessões de discussão filosófica. Três, mais precisamente, uma por semana e todas sobre o mesmo tema: a morte. Deixaria escritas três perguntas muito sucintas, selando cada uma delas num envelope numerado, que só deveria ser aberto à hora prevista para o começo do debate. Assim fez. A Lady Lucy, como de costume, caberia moderar as discussões, sem se inibir de ter voz activa nas mesmas. Estas, no entanto, deveriam ficar confinadas a um círculo muito estrito do seu salão, constituído por apenas quatro pessoas, e isto a contar com ela própria. Vejamos então, por idade decrescente, a quem o General Grant confiou a realização do seu desejo final.
O mais velho é o Prof. Pohl, um médico alemão, agora distinto professor de filosofia natural e experimental. Descendo à meia‑idade, encontramos o Rev. Royce, escocês, arguto defensor da ortodoxia contra as opiniões dos livres‑pensadores, porém bastante desprovido de animosidade e sempre disponível para uma troca franca de ideias. Lady Lucy estranhou a última escolha: Pierre Perrier, um jovem literato francês muito dado à boémia e autor de um par de peças teatrais, ainda por representar, bem como de alguns panfletos anónimos que indispuseram meia cidade.
De pessoas tão singulares e diversas, alguma vez poderia resultar uma série de conversas aborrecidas?
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quarta-feira, 24 de junho de 2020
Filosofia da morte
Três Diálogos Sobre a Morte, de Pedro Galvão, é o mais recente livro da colecção Filosofia Aberta (Gradiva), publicado esta semana. Outros autores portugueses, como José Cardoso Pires ou Maria Filomena Mónica, escreveram sobre a morte. Mas, diferentemente dos anteriores, este é o primeiro livro de filosofia da morte escrito por um filósofo português. E é, provavelmente, o único livro no mundo de filosofia da morte escrito em forma de diálogo. A forma do diálogo, quando é bem utilizada — como é aqui o caso —, permite apresentar e discutir as ideias de uma maneira mais natural, mais envolvente e menos académica.
Os diálogos têm lugar em Londres, no final do século XVIII, mas estão também em jogo ideias que fazem parte da discussão recente na filosofia da morte. Assim, podemos ver discutidas não só as ideias de Epicuro, Lucrécio, Descartes, Leibniz, Locke e Hume sobre a natureza da morte, mas também as de filósofos mais recentes como Derek Parfit, Jeff McMahan, David Wiggins, Bernard Williams, Eric Olson, Thomas Nagel e Richard Swinburne, entre outros.
Os intervenientes no diálogo são quatro. Ou antes, são cinco, como se pode ver no preâmbulo e confirmar nos retratos então realizados.
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