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quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Filósofos e banalidades

Foto de Aires Almeida

Eis duas afirmações que encontrei em respostas de alunos a perguntas dos testes (uma delas num teste do 10º ano e outra num teste do 11º ano):

1. A teoria filosófica do subjectivismo moral caracteriza-se por defender que há diferentes opiniões sobre o que é moralmente correcto e o que é moralmente errado. 
2. Uma das coisas que Descartes quer mostrar com o cogito é que para pensar é preciso existir.

É fácil imaginar a que perguntas se está a responder, mas não é isso que interessa agora. Prestemos antes atenção ao que se diz e pensemos se as afirmações anteriores são filosoficamente interessantes, ou sequer informativas.

Em 1 diz-se que há diferentes opiniões sobre questões morais. Mas haverá alguém que discorde disso? Qualquer pessoa sabe isso. Não precisamos de filósofos para descobrirmos tal coisa. Que há pessoas com opiniões diferentes sobre este e outros assuntos parece óbvio. Basta ouvir o que elas dizem e observar como discordam umas das outras. Assim, defender que há opiniões diferentes sobre o mesmo assunto é afirmar uma banalidade que dispensa qualquer justificação, uma vez que se trata de algo que qualquer pessoa pode observar directamente.

Em 2 diz-se que para pensar é preciso existir, e que é disso que o filósofo em causa nos quer convencer. Mas, mais uma vez, será preciso um filósofo reflectir tanto e gastar tantas das suas energias para mostrar o que, afinal, já toda a gente sabe? Claro que para pensar é preciso existir, tal como para tossir ou espirrar é preciso existir. Um filósofo que se dedique a convencer-nos de tal coisa não passaria certamente de um tolo.

Mas os filósofos não costumam ser tolos, pois não é suposto existirem para afirmar banalidades.

Se os filósofos e as teorias filosóficas servissem para nos mostrar o que já sabemos sem precisarmos sequer de filosofar, então os filósofos e as teorias filosóficas não serviriam de nada. Nesse caso, sim, aqueles que acusam os filósofos de defenderem tolices, apelidando-os de lunáticos, teriam alguma razão. Mas muitas pessoas chamam tolos e lunáticos aos filósofos precisamente porque pensam, erradamente, que eles se dedicam a dizer coisas como essas. É o que acontece quando interpretam apressadamente algumas das suas afirmações mais famosas, como «Penso, logo existo», «Só sei que nada sei» ou «O homem é a medida de todas as coisas».

Parece, então, claro que os subjectivistas morais não se caracterizam por defenderem que há diferentes opiniões sobre o que é moralmente correcto ou incorrecto. Isso é algo que tanto o subjectivista como o objectivista dão como certo. E também não é verdade que o objectivo do cogito cartesiano seja o de mostrar que para pensar é preciso existir.

Assim, o que recomendo aos alunos de filosofia quando lêem ou escrevem algo que lhes pareça uma banalidade, é que voltem atrás e pensem melhor nisso: talvez estejam a compreender mal as coisas e a tirar conclusões precipitadas. Não porque os filósofos estejam livres de dizer banalidades (por vezes, acontece encontrarmos filósofos que, por detrás de um palavreado complicado, acabam por dizer coisas que verificamos serem, afinal, banais), mas porque não é suposto os filósofos fazerem tal coisa. Aliás, se descobrirmos que um filósofo está, afinal, a dizer banalidades, esse filósofo deixa de ter interesse filosófico. Ora, é pouco provável que a maioria dos filósofos, sobretudo os que têm sido minuciosamente estudados e aqueles cujas teorias têm sido amplamente escrutinadas, como é o caso de Descartes, digam banalidades tão desinteressantes. 

Mas só verificamos que estamos perante banalidades filosoficamente desinteressantes quando estamos a pensar mesmo no que lemos, dizemos ou escrevemos. É por isso que o mais importante para um estudante de filosofia não é tanto estudar (também é, sim, também é!), mas pensar cuidadosamente nas coisas. Dá trabalho, mas correm-se menos riscos de dizer disparates. 

