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quarta-feira, 26 de maio de 2010

Ciência e indução

Karl Popper é, na linha de David Hume, um dos mais destacados críticos da indução, desvalorizando o papel deste tipo de raciocínio na construção do conhecimento científico. Mas será que Popper tem razão e a  indução é desnecessária para a ciência? Seria possível fazer previsões científicas tão rigorosas e nas quais confiamos plenamente sem confiar na indução? Afinal, o que levará um médico a receitar antibióticos quando apanhamos uma forte gripe?

terça-feira, 11 de maio de 2010

Será a clonagem humana uma prática eticamente aceitável?


Este é o titulo de um ensaio filosófico de David Nunes, aluno do 11º C de 2008. Não tive oportunidade de lhe pedir autorização para publicar aqui o seu ensaio, mas não levantou qualquer problema quando, na altura da sua discussão, referi tal possibilidade. Eis, pois, a resposta do David:

Em primeiro lugar, é preciso compreender o que é a clonagem. A clonagem é um processo que alguns seres vivos utilizam para a sua reprodução, a reprodução assexuada. É um processo em que o material genético dos descendentes é exactamente igual ao do progenitor. Daí que a reprodução assexuada seja considerada um processo de clonagem. No caso dos seres humanos, a reprodução natural é realizada por um processo designado de reprodução sexuada, em que há a combinação do material genético de ambos os progenitores, e por isso não é um processo de clonagem.
Existem dois tipos de clonagem humana, a clonagem terapêutica, e a clonagem para fins reprodutivos. Na clonagem para fins terapêuticos são utilizados excertos de células que, por mitose, multiplicam o número de células iniciais, podendo assim ser utilizados para salvar a vida do paciente. A clonagem reprodutiva é um processo em que é utilizado o núcleo de uma célula, e este é transferido para um zigoto, em que por uma descarga eléctrica é unido o núcleo ao ovo e, se for bem-sucedido, este começará a dividir-se, levando à formação de um ser humano que é um clone do indivíduo dador da célula de onde proveio o material genético contido no núcleo. A clonagem terapêutica é pouco contestada, pois a sua utilização apenas visa melhorar a qualidade de vida de certos indivíduos que, por alguma razão médica, necessitam de recorrer a este método.
Apesar de a clonagem com fins reprodutivos ser muito contestada, defendo que não há nada de moralmente errado nisso. Assim, penso que não preciso de argumentar a favor da clonagem, bastando-me mostrar que os argumentos contra essa prática não são bons.
Um dos mais comuns argumentos dos opositores da clonagem humana é o chamado «argumento da identidade», de acordo com o qual é errado clonar seres humanos porque este processo, ao reproduzir num indivíduo (o clone) o mesmo material genético de outro indivíduo (a matriz), está a privar aquele indivíduo (o clone) de uma identidade própria.
Outro argumento contra a clonagem humana é que há o perigo da instrumentalização porque os clones poderão ser criados como meios para atingir os nossos fins: se a clonagem se vulgarizar, os clones serão utilizados para ultrapassar frustrações e fracassos que algumas pessoas tiveram durante a vida. Visto que os clones são indivíduos geneticamente iguais, algumas pessoas poderiam pensar que a clonagem seria como uma segunda oportunidade na vida. Isto acontecerá com alguns pais, que já nos dias de hoje querem que os seus filhos sejam o que eles não conseguiram ser. Com os filhos a serem clones dos pais, este efeito iria acentuar-se, pelo que os clones também poderiam ser utilizados para substituir pessoas que morreram, tomando o clone o lugar dessa pessoa.
Há o argumento do perigo da eugenia, a qual consiste no aperfeiçoamento ou eliminação de características físicas e mentais dos indivíduos. Existem dois tipos de eugenia, a eugenia negativa em que é feita uma selecção de características negativas, como malformações do feto ou doenças hereditárias, e há a eugenia positiva, em que são seleccionadas características que sejam desejadas para o indivíduo, tais como a cor dos olhos, a cor do cabelo, etc. Isto significa que se pode pré-determinar características que se pretende que a pessoa venha a ter, correndo-se o risco de dar origem apenas a indivíduos com certas características.
Há ainda o argumento do apelo à natureza, cujos defensores alegam não ser a clonagem humana um processo natural. Dado que a clonagem não requer a junção de um espermatozóide e de um óvulo, ela vai contra o funcionamento da natureza, sendo, por isso, moralmente errado recorrer a ela.
Creio, contudo, que todos estes argumentos falham. Em resposta ao argumento da identidade, basta notar que identidade de uma pessoa não depende apenas dos seus genes; depende também das suas experiências, do meio em que o indivíduo vive e da sua educação, entre outros aspectos. O ADN dos gémeos monozigóticos é exactamente o mesmo, mas isso não implica que ambos pensem ou reajam da mesma maneira aos mesmos estímulos, mesmo tendo vivências semelhantes.
Em resposta ao segundo argumento – os clones poderiam ser utilizados como instrumentos ao serviço de certos fins –, é preciso sublinhar que isso só iria acontecer se admitíssemos que a personalidade do clone, a sua vontade, etc., estariam completamente determinados pelos seus genes, o que já se viu ser falso. Por exemplo, o clone criado para substituir uma pessoa que faleceu não seria exactamente a pessoa que faleceu: os seus estados psicológicos não seriam os mesmos, pois este não teve as mesmas vivências que o falecido teve e, portanto, seria outra pessoa diferente.
Em resposta ao argumento da eugenia, se escolhermos através da manipulação genética algumas características que se quer que o indivíduo venha a ter para ser quase perfeito, então este não conteria genes apenas de um só dador. Mas para que um indivíduo seja um clone tem que ter os seus genes iguais ao de uma só matriz. Ora, no caso da eugenia o indivíduo teria um conjunto de genes de vários dadores, ou seja, um conjunto genético que mais ninguém possui. Logo, como não tem o mesmo conjunto genético de um dador, não é um clone.
Em conclusão, não havendo bons argumentos contra a clonagem reprodutiva humana, também não faz sentido afirmar que ela é moralmente inaceitável.