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sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Uma busca épica da verdade



Finalmente, a edição portuguesa! O enorme sucesso de Logicomix: Uma Busca Épica da Verdade, a original banda desenhada matemático-filosófica dos gregos Apostolos Doxiadis e Christos Papadimitriou, com arte de Alecos Papadatos e Annie di Donna, chega a Portugal, numa excelente edição da Gradiva. 

Para se ter uma ideia do sucesso deste livro, originalmente escrito em grego, basta ver que já foi editado nos seguintes países: Holanda, EUA, Inglaterra, França, Itália, Alemanha, Finlândia, Brasil (pela Martins Fontes), Croácia, Espanha, Noruega, Polónia, Dinamarca e República Checa, tendo edições em curso também na China, no Japão, na Rússia, na Turquia, em Israel, na Coreia do Sul, e até no Irão. O sucesso não é apenas junto do público, mas também da crítica, quase sempre muito positiva (quando não mesmo entusiástica), sendo-lhe dado destaque nas secções literárias dos mais prestigiados jornais do mundo: New York Times, Guardian, Financial Times, Washington Post, Independent, Time Magazine. Alguns deles colocam-no mesmo entre as suas melhores escolhas. A Amazon, por sua vez, conta com nada menos do que 162 recensões de leitores, com uma avaliação média de quase 5 estrelas. 

Apesar disso, o livro poderia, ainda assim, não ser grande coisa. Mas o sucesso é bem justificado. O que tem, então, Logicomix de especial?

Eu diria que o sucesso do livro deve muito à conjugação de quatro aspectos principais.

1. É uma ideia original e arriscada, que consiste em usar a banda desenhada para abordar temas abstractos e geralmente tidos como difíceis, como a matemática, a lógica e a filosofia. Tudo isso é feito com o pretexto de contar a história de vida de alguém que procura obstinadamente a verdade. 

2. Esses temas são abordados de uma forma muito acessível e até apelativa. O truque dos autores foi o procurarem contar a história romanceada da vida de Bertrand Russell, uma vida bastante diversificada e preenchida em termos intelectuais e não só.

3. Apesar de apresentadas de forma descontraída e acessível, as ideias de Russell e de outros matemáticos e filósofos não constituem meras caricaturas. Mesmo quando são discutidas de forma sumária, os autores sabem do que estão a falar. Até porque Doxiadis é, ele próprio, um matemático encartado, autor do best seller internacional de divulgação científica O Tio Petros e a Conjectura de Golbach, e Papadimitriou é professor de ciência computacional em Berkeley. 

4. Descreve o contexto intelectual e histórico de uma verdadeira revolução de ideias ocorrida entre o fim do século XIX e o início da Segunda Guerra Mundial, cujos protagonistas são cérebros tão brilhantes quanto tortuosos (a loucura é uma presença constante ao longo do livro), como Frege, Hilbert, Cantor, Wittgenstein, Poincaré, Gödel, além de Whitehead e do próprio Russell. 

Nada disto significa que não possa haver aspectos menos conseguidos do livro, tanto a respeito das ideias nele contidas como a respeito dos desenhos. Quem espera encontrar uma discussão profunda das questões matemáticas e filosóficas nele abordadas, irá ficar decepcionado. Mas é duvidoso que alguém procure tal coisa num livro de banda desenhada. O livro já faz muito ao introduzir algumas ideias aparentemente inacessíveis a um público alargado, mas interessado nelas. E até quem as conhece bem consegue apreciar o modo como os autores as tratam. 

A edição portuguesa, que inclui um prefácio do conhecido matemático Jorge Buescu, é muito cuidada. Pena é ainda se encontrar um ou outro deslize de tradução de alguns termos filosóficos. Mas nada de mais. 

Os autores mantêm um sítio na net totalmente dedicado ao livro.

Ficaria muito surpreendido se jornais de referência como o Público ou o Expresso se dignassem falar do livro nos seus suplementos literários semanais. Afinal, os seus critérios não podem descer ao nível de um New York Times ou de um Guardian.

NOTA: É bom saber que me enganei, pois o Expresso publicou mesmo uma recensão ao livro no seu suplemento Actual. A recensão é da autoria de José Mário Silva e pode ser lida aqui.

1 comentário:

  1. Quando o livro saiu em inglês, hesitei bastante em comprar, pensando tratar-se de um chorrilho de caricaturas grotescas e pretensiosas. Mas comprei, li e reli e gostei muito. Dois aspectos que não mencionas na tua nota: primeiro, os autores retratam Russell de um modo muito cativante, como alguém que passou por várias vicissitudes mas manteve uma certa elevação de espírito. Segundo, o final do livro é um desastre. Vale a pena ler o livro, apesar disso, mas o fim precisaria de ser repensado.

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