3 comentários:

  1. O meu pequeno conhecimento acerca da Filosofia fez-me ,muitas vezes, por à prova o que eu realmente sabia e o que eu pensava saber. Todos nós, estudantes desta disciplina já nos deparamos com muitas situações que nos fazem sentir bastante "perdidos" em reacção ao conteúdo leccionado. Quanto a isso, a atenção e a reflexão são os melhores métodos. Os filósofos não costumam afirmar banalidades, apenas utilizam teorias um pouco óbvias com o intuito de nos por a pensar acerca de um determinado assunto.
    De acordo com os meus conhecimentos, o subjectivismo moral é a teoria que defende que, na ética, apenas existem opiniões pessoais e não verdades universais. Deste modo, quando eu digo "esta acção é errada" estou apenas a dizer que tenho sentimentos negativos em relação a ela.
    Existem razões para aceitarmos esta teoria, entre elas o facto de que o subjectivismo torna possível a liberdade. Deste modo, só nos sentimos livres se agimos de acordo com os nossos sentimentos. Para além disso, esta teoria promove a tolerância entre pessoas com opiniões diferentes, pois o certo e o errado depende só dos sentimentos de cada pessoa. Por outro lado também são levantas objecções, uma delas, o facto de que nenhuma opinião, por mais monstruosa que seja, pode ser considerada moralmente errada.
    Já o argumento utilizado por Descartes, o cogito, tem o objectivo de chegar a um fundamento que seja o mais evidente e verdadeiro possível. Para fazer isso, Descartes, utiliza o princípio da dúvida. Ele duvidou das suas sensações chegando a conclusão de que estas enganam sempre; utilizando o argumento do sonho duvidou do seu corpo e da realidade. Desta forma, só lhe restou uma única certeza "Duvido, logo existo" mas duvidar é um modo de pensar, logo "Penso, logo existo".
    Para compreendermos bem ambos os argumentos, temos que reflectir sobre eles. Uma única leitura, uma distracção momentânea durante a aula entre muitos outros factores podem prejudicar a nossa percepção e levar-nos a tirar conclusão erradas e precipitadas, como por exemplo “Estas duas teorias apenas afirmam banalidades!”

    Letícia Fuentes, 11ºJ nº13

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  2. Muito bem, Letícia.

    Não deixo, contudo, de fazer dois pequenos reparos.

    O primeiro é que Descartes não chegou à conclusão de que os sentidos enganam sempre, mas antes que nunca podemos estar certos se nos estão a enganar ou não. São coisas muito diferentes. Os sentidos até podem não nos estar a enganar. O problema é que não conseguimos saber quando nos estão e quando não nos estamos a enganar.

    O segundo é que não é boa ideia dizer que Descartes utilizou o PRINCíPIO da dúvida. A palavra «princípio» aqui é traiçoeira, uma vez que é utilizada por ele quando se refere ao cogito. Seria mais correcto dizer que utiliza o MÉTODO da dúvida. É por isso que se chama dúvida metódica e que uma das obras em que fala disso se intitula precisamente Discurso do Método, que é o relato de como o seu método (duvidar) o levou à certeza que fundamenta o conhecimento.

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  3. Defacto eu sempre ouvi falar que a filosofia era algo sem sentido algum, apenas procurava responder aquelas questões chatas a que ninguem queria saber. Todavia constatei que isso não é bem assim até porque argumentos e teorias propostos por estes filósofos estudados podem parecer banais mas quando estudados e analisados atentamente verifica-se que houve muito trabalho a priori para os fundamentar.
    O argumento do Cogito é utilizado por Descartes nas suas Meditações na tentativa de fundamentar a sua Teoria do Conhecimento, portanto só por esta razão verifica-se que o argumento é deveras bom de forma a conseguir fundamentar uma teoria.
    Que é possível duvidar das nossas sensações, das nossas imaginações e dos nossos pensamentos, é coisa que qualquer um de nós pode testemunhar porem descartes pretende monstrar é que como o professor Aires afirmou "nunca podemos estar certos se nos estão a enganar ou não", tratando-se assim de coisas diferentes. E como ja referido o argumento utilizado por Descartes, o cogito, tem o objectivo de chegar a um fundamento que seja o mais evidente e verdadeiro possível, baseando-se assim no métudo da dúvida, destancando no facto de que os sentidos são faliveis e que não se pode recorrer unicamente a estes para comprovar a nossa existência.
    Analisando a resposta dada sobre o subjectivismo moral, esta é claramente insuficiente, pois limita-se a explicar o que toda a gente já sabe e concorda, deveria debater-se salientando que o subjectivismo moral defende que não existem verdades universais e objectivas, apenas existem opiniões diferentes que varia de indivíduo para indivíduo, cada um tem a sua opinião, e todos estamos certos. Por exemplo eu acho a pena de morte correcta, estou a afirmar de acordo com os meus sentimentos pois para o subjectivismo quem age conforme os seus sentimentos, crenças ou desejos está correcto, e os juízos morais só têm valor, se o que estão a dizer for de acordo com os seus sentimentos. Para outros a minha prespectiva pode estar errada, mas só porque todos temos opiniões diferentes.
    Conclusão se algo parecer banal há que refletir melhor e constactar se estamos a seguir o caminho racionalmente mais logico de forma a entender o ponto de vista de quem elaborou a Teoria/Argumento.

    Daniel Cotta, 11ºJ nº4

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