O que é a música? Há quem se apresse a responder que a música, ao contrário do simples ruído, é som organizado. Bom, mas quando falamos também estamos a produzir sons organizados e isso não é música. O que distingue, pois, um evento sonoro musical de um evento sonoro não musical? Este é o problema da definição de música. E, apesar de poder interessar também os musicólogos, é um problema filosófico: é um problema de filosofia da música.
Eis outro problema de filosofia da música, mais precisamente de ontologia da música: que tipo de objecto é uma obra musical? Será uma entidade concreta, situada no espaço e no tempo, como o quadro Mona Lisa, por exemplo? Ou será antes algo abstracto, como é, talvez, o caso dos números? Pensemos na 5ª Sinfonia de Beethoven. Se essa obra do compositor alemão for uma entidade concreta (um particular concreto, como dizem os filósofos), onde se encontra ela? Na gravação em CD que tenho agora na minha mão, ou nos milhares de outras gravações diferentes que se encontram nas mãos de outras pessoas? Mas, se está em tantos sítios diferentes ao mesmo tempo, será coerente afirmar que existe apenas uma 5ª Sinfonia de Beethoven? Talvez essa obra se encontre apenas na partitura que todas essas interpretações tomam como referência. Acontece que a partitura é papel pintado e papel pintado não é música. Não será a obra, afinal, o que estava na mente de Beethoven quando ele escreveu a partitura? Bom, mas se a obra estiver na mente do compositor, então ela já não existe, pois o compositor já morreu. Talvez a 5ª Sinfonia de Beethoven seja antes algo que existe e sempre existiu (uma determinada estrutura sonora) e que o compositor alemão se limitou a descobrir. Mas, nesse caso, a obra não é uma criação humana e Beethoven não é realmente um compositor. Problema difícil, este!
Já agora, o que nos permite dizer que uma dada execução musical é uma interpretação da 5ª Sinfonia de Beethoven? O critério será estar de acordo com a partitura, isto é, com o conjunto das instruções dadas pelo seu autor? Nesse caso, se um executante se enganar numa nota e der um Ré onde, por exemplo, está um Dó, continuaremos perante uma interpretação da mesma obra? Diríamos que sim. Afinal, trata-se apenas de uma nota diferente do que está na partitura. Mas, se uma nota não faz diferença, por que razão duas haveriam de fazer? E, já gora, três? E quatro? E ...? Em que consiste, então, a identidade de uma obra musical? Humm...
Um aspecto que todos destacam na música é o seu poder expressivo: as pessoas falam frequentemente na capacidade de a música exprimir emoções. Mas o que quer isso dizer? Em que sentido a música exprime emoções? Será que há mesmo emoções (como tristeza, alegria, euforia, raiva, etc.) na música? Como assim? As emoções são, ou envolvem, estados mentais e é simplesmente disparatado acreditar que a música tem estados mentais; ela é apenas som. Talvez a música não exprima realmente emoções, mas se limite a despertar emoções no ouvinte e, assim, a tristeza, euforia, alegria, etc. estejam apenas em quem ouve. Nesse caso, diferentes ouvintes poderão ter emoções diferentes perante a mesma obra musical. Só que isso não bate certo com o facto inegável de pessoas diferentes, em estados emocionais diferentes, serem capazes de concordar que determinada peça musical é triste ou que é alegre. Podemos estar alegres e reconhecer que a música que ouvimos é triste; e vice-versa. Parece, afinal, que há qualquer coisa na música que nos faz dizer que é triste ou que é alegre. Mas o quê e como? E, já agora, por que razão havemos de querer ouvir música triste (ou música que nos causa tristeza), apesar de, em condições normais, evitarmos estar tristes?
Como se vê, há aqui muito para discutir. Estas foram precisamente algumas das questões abordadas por Vítor Guerreiro na XII Conferência de Filosofia da Teixeira Gomes, realizada na passada sexta-feira. A conferência cedo se transformou num animado debate, graças à intervenção empenhada de vários participantes, alunos e professores. E a conversa prolongou-se até ao fim da tarde.
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