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sexta-feira, 4 de junho de 2010

Ética da clonagem

                                   Imagem do filme Gattaca, de Andrew Niccol

A discussão filosófica exige algum cuidado e subtileza, não dispensando frequentemente o recurso a informação empírica fidedigna e relevante. Verifico que a tendência para esquecer isso é particularmente notória em casos como a discussão sobre a moralidade da clonagem humana reprodutiva. Neste caso, a argumentação cuidada é tantas vezes substituída por cenários fantasiosos, que mais parecem inspirados nos filmes de Hollywood. Eis algumas dessas fantasias e ideias apressadas, que não têm qualquer sustentação na mais rigorosa informação disponível:

1. Se a clonagem humana reprodutiva for permitida, as pessoas passarão a ser quase todas iguais.

Mas por que razão iriam ser quase todas iguais? A não ser que só fosse permitido fazer clones de umas quantas matrizes seleccionadas, isso não faz qualquer sentido. Clones de pessoas diferentes são também diferentes.

2. Os clones não têm identidade própria.

Pensar que os clones não têm identidade própria é pensar que a personalidade de uma pessoa e aquilo que ela realmente é depende exclusivamente dos seus genes. Mas sabe-se que isto é pura e simplesmente falso. Há também quem diga que pessoas que partilham o mesmo ADN têm maior propensão para sofrer crises de identidade. Mas em que estudos sérios se baseia tal afirmação?

3. A clonagem põe em causa os processos naturais de reprodução.

Falso. A prática da clonagem não implica o fim da reprodução natural. Basta pensar que as pessoas que se opõem à clonagem com este mesmo argumento nunca iriam deixar de ter filhos recorrendo a processos de reprodução natural. As pessoas são diferentes e, por isso mesmo, querem coisas diferentes.

4. A clonagem não é um processo de reprodução natural.

Sim, e depois? Qual é exactamente o problema? Grande parte da medicina também não é natural e não tomamos isso como um mal. Bem pelo contrário. Usar lentes de contacto, pintar o cabelo e andar de avião também não são coisas naturais, mas ninguém acha isso moralmente inaceitável.

5. Os clones seriam o resultado de desejos egoístas dos seus progenitores.

Mas porquê? De resto, quantas vezes os pais não educam os seus filhos naturais em função dos seus desejos e não tanto dos próprios filhos?

E já nem sequer vale a pena falar na completa fantasia dos clones todos de olhos azuis e fartos cabelos louros, como se todas as pessoas gostassem do mesmo.

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