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domingo, 4 de novembro de 2018

Vinte questões básicas, por Simon Blackburn

Acabou de ser publicado na colecção Filosofia Aberta (Gradiva) o livro As Grandes Questões da Filosofia do filósofo Simon Blackburn, já bem conhecido do leitor português. É um livro para o leitor comum e não apenas para filósofos encartados, no qual Blackburn apresenta as suas próprias respostas a vinte questões filosóficas centrais. Deixo abaixo um pequeno excerto sobre a questão "Será tudo relativo?"

A tradução é de Daniela Moura Soares e de Desidério Murcho.


Suponha-se que expresso uma opinião honesta e sincera acerca de alguma coisa, da matemática à ética e à estética. O comentário paralisante «Isso é apenas a tua opinião» não dispara só para o lado: acima de tudo, é desumanizante. Sugere que as minhas palavras não devem ser levadas a sério, devendo ser encaradas apenas como sintomas, mais ou menos como sinais de uma doença. Levar as minhas palavras a sério significaria incorporá-las no nosso próprio processo de tomar decisões, seja considerando‑as úteis, seja considerando que precisavam de refutação. Tornar-se-iam um factor na construção do nosso próprio entendimento acerca da questão de saber se, digamos, a pena de morte é permissível ou não. Mas se o leitor olhar para mim e vir apenas os sintomas de uma ideologia liberal frouxa, ou uma ideologia conservadora áspera e vingativa, então estamos simplesmente a pôr as minhas palavras de lado, no que respeita à questão em causa. E isso é desrespeitoso. 
Nas últimas décadas do último século houve «guerras da ciência» virulentas entre cientistas comuns e histo­riadores e sociólogos «pós-modernistas» da ciência que alegadamente desmascararam as coisas. O cientista diz, por exemplo, que a Lua está a um quarto de um milhão de milhas da Terra. O historiador ou o sociólogo ouve, mas depois embarca numa história acerca de como essa conversa é a expressão de uma ideologia ou de uma pers­pectiva que surgiu por razões sociológicas ou históricas identificáveis: apoiar a classe mercantil, ou promover o colonialismo, ou subjugar as mulheres, ou seja o que for. Para o cientista isto é ultrajante, visto que do seu ponto de vista a questão é a distância a que está a Lua, e só depois, e lateralmente, estará interessado na questão histórica de como as pessoas ficaram convencidas disso. A sua história de como isso aconteceu começa com o facto de ser uma crença verdadeira: passou a existir porque realmente nos diz qual é a distância a que está a Lua, e algumas pessoas muito espertas foram suficientemente inteligentes para começar a entendê-lo e encontraram modos de representar a distância em termos mensuráveis. 
Suponha-se que pretendo explicar por que razão al­guém acredita que há queijo no frigorífico. Poderão ser necessários dois tipos muitos diferentes de explicação. Há uma explicação aborrecida para quem acredita que há queijo no frigorífico quando, e somente quando, há lá queijo ou algo parecido com queijo. Esta explicação segue a linha de «Eles olharam e viram». Há uma expli­cação mais oblíqua para as pessoas que acreditam que há queijo no frigorífico quando não há lá qualquer queijo, nem coisa alguma que pudesse facilmente ser confundida com queijo. Isto pode ser mais ou menos preocupante, dependendo de quão explicável for o equívoco: má ilu­minação, algo que se parecia vagamente com queijo, ou uma completa alucinação. Mas qualquer homem de bata branca que resolutamente coloca de lado a questão de saber o que há no frigorífico, e depois procura explicar por que razão acredito que há lá queijo, está a tratar-me como um possível paciente ou um lunático, desde o início. É por isso que está a desumanizar-me.
pp. 143-144

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