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quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Cepticismo radical: o solipsismo.


Uma forma radical de cepticismo é o solipsismo. Mas há outras formas radicais de cepticismo. Talvez volte a esta ideia mais tarde. Por agora, deixo um texto sobre o cepticismo acerca do mundo exterior defendido pelos solipsistas, retirado do excelente livro Que Quer Dizer Tudo Isto? (Gradiva), do filósofo Thomas Nagel. A passagem encontra-se no capítulo 2, intitulado: Como sabemos seja o que for? (páginas 12-15)

Seja o que for em que acredites -- quer seja sobre o Sol, a Lua e as estrelas, a casa e o bairro em que vives, a história, a ciência, as outras pessoas, até mesmo a existência do teu próprio corpo --, é baseado nas tuas experiências e pensamentos, sentimentos e impressões dos sentidos. É só a isso que tens acesso directo, quer vejas o livro nas tuas mãos, sintas o chão debaixo dos teus pés, ou te lembres que D. Afonso Henriques foi o primeiro rei de Portugal, ou que a água é H20. Tudo o resto está mais afastado de ti do que as tuas experiências e pensamentos internos e é só através destes que te alcança.
Normalmente não tens dúvidas sobre a existência do chão debaixo dos teus pés, ou da árvore que está lá fora, ou dos teus próprios dentes. De facto, a maior parte do tempo nem sequer pensas nos estados mentais que te tornam consciente dessas coisas: parece que tens consciência directa delas. Mas como sabes que elas existem realmente?
Se tentares argumentar que tem de existir um mundo físico exterior porque não verias prédios, pessoas ou estrelas, a menos que existissem coisas lá fora que reflectissem ou lançassem luz para os teus olhos, causando assim as tuas experiências visuais, a resposta é óbvia: como sabes isso? Trata-se apenas de outra afirmação acerca do mundo exterior e da tua relação com ele, que tem de ser baseada nos dados dos teus sentidos. Mas só podes confiar nesses dados específicos acerca de como as experiências visuais são causadas se já puderes confiar em geral nos conteúdos da tua mente como fonte de informação acerca do mundo exterior. E isso é exactamente o que está a ser questionado. Se tentas provar a credibilidade das tuas impressões apelando para as tuas impressões, estás a argumentar de forma circular e não chegas a lado algum. 
Será que as coisas te pareceriam diferentes se de facto tudo existisse apenas na tua mente -- se tudo o que tomas como o mundo real exterior fosse apenas um sonho gigante, ou uma alucinação, de que nunca vais acordar? Se assim fosse, então é claro que não poderias acordar, tal como acontece quando sonhas porque não haveria qualquer mundo «real» no qual pudesses acordar. Portanto, não seria exactamente como num sonho normal ou numa alucinação. Usualmente, pensamos que os sonhos têm lugar em mentes de pessoas que estão de facto deitadas numa cama real numa casa real, mesmo que no sonho estejam a fugir de uma máquina de aparar relva homicida pelas ruas de Sobral de Montagraço. Admitimos igualmente que os sonhos normais dependem do que está a acontecer no cérebro do sonhador enquanto dorme.
Mas não poderiam todas as tuas experiências ser como um sonho gigante, sem nenhum mundo exterior fora dele? Como podes saber que não é o que se passa? Se toda a tua experiência fosse um sonho sem nada lá fora, então todos os dados que tentasses usar para provar a ti próprio que existe um mundo exterior seriam apenas parte do sonho. Se batesses na mesa ou se te beliscasses, ouvirias o som e sentirias o beliscão, mas isso seria apenas mais uma ocorrência no interior da tua mente, tal como tudo o resto. Não vale a pena: quando queres saber se o que está dentro da tua mente pode ser um guia para o que está fora dela, não podes apoiar-te na maneira como as coisas parecem -- a partir do interior da tua mente -- para te darem a resposta.
Mas em que mais podes apoiar-te? Todos os teus dados acerca do que quer que seja têm de vir através da tua mente -- quer na forma de percepção, de testemunhos de livros e de outras pessoas, ou da memória -- e tudo aquilo de que tens consciência é inteiramente consistente com a hipótese de que não existe absolutamente nada além do interior da tua mente.
É mesmo possível que não tenhas um corpo nem um cérebro -- uma vez que as tuas crenças acerca disso vêm unicamente dos dados dos teus sentidos. Nuca viste o teu cérebro -- admites apenas que toda a gente tem um --, mas, mesmo que o tivesses visto, ou pensado que o tinhas visto, isso teria sido apenas mais uma experiência visual. Talvez tu, o sujeito dessa experiência, sejas a única coisa que existe, e, de qualquer modo, talvez não exista mundo físico -- nenhumas estrelas, nenhuma terra, nenhuns corpos humanos. Talvez nem sequer exista qualquer espaço.
A conclusão mais radical a tirar daqui seria a de que a tua mente é a única coisa que existe. Esta posição chama-se solipsismo. É uma posição muito solitária, e não houve muitas pessoas que a sustentassem. Como podes aperceber-te por este comentário, eu próprio não a sustento. Se fosse solipsista, provavelmente não estaria a escrever este livro, uma vez que não acreditaria que existem pessoas para o lerem. Por outro lado, talvez o escrevesse para tornar a minha vida interior mais interessante, incluindo, assim, a impressão da aparência do livro publicado, de outras pessoas a lê-lo e a comunicarem-me as suas reacções, e assim sucessivamente. Poderia até ter a impressão de receber direitos de autor, se tivesse sorte.
Talvez tu sejas um solipsista: nesse caso, considerarás este livro como um produto da tua própria mente, começando a existir na tua experiência à medida que o fores lendo. Obviamente, nada do que eu possa dizer poderá provar-te que existo realmente, ou que o livro existe enquanto objecto físico.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

O Cônsul de Bordéus e a desobediência civil

Haverá casos em que violar a lei é moralmente justificado? Esta é uma questão filosófica e é conhecida como a questão da desobediência civil. Há vários filmes que abordam este problema e o Cônsul de Bordéus, de Francisco Manso e João Correa, talvez seja um deles. A estreia do filme nas salas de cinema está anunciada para breve e conta a história do diplomata português Aristides Sousa Mendes, cônsul de Portugal na cidade francesa de Bordéus durante a Segunda Guerra Mundial. Muito resumidamente, Aristides Sousa Mendes passou milhares de vistos a judeus perseguidos pelos nazis, de modo a poderem fugir aos campos de concentração e às câmaras de gás, salvando assim milhares de vidas. Mas para isso teve de desobedecer repetidamente ao governo português, sabendo que iria ser severamente punido, como veio depois a acontecer.  

Entretanto, ficam aqui com algumas imagens do filme.