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segunda-feira, 28 de outubro de 2019

Definições de arte não-essencialistas

Aqui fica um pequeno excerto (incluindo a imagem abaixo) do meu livro A Definição de Arte: O essencial, recentemente publicado na Plátano Editora. Trata-se de uma passagem em que procuro apresentar os traços gerais da abordagem não-essencialista e daquilo que distingue mais claramente as definições não-essencialistas das definições tradicionais (essencialistas).


A reação [ao ceticismo acerca da possibilidade de definir arte] traduziu-se, assim, na procura de uma definição não-essencialista, capaz de identificar as condições necessárias e suficientes da arte. 

Perante isto, poder-se-á perguntar: mas se as condições necessárias e suficientes não referem características essenciais da arte, hão-de referir o quê? Para melhor se compreender as definições não-essencialistas é útil começar por responder a esta pergunta, fazendo algumas comparações.

A primeira diz respeito à questão da função da arte. As definições essencialistas tendem a identificar a essência da arte com a função que a arte é suposto desempenhar, seja ela representar algo, exprimir emoções ou proporcionar satisfação estética. Assim, de acordo com a teoria representacional, a arte tem como função principal representar a realidade, fazendo-nos ver e compreender melhor aspetos do mundo que, sem ela, nos poderiam passar despercebidos; a teoria expressionista, por sua vez, assenta na ideia de que a função da arte é exprimir sentimentos que aproximem as pessoas entre si — na perspetiva de Tolstói — ou que contribuam para nos compreendermos melhor a nós próprios — na perspetiva de Collingwood —; de acordo com a teoria formalista, a arte tem como função criar padrões interessantes capazes de nos proporcionar satisfação estética. Portanto, o mérito artístico de obras de arte particulares depende substancialmente do modo como cada obra satisfaz os critérios funcionais da teoria considerada correta, os quais decorrem, por sua vez, do que se considera ser a essência da arte. Por exemplo, de acordo com a teoria da representação, as melhores obras são as que conseguem representar melhor ou mais fielmente aquilo que está a ser representado. E o mesmo tipo de critério funcional se aplica às restantes teorias tradicionais. Os não-essencialistas admitem, ao invés, que a arte possa ter as mais variadas funções — alargar o conhecimento, exprimir e explorar emoções, proporcionar experiências compensadoras, divertir, proporcionar prazer, ajudar-nos a ser pessoas melhores, comunicar ideias, criticar a sociedade, transformar o mundo, criar coisas belas, valorizar as nossas vidas, ajudar-nos a suportar os males do mundo, etc. — o que torna inútil procurar nos objetos de arte características permanentes supostamente associadas a funções tão diferentes. Até porque uma mesma obra de arte, consideram os não-essencialistas, pode servir diferentes funções, adquirir diferentes significados, admitir diferentes interpretações ou exprimir sentimentos diferentes, consoante o contexto em que ela é produzida ou apreciada.

Dado que os não-essencialistas não esperam que a definição sirva para determinar os méritos ou a qualidade de obras de arte particulares, o que eles procuram é uma definição que permita simplesmente classificar corretamente certos objetos como arte, sem qualquer preocupação de caráter valorativo. Buscam, portanto,  uma definição que seja compatível com a existência de boas e de más obras de arte.

Tudo isto sugere que as condições necessárias e suficientes da arte não dependem das características internas dos objetos. O não-essencialista considera, em contrapartida, que tais condições são relativas ao contexto em que eles estão inseridos e ao modo como tais objetos adquirem o estatuto de obras de arte. Uma metáfora adequada da perspetiva do não-essencialista é a afirmação atribuída ao escritor Jorge Luís Borges sobre a arte de que "nenhuma obra é uma ilha", no sentido em que é preciso procurar fora da obra — mais precisamente no contexto em que ela se encontra —, aquilo que a torna arte. Assim, a pergunta relevante para o não-essencialista não é "Quais são as características de um dado objeto que fazem esse objeto ser uma obra de arte?" mas antes "Como é que um qualquer objeto adquire o estatuto de obra de arte?" A primeira pergunta aponta para as próprias obras de arte ao passo que a segunda aponta para o seu contexto social. Por isso, os próprios defensores do não-essencialismo consideram ajustado o termo "contextualismo" para classificar o tipo de teorias da definição que eles propõem.

quarta-feira, 16 de outubro de 2019

Definir arte

O meu pequeno livro sobre a questão filosófica da definição de arte está já à venda e pode ser encomendado aqui. Deixo também um pequeno excerto do prefácio, com a descrição sumária de cada capítulo do livro.


Dada a importância das artes para os seres humanos e dada a sua enorme relevância social, haverá muitas outras pessoas interessadas nas questões da identificação e da natureza da arte, sejam estudantes de vários níveis e áreas, como professores, agentes artísticos ou apreciadores de arte em geral. Este livro também é para essas pessoas, pelo que a linguagem adotada procurou ser acessível, mas não estritamente escolar, de modo a chegar a todos.
Ainda que os artistas não precisem de quaisquer teorias da arte para produzirem obras de arte, todos temos algum tipo de necessidade de compreender o que é isso da arte e como distinguir o que é arte do que não é. Assim, talvez o conhecido artista americano Barnett Newman tenha dito apenas uma parte da verdade quando afirmou que “a estética [ou teoria da arte] está para o artista como a ornitologia está para os pássaros”. Mesmo que os artistas dispensem as teorias, isso não significa que nós não precisemos delas para compreender o que os artistas criam, tal como estudamos ornitologia para conhecer melhor os pássaros, apesar de os próprios pássaros nada aprenderem com isso. 
Este livro está dividido em cinco partes. A primeira trata de esclarecer o problema da definição de arte: Em que consiste o problema? O que torna o problema difícil? Para quê definir arte? Que tipo de definição se pretende? Esta última secção da primeira parte visa apenas dar as ferramentas técnicas para a discussão subsequente. É talvez mais técnica, mas  é também das mais curtas. Em todo o caso, pretende-se que seja relativamente acessível.
Na segunda parte apresentam-se e discutem-se as três principais teorias essencialistas (da representação, da expressão e da forma significante), isto é, as que partem da ideia de que há uma essência da arte e, por isso, visam apresentar uma definição que descreva essa essência. 
Essas definições foram o alvo de uma forte reação cética. Os céticos não só consideram não haver uma essência da arte como afirmam tratar-se de um conceito indefinível. Pensam, contudo, que isso não é dramático, alegando que também não precisamos de uma definição de arte para nada. Este é o tema da terceira parte.
Por sua vez, os céticos foram alvo das críticas dos contextualistas, que insistem que o conceito de arte pode ser definido, embora em termos não-essencialistas. As definições não-essencialistas (institucional e histórica) são discutidas na parte quatro.
Por fim, na quinta parte, aperesentam-se brevemente algumas alternativas à definição, de modo a não se ficar com a ideia que nada mais há além das definições propostas